O que fazer se eu achar um cigarro de maconha escondido na gaveta do meu filho de 15 anos? Como responder a uma menina que pede autorização para dormir em casa com o namorado? Que limites devo impor aos garotos na hora de jogar videogame? Esses e outros dilemas a respeito da educação de crianças e adolescentes costumam deixar pais de cabelo em pé. No último dia 12, 300 deles lotaram o salão nobre do Colégio Marista Arquidiocesano, na Vila Mariana, para assistir a uma palestra sobre a questão.
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A estrela do evento era a psicóloga paulistana Rosely Sayão, considerada a maior especialista nesse tema na cidade. Em duas horas de conversa, ela respondeu a tudo ao seu estilo, de forma direta, muitas vezes desmontando as premissas do interlocutor. “Fiz um combinado com minha filha…”, dizia uma das presentes, antes de ser rebatida pela palestrante: “Olha, essa história de ‘combinado’ me irrita muito. Com criança pequena, temos de dar ordem e não estabelecer tratos”.
No fim do encontro, ela resumiu para o auditório a filosofia que considera mais eficiente para nortear as decisões em momentos difíceis: “Sejam potentes ao falar com o filho, mesmo sabendo que fatalmente errarão em uma coisa ou outra. Confiem no próprio taco”.
Rosely tornou-se uma referência em relações familiares falando no programa “Seus Filhos”, que vai ao ar seis dias por semana na rádio BandNews FM, e escrevendo uma coluna para o jornal “Folha de S.Paulo” há quase vinte anos. Solicitada com frequência para consultoria e palestras em algumas das principais escolas da cidade, ela marca presença regular no Colégio Rainha da Paz, na Vila Madalena, e no Objetivo de Sorocaba, cidade a 100 quilômetros de São Paulo para a qual se mudou há um ano e meio, fugindo da correria daqui.
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De duas a três vezes por semana, é conduzida por seu motorista particular à capital, onde promove um tipo peculiar de atendimento: reúne grupos de seis a dez pais na cozinha de um deles para prepararem juntos pratos como sopas e discutirem, diante do fogo brando, temas quentes sobre a criação de filhos. “Adoro culinária, e assim todo mundo fica mais à vontade”, diz ela, que cobra em torno de 1.000 reais por um encontro de duas horas (o cachê de palestras, bastante variável, pode passar dos 10.000 reais).
LICÕES DE CASA
Idade: 62 anos
Origem: paulistana, filha de professora primária e açougueiro. “Foi com ele que aprendi a ter sede de conhecimento”
Filhos: Camila, 37 anos, professora de educação infantil, e Fábio, 33, professor de ioga. “Na hora de educá-los, muitas vezes as teorias não eram suficientes. O mais importante era ter em mente que a tarefa não seria fácil e que eu deveria persistir sempre”
Tempos de escola: “Era boa aluna, mas repeti o 1º ano do 2º grau”
Vida acadêmica: formou-se em psicologia na PUC de Campinas e passou doze anos dando aulas e fazendo especializações na Universidade Metodista de Piracicaba
Atuação: consultora e palestrante para escolas e grupos de pais. Escreve uma coluna para a “Folha de S.Paulo” às terças e apresenta o programa “Seus Filhos” na rádio BandNews FM (de segunda a sexta, 1h17, 6h37 e 12h57; aos sábados, 11h). Publicou livros como “Família: Modo de Usar” (Editora Papirus)
TEMAS
A seguir, a psicóloga discorre sobre assuntos que tiram o sono das famílias. Os textos são acompanhados de ilustrações criadas por estudantes na faixa dos 13 anos, de seis escolas paulistanas, escolhidas entre mais de 300 trabalhos feitos a pedido da revista para esta reportagem.
Autoridade: “Eles gostam quando você mostra que manda”
A esteticista Cristiane Godoy, de 44 anos, respira fundo ao falar do filho Gustavo, hoje com 20 anos, estudante de marketing. “Ele me deu um trabalhão!”, diz ela. A mãe sempre buscou ter pulso firme com o garoto, que aos 10 anos pôs fogo em uma casa de boneca no playground do prédio — a punição foi fazer o menino vender geladinhos (sorvetes em saquinhos) à vizinhança até arrecadar dinheiro para reparar o dano. Na adolescência, as bebedeiras se tornaram motivo de preocupação, mas ela insistiu em puxar sua orelha. “Agora, ele é um homem responsável”, diz.
