Doze quilômetros após a entrada do município de Bertioga, no limite entre o Litoral Sul e o Litoral Norte de São Paulo, o contador Hatiro Shimomoto viu uma torre redonda, em construção, isolada no meio da mata. Em busca de um imóvel para comprar na região, ele seguiu de carro pela estrada de terra até o canteiro de obras na beira da praia. Ao chegar lá, encontrou um solitário corretor sentado sob uma barraca de lona. Era fevereiro de 1985 e começava ali a venda da primeira unidade de um ambicioso empreendimento que ganhou o nome de Riviera de São Lourenço, anunciado como um novo e requintado balneário com centenas de casas e dezenas de edifícios que seriam erguidos ao longo de uma faixa de 4,5 quilômetros em frente ao Oceano Atlântico. Em meio à poeira da obra, o nissei fechou negócio. Cinco meses depois, quando seu apartamento ficou pronto, Shimomoto foi para lá curtir duas semanas de férias com a família. Não havia nem sinal de vizinhos. Durante um passeio, seu veículo ficou atolado num lamaçal. Quando saiu para providenciar um guincho, teve o automóvel roubado.
“Meus amigos riam e perguntavam se eu realmente acreditava que esse lugar iria para a frente”, lembra. Foi. Atualmente, a Riviera de São Lou-renço tem 180 edifícios e mais de 2 000 casas. Outros 29 prédios estão em construção. Nos trechos à beira-mar, um apartamento com quatro suítes chega a custar 2,6 milhões de reais. Nesse caso, cada metro quadrado alcança a marca de 10 000 reais, valor equivalente ao praticado em bairros nobres paulistanos, como Vila Nova Conceição e Itaim Bibi. Só para o réveillon são esperados 70 000 visitantes. “Em 1986, cheguei a vender terrenos com o pé na areia cobrando 80 dólares pelo metro quadrado”, conta Ramon Álvares, um dos primeiros corretores da Riviera. “Hoje, o preço seria 1 300 dólares.” Alvo de piada em outros tempos, Shimomoto agora tem dois apartamentos por lá e acabou citado como um pioneiro no recém-lançado livro sobre os trinta anos do projeto, Riviera de São Lourenço ? Ontem, Hoje… Registros, escrito pela jornalista Sheila Mazzolenis. “Meu próximo plano é aprender a jogar golfe”, diz Shimomoto. “Estou animado com um campo que vão inaugurar aqui dentro.”
Bairro do município de Bertioga, a Riviera de São Lourenço funciona, na prática, como um condomínio fechado. Responsável pelo empreendimento, a construtora Sobloco iniciou as obras de infraestrutura local em 1979, seis anos antes da venda do primeiro imóvel. Foram instalados ali 60 quilômetros de canos para a rede de água e esgoto e abertos 64 quilômetros de ruas. “Consideravam-nos loucos por lançar um prédio no meio do nada”, afirma o diretor da Sobloco Luiz Augusto Pereira de Almeida. “No início, tivemos dificuldade em atrair outros construtores e até mesmo em conseguir empréstimos bancários.”
Para atender os novos proprietários, surgiu uma entidade sem fins lucrativos, uma espécie de subprefeitura, a Associação dos Amigos da Riviera de São Lourenço. Com 400 funcionários, a organização cuida da segurança, mantém a pavimentação de calçadas e ruas, faz poda de árvores… Metade de seus contratados cuida da vigilância. Para essa tarefa, contam com o auxílio de 27 câmeras que monitoram, inclusive, as areias. “Sem dúvida, a segurança foi um fator que pesou na opção pela Riviera”, conta o médico Marcelo Jatene, proprietário de um apartamento no balneário. A proximidade de São Paulo também influiu na decisão. “Se surge algum chamado urgente, consigo subir a serra