Desde que foi implantado, em 1997, o rodízio de veículos é motivo de polêmica entre os paulistanos. Apesar de restritiva e, por vezes, irritante para quem se desloca na hora do rush, a medida costuma obter aprovação de 80% em pesquisas de opinião. Isso porque cumpre sua parte na tentativa de dar alguma fluidez ao trânsito, retirando de circulação cerca de 20% da frota — dois números finais de placa por dia. Como nem de longe o negócio é suficiente para resolver o enrosco, a prefeitura discute no mo mento a melhor alternativa no sentido de expandir a mesma política.
Em cinco ocasiões, durante a Copa do Mundo, testou se por aqui a ampliação do horário, que passou a ser das 7 às 20 horas (normalmente, a regra só vale no pico de tráfego, entre 7 e 10 horas e das 17 às 20 horas). A mudança veio a calhar depois que o dia 17 de junho, data de Brasil x México, registrou 302 quilômetros de lentidão, a terceira maior da história da cidade. Com o tempo ampliado de restrição, a média de congestionamentos nos 800 quilômetros de vias monitoradas pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) caiu 15%. “Os resultados foram positivos”, avalia o secretário de Transportes, Jilmar Tatto, que apoia o agravamento da regra. “Mas não tomaremos nenhuma decisão em breve.”
A adoção definitiva do horário ampliado divide os motoristas. Pesquisa realizada pelo Datafolha na semana passada mostrou que 49% dos entrevistados são favoráveis ao aumento do período em que é proibido circular com o carro, enquanto 45% se disseram contrários. Esses números são próximos aos da sugestão para que a restrição passe a valer em dois dias na semana, com 45% de aprovação e 48% de rejeição.
É pouco provável que uma dessas duas ideias seja adotada. Nos bastidores da prefeitura, ganha força uma terceira alternativa — a do aumento da área de abrangência do rodízio. Hoje, ele é fiscalizado em um espaço de 150 quilômetros quadrados, que compreende o centro expandido. A intenção, que vem sendo discutida desde o começo do ano, é estendê-lo para mais 371 quilômetros de vias por toda a cidade. A CET cogitou implantar a expansão em abril, mas adiou o projeto para realizar mais testes. Outra pesquisa do Datafolha, de junho, apontou um apoio de 61% dos motoristas a esse esquema.
As três propostas têm ao menos dois pontos negativos em comum. O primeiro é que elas estão fadadas a perder efeito a longo prazo: não impedem o crescimento da frota nem ajudam a frear a queda histórica da velocidade média do fluxo, hoje em ridículos 6,9 quilômetros por hora, a mesma velocidade de deslocamento de um pinguim. Outra questão é que as dificuldades criadas podem ser contornadas por boa parte dos cidadãos. Um exemplo comum é a aquisição do segundo automóvel, com número diferente de placa. Em meio à discussão de ampliação, a Câmara Municipal foi na direção contrária e chegou a aprovar em maio um projeto de extinção do rodízio, vetado na sequência pelo prefeito Fernando Haddad.
Na tentativa de dar uma solução aos congestionamentos, a expansão dos corredores e das faixas exclusivas de ônibus, apesar de bem-vinda, ainda não surtiu o efeito desejado de seduzir mais gente a deixar o carro na garagem. Comparando o primeiro trimestre do ano passado com o mesmo período de 2014, vê-se que o número de passageiros dos coletivos aumentou apenas 2,7%. Com menos espaço para a circulação de automóveis, po rém, os congestionamentos se intensificaram nas faixas em que os veículos se espremem hoje em vias como a Radial Leste.
O alcance limitado das ações tomadas recentemente — e das que ainda estão em projeto — põe em primeiro plano a discussão de outras restrições. “O rodízio é só uma das ferramentas de controle do tráfego”, diz o consultor de trânsito Sergio Ejzenberg. “Esse processo precisa ser acompanhado de medidas mais eficazes, como o pedágio urbano.” A experiência internacional mostra que a iniciativa traz bons resultados. A prefeitura de Londres, por exemplo, ignorou a resistência da população local e aderiu, em 2003, ao modelo em que o motorista deve pagar uma taxa para circular por determinadas regiões da capital inglesa.
Dez anos depois, as autoridades comemoravam a redução de 13% da circulação de carros em toda a cidade; no centro, a queda foi de 21% em relação aos anos anteriores à vigência da medida. Os recursos angariados com a cobrança são reinvestidos em transporte público. Desde a implantação da política por lá, houve aumento de quase 60% no uso do ônibus e de 42% nas viagens de metrô. Apesar da comprovada eficiência, o pedágio urbano enfrenta enorme resistência na cidade. Segundo a última pesquisa Datafolha a respeito do assunto, 76% dos paulistanos rejeitam o sistema. De qualquer forma, uma mudança desse porte só funcionaria com o amparo de outras medidas paralelas. A mais crucial é a criação de bolsões de estacionamento nas redondezas da área do bloqueio. Outro investimento importante seria a interligação do transporte público da capital com o dos municípios da região metropolitana, origem de cerca de 30% dos carros que rodam por aqui diariamente. Devido à resistência dos moradores, a prefeitura não cogita seriamente a medida. Mesmo as mudanças no rodízio só devem ser implementadas das eleições de outubro.