Segundo Rosely Sayão, o caminho adotado por Cristiane foi o correto. Ela defende a tese de que os pais não devem esmorecer diante dos sinais de rebeldia. “Se falou algo cinquenta vezes e não resolveu, fale 500. Quando temos um filho, transformamos nossa casa em um campo de batalha. Todos os dias, ele vai olhar para você e pensar: ‘Qual é a sua? Quem é que manda aqui?’.”
“Até os 12 anos, tem de ficar claro que são vocês. A partir dessa faixa, ele pode começar a decidir só um pouquinho, depois outro tanto, até chegar por volta dos 20 anos, idade em que administra a própria vida. O processo educativo é um embate, mas se engana quem pensa que o filho reprova quem mostra autoridade. Ele gosta, porque precisa de um referencial. O papel de pai e mãe é o de careta, os mais novos é que têm de ser modernos. E hoje você vê os adultos parecendo mais transgressores do que os jovens. Também vejo besteiras, como premiar com dinheiro a arrumação do quarto, deixando de ensinar o princípio da obediência. Sugiro, porém, atenção para ser coerente em punições. Se ele gasta o limite de crédito do celular para aquela semana, não adianta gritar, tirar o videogame e depois bancar a recarga. Deixe que ele fique sem o telefone para enxergar as consequências do seu ato.”
Privacidade: “Me arrepia ouvir gente dizendo que confia no filho”
“Não chego a incentivar, mas também não condeno pais que vasculham as mochilas ou folheiam o diário achado no guarda-roupa da filha. Se era para não ser encontrado, que tivesse escondido direito, e não tido tanta ingenuidade. Adolescentes estão muito infantilizados, e zelar pela própria privacidade ajuda no amadurecimento. Os adultos, por outro lado, agem de forma acertada ao se manter vigilantes para ver se está tudo certo. Acho pior as mães que não tomam atitude, dizendo que confiam nos filhos. Isso me arrepia, porque elas pressupõem que eles sabem o que fazem — e eles não sabem. São pessoas em formação, que precisam ser educadas para a vida.”
Drogas: “ Achou maconha? Faça escândalo”
“Nada é simples ao tratar de drogas. A primeira coisa a fazer como prevenção é não construir uma rotina em casa na qual o uso de determinadas substâncias, como álcool e calmantes, aparece como algo que pode tornar a vida mais fácil. Falar sobre o assunto quando as crianças são pequenas adianta pouco — para elas, os entorpecentes são do universo de criminosos, muito distante da realidade. Quando os filhos chegam à adolescência, uma reportagem de jornal ou um filme com o tema pode ser um caminho para puxar o assunto, falar sobre saúde, valorização da vida. O terrorismo que as escolas adotam não tem funcionado, e acho necessário tentar outras formas de comunicação.”
“A frase ‘Diga não às drogas’ soa estranha — você não fala ‘Não roube’, e sim incentiva bons comportamentos, o respeito ao que não é seu. Nada é garantia de que ele não vai experimentar, mas educação é isso: fazer tentativas. Entretanto, se o filho já se aproximou dessas substâncias, é preciso mostrar convicção e reforçar o que pensa a respeito. Se eu pegasse um cigarro de maconha escondido na gaveta, faria um escândalo, ficaria mais de olho, limitaria as saídas. Mudar de colégio para alternar o círculo dos amigos é uma possibilidade, mas também sem certeza de acerto. O que não dá é a omissão. Quem observa bastante o filho, em vez de chegar em casa e ficar a noite toda vendo televisão, reduz muito o risco de descobrir algo quando as coisas estiverem graves.”
Falta de tempo: “É um erro culpar-se por trabalhar muito”
“Muitos se martirizam por trabalhar demais e não ter tanto tempo para ficar com os filhos. Mas quem disse que você é obrigado a ter? Trata-se de culpa real sobre uma base imaginária. Escolher é um exercício de liberdade. Se você quis ter uma carreira, faça de tudo para harmonizar essa opção. O maior problema não são as poucas horas, mas os erros na tentativa de compensá-las. Com frequência, os pais querem desfrutar a presença da criança, priorizam agradá-la e abrem mão da educação. Ser afetuoso e brincar com ela não significa deixar de ter firmeza quando necessário. Agora, se acha que não consegue conciliar tudo, pode rever seus planos, fazer concessões no trabalho. Só não dá para deixar de lado o seu papel, como é comum. Isso acontece porque, para muitos, ter um filho integra o pacote de consumo do bem viver, que inclui também um belo apartamento, uma cozinha gourmet… A realidade é bem dura. Não há nada de fácil na paternidade”, afirma a psicóloga.
