Uma São Paulo com mais lixões, dos quais saem baratas e ratos em proporções bem acima das que a população se acostumou a ver. Esse cenário de filme de terror está entre os pintados por opositores de uma medida que, à primeira vista, soa bastante simpática: a extinção das sacolas plásticas distribuídas em supermercados paulistanos. OK, mas que tipo de matemática é capaz de transformar uma iniciativa de defesa do meio ambiente num problema de saúde pública?
Vamos ao primeiro elemento da equação. Está prevista para segunda (9) a assinatura de um acordo entre o governo do estado e a Associação Paulista de Supermercados (Apas) para que as bolsas plásticas deem lugar a uma versão biodegradável, feita de amido de milho — as primeiras demoram 300 anos para se decompor, enquanto as ecocorretas duram apenas 120 dias. Embora não tenha caráter de lei, a regra conta com apoio de pesos-pesados do setor, como o Grupo Pão de Açúcar, o Carrefour e o Walmart. Ninguém em sã consciência há de questionar a importância que a medida tem para o meio ambiente, principalmente diante do fato de que, no Brasil, são usadas por ano 135 milhões de sacolas.
+ Conheça alternativas às sacolas plásticas oferecidas em São Paulo
Só que a conta terá de ser paga pelo consumidor. E é aí que começa a se desenhar a ideia descrita no começo deste texto. Os clientes poderão, naturalmente, levar ao mercado suas próprias bolsas retornáveis (a turma da moda já se empolga com a ideia de usar sacolas antiguinhas de feira, por exemplo). Quem não o fizer, no entanto, precisará pagar 19 centavos por unidade da versão de amido de milho. “As classes altas provavelmente não darão bola para esse custo extra, mas e as pessoas de menor poder aquisitivo?”, afirma Miguel Baiense, opositor da medida que, não por acaso, é presidente do Instituto Sócio-Ambiental dos Plásticos, a Plastivida. Além disso, quem antes reaproveitava o plástico para jogar lixo fora, precisará comprar sacos para a mesma finalidade. “O recomendável seriam os também biodegradáveis ou os reciclados”, diz Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade do Grupo Carrefour.
Custo embutido
Cada saco de lixo desses custa 50 centavos — as grandes redes de supermercados pagam pelas de plástico 2 centavos a unidade. O médico veterinário e higienista ambiental Angelo Boggio, que ganhou o apelido de Doutor Ratão por sua especialidade em eliminar roedores e outras pragas, acredita que sem as sacolinhas parte da população começará a despejar detritos em lugares impróprios, como terrenos baldios ou mesmo tonéis — era assim antes de se tornar comum o uso de sacolas plásticas, na década de 80. “Nesses locais, poderá mesmo haver proliferação de ratos e baratas”, avalia. “E, consequentemente, as doenças trazidas por eles.”
Segundo o presidente da Apas, João Galassi, não é bem assim. “As pessoas hoje já pagam pelas sacolas, mas o valor está embutido nas mercadorias”, defende. “É possível que os preços dos produtos diminuam.” Pode soar como papo de comerciante, e até certo ponto é mesmo. Porém, alguns estabelecimentos já oferecem descontos a quem abre mão das “vilãs” feitas de plástico. O Walmart, por exemplo, dá crédito de 3 centavos a cada cinco produtos que o cliente leve em sua própria sacola. O Pão de Açúcar desconta 10 centavos, caso seja usado um saco retornável ou uma caixa de papelão para o transporte das compras.
Questão de educação
Para Gil Anderi da Silva, professor de Engenharia Química da USP e pesquisador de Gestão Ambiental, antes de riscar do mapa as sacolas plásticas seria necessário educar a população para seu uso. “O problema é o desperdício decorrente do fato de as sacolas serem gratuitas”, diz. Um dos caminhos apontados por ele seria apostar em aterros controlados em que as mesmas pudessem ser despejadas.
Uma pesquisa feita pelo Walmart em parceria com o Ministério do Meio Ambiente em outubro do ano passado constatou que, no estado de São Paulo, 33% dos entrevistados apoiam a iniciativa de não utilizar mais sacolas plásticas. No município de Jundiaí (SP), desde agosto do ano passado foi implantado um projeto-piloto da Apas. Houve 75% de aprovação dos consumidores, e a distribuição de sacolas diminuiu em 95%. Até o momento, sem registros de efeitos apocalípticos como o descrito no início da reportagem.