Preocupações desse tipo são tão frequentes em São Paulo que dão origem a serviços como o programa batizado de You in Action, criado para ajudar mulheres “na realização efetiva de uma vida mais plena”. Ao custo de 2.400 reais, elas frequentam dez encontros semanais de três horas cada um em que, entre os principais exercícios, têm aulas sobre estabelecer prioridades para sua vida, em geral equilibrando a convivência com a família. “Ensinamos a dizer não e a fazer sua agenda sem levar em conta apenas as expectativas dos outros”, diz Ana Raia, uma das sócias do curso, pelo qual já passaram cerca de 150 alunas desde 2011.
Babás: “Elas têm autonomia demais”
Na agência de babás Bia Greco Baby Care, a principal razão que faz as profissionais abandonar o emprego é apanhar das crianças das quais cuidam. “Elas crescem e querem testar limites”, diz Bia, sócia da empresa. Para Rosely, os pais têm falhado ao não lhes ensinar o devido respeito às profissionais. “O ideal é conversar com a empregada diante do filho, de modo a transferir a autoridade momentaneamente para ela. Dizer, por exemplo, que a lição de casa deve ser feita a tal hora, para ficar claro que é uma ordem sua. Isso é diferente de deixar que as contratadas eduquem do jeito que quiserem. Elas têm autonomia demais atualmente, muito pela preguiça de alguns pais. Delegar as decisões parece ser um caminho muito mais fácil, mas as consequências são problemáticas.”
Bons exemplos: “A coerência das ideias é o que mais importa”
“O verdadeiro bom exemplo não se dá por meio de atitudes isoladas, mas pela coerência das ideias. Se a liberdade é um valor importante para você, tenha comportamentos que sustentem esse pensamento. Isso não impede ninguém de mudar de opinião quando quiser, mas reforça a crença nas suas orientações. Os adultos, porém, tendem à incoerência entre o discurso e a ação.”
“Um dos meus exemplos preferidos sobre isso é a alimentação. Eles falam que é preciso ser saudável, mas mandam a criança para a escola com vários produtos industrializados na mochila — já que assim se perde menos tempo. Costumo fazer campanha pelas lancheiras amorosas, aquelas em que o produto fresquinho é preparado pela mãe, de preferência com a participação do restante da família. Da mesma forma, unir-se em torno da mesa quando possível, para que todos compartilhem desse momento, ajuda a melhorar a proximidade.”
Namoro e sexo: “Não está na idade? Proíba”
“Quando crianças começam a perguntar sobre sexo, muitos se assustam. Não é preciso criar fantasmas, pois se trata de uma curiosidade normal. O filho tem direito à verdade, e isso não quer dizer ficar falando sobre tudo sem necessidade. Quando chega a puberdade, levá-lo para conversar com um médico sobre as mudanças do corpo é uma boa. Hoje existem os hebiatras, especialistas em adolescentes, que podem esclarecer suas principais dúvidas, pois com os pais é tudo um pouco constrangedor, e os filhos podem evitar questões que revelem alguma intenção que preferem manter em segredo.”
“Um dia desses, uma mãe me disse que daria permissão à filha de 12 anos para namorar, mesmo achando que era cedo demais. Seu argumento: uma negativa levaria a garota a fazer isso escondido. Está errado. Quer proibir, proíba. Se você autorizar o filho nessa idade a agir como adulto, ele passará a pensar que está mais maduro e adotará comportamentos sem seu conhecimento. Ou seja: a proibição não impede que ele faça algo longe dos seus olhos, mas a liberação também não. É melhor, então, deixar claro o que você pensa e orientá-lo a aproveitar aquela idade para outras coisas. Esse papo pode ser um alívio para o adolescente, que sente a pressão dos colegas e tem então uma chance de pôr no ‘pai chato’ a culpa pelo que deixou de fazer.”
Madrastas e padrastos: “Não apresente seu namorado antes da hora”
“Pessoas que, por algum motivo, se separaram da mulher ou do marido deveriam ter menos pressa de pôr os novos namorados em contato com suas crianças e adolescentes. Afinal, eles já sentem o fato de um outro adulto estar ausente, e isso pode se repetir caso a relação não dure muito tempo. É melhor deixar que ela se estabilize para introduzir o assunto aos poucos na conversa. Quando isso acontecer, é claro que todos que estão no entorno do filho devem prestar atenção nas ordens do responsável por ele. Se o pai falou para o menino não chegar perto de uma escada perigosa, e a namorada o vê fazendo isso, deve correr para tirá-lo dali, e não adotar o estilo impávido colosso, fingindo que não é com ela.”
Tecnologia: “Evitaria celular para criança de até 10 anos”
“As escolas enfrentam hoje uma série de dilemas sobre o uso de celular e tablet, que se tornaram questões pertinentes, por serem elementos novos com possibilidades boas e ruins de utilização. Uma das dúvidas é se devem deixar que os alunos atendam aos telefonemas dos pais durante a aula. Acho curioso, pois é claro que as famílias nem deveriam ligar para eles nesse momento. Particularmente, eu não daria celular a criança com menos de 10 anos. Se há emergência, ela pode recorrer ao aparelho fixo da escola.”
“Depois disso, até os 12, deixaria usar de vez em quando, como ao ir à casa de um amigo. E aí você vai ensinando noções de comportamento, como não discutir problemas pessoais quando tem mais gente ouvindo. Uma das vantagens de não dar o equipamento é fazer a criança aproveitar o recreio. Trata-se de um momento de convivência com colegas e acaba todo mundo se fechando em seu mundinho, um desperdício. Vale também regular o uso de internet, estabelecer limites de tempo, para que ela não passe o dia inteiro ali.”
Homossexualidade: “Medo de o filho ser gay só atrapalha”
“Ninguém sabe quando o desejo homoerótico ou heteroerótico aparece na vida de alguém, mas ele só se manifesta na adolescência. Com menos de 6 anos de idade, não é preciso tocar nessa questão. Menina quer fazer xixi em pé, menino pode querer passar maquiagem, e isso tem a ver com experimentar papéis, e nada mais. Quando você bota atenção nisso, reforça o comportamento, porque criança acha que é o centro de tudo, adora chamar atenção.”
“Nos anos seguintes, até a puberdade, vale pensar no que atitudes assim querem dizer: o garoto pode se identificar com a mãe ou ser tímido para brincar com os outros. Alguns pais se preocupam tanto que a profecia acaba se realizando. Se, no futuro, o filho se revelar gay, não há como impedir. Mas há um modismo hoje em dia, especialmente nas escolas particulares, de experimentação corporal que não tem nada a ver com desejo. Começou com garotas beijando garotas e agora se torna mais comum no sexo masculino, sem que represente necessariamente a homossexualidade.”
Onde fazer a matrícula: “As escolas são mais parecidas do que você pensa”
Anna Sayuri Mori tem apenas 2 anos de idade, mas já está com vaga reservada no Colégio Dante Alighieri, nos Jardins, no qual ingressará em 2014. Na contramão dos que se descabelam em busca do centro de ensino ideal, contudo, o pai da garota conta ter cogitado poucas opções. “Buscava um lugar tradicional e organizado, mas o principal critério era ser próximo de casa, pois não acho os colégios tão diferentes assim”, diz o advogado Kiyomori Mori.
Sua análise é corroborada pela psicóloga, que afirma: “As escolas são mais parecidas do que você pensa, nos vícios, na organização, na maneira de tratar os alunos. As famílias exageram nessa preocupação e acabam colocando o filho a uma, duas horas de casa, o que vai ser estressante. É claro que há alguns aspectos a observar. Visite a escola no horário de saída das turmas e puxe uma conversa com os professores do lado de fora, questione se eles se sentem respeitados e valorizados ali. Longe dos olhos dos diretores, eles podem mostrar mais sinceridade. Em segundo lugar, passe lá na hora dos intervalos e veja se há adultos propondo brincadeiras, tutelando a relação entre os estudantes, apartando as brigas. Recreio também é atividade pedagógica e se torna cansativo para o aluno ficar apenas correndo histérico pelo pátio. Por último, não dê tanta bola para os aspectos estruturais: atividades físicas são importantes, mas não se trata de um clube”.
Pais e mestres: “Famílias são parceiras do colégio, no mau sentido”
“Os pais têm delegado à escola sua função de cuidar dos filhos ao deixá-los ali o dia inteiro, por falta de opção. Assim, os colégios acabam se tornando verdadeiros depósitos, desvirtuando a imagem de serem um local de ensino. O inverso dessa relação também acontece: as famílias assumem funções que não são suas, especialmente quando o desempenho do aluno é ruim e os coordenadores recomendam que contratem um psicólogo ou um professor particular. Indicam até os profissionais para essas aulas de reforço — o que é uma loucura!”
“Se seu filho não está aprendendo, faça sua matrícula em outro lugar. Não gaste todo o seu dinheiro comprando um serviço pelo qual você já paga. Observo falta de preocupação em fazer o estudante aprender. Se ele não entende a explicação, os professores vão lá e ensinam tudo do mesmo jeito, várias vezes. Não se pode desistir do aluno desse jeito. Cobre que os profissionais arranjem as soluções.”
Diversidade: “Não querem que a escola seja inclusiva”
Quando tinha 4 anos de idade, o garoto Victor Hugo caiu ao se desequilibrar de uma laje. Os anos seguintes transformaram a vida da mãe, Alexandra Santos, numa grande batalha para que o menino tivesse acesso a atividades como equitação e natação de modo a estimular movimentos e as habilidades de fala, que ficaram prejudicados. Um de seus sonhos é matricular o filho, hoje com 12 anos, em um colégio convencional.
“Por enquanto, opto por um especial”, resigna-se. “Sei que fora dali ele sofreria preconceito.” Rosely não se surpreende com decisões como essa: “Os pais dos alunos sem deficiências frequentemente não querem que a escola seja inclusiva, porque acham que a turma ficaria atrasada, como se os alunos se nivelassem por baixo — uma inverdade —, e abrem mão da convivência com o diferente”.
Desempenho: “Seu filho não precisa ser o melhor da classe”
Em suas palestras nos colégios da capital, a psicóloga costuma perguntar aos adultos presentes: “Quem aqui era ótimo aluno, daqueles que só tiravam 9 e 10?”. Uma minoria levanta os braços. “E os demais? São fracassados na vida?”
As gargalhadas da plateia se seguem à sua reflexão: “O rendimento se tornou supervalorizado nas últimas décadas. Antes, estudar era garantia de conseguir um bom emprego. Mas o tempo passou e não há mais essa certeza. Considerados esses aspectos, obviamente devemos nos preocupar com o aprendizado, o que não significa só tirar boas notas. Na era da informação, em que o conhecimento está disponível facilmente na internet, o papel da escola é ensinar o aluno a usá-lo com sabedoria. Seu filho não precisa ser o melhor da classe, e cobrar isso dele não é muito justo, já que em uma turma existe apenas um primeiro lugar”.
Convivência: “Os pais exageram no medo de bullying”
“Antes, quando alguém baixinho, de óculos, era chamado de gnomo de jardim, quatro-olhos, ficava ofendido com isso, mas a mágoa uma hora passava. Hoje em dia, quando todo mundo fala em bullying, os pais se acham no dever de interferir, colocam uma lupa em cima da questão e aquilo que era uma chateação se transforma em tragédia. Quase todos os que forem investigar se o filho sofre bullying vão encontrar algo, já que pôr o outro em situação difícil é um dos prazeres das crianças e dos adolescentes — é raro alguém que escape ileso.
Se notar atitudes mais intensas, como o isolamento, procure o diretor. Mas saiba que os colégios tendem a se mostrar mais enérgicos com o tema do que realmente são. Observo sempre a entrada, a saída e o recreio das turmas: é ali que as agressões aparecem. A escola que quiser enxergar isso verá. O ideal é que se fale coletivamente com a classe sobre a atitude errada, sem citar o exemplo de quem sofre a rejeição, para não haver constrangimento.”
Carreira: “A escolha da profissão deve ter outros critérios”
“Existe hoje um grande equívoco de pais e jovens: a tentativa de escolher a profissão perfeita. Uma consequência dessa ilusão é o altíssimo número de matrículas de alunos que já haviam começado outro curso mas desistiram por achar que a nova opção seria determinante para sua vida profissional. As carreiras mudaram muito, e hoje as pessoas podem ser mais criativas sobre as várias possibilidades de atuação em uma mesma área, respeitando suas aptidões.”
“Costumo usar meu próprio exemplo: como não tenho muitas habilidades manuais, eu não seguiria um caminho que exigisse isso de mim. Ao mesmo tempo, a psicologia foi um caminho para que eu fizesse coisas de que gostava muito, como ler e escrever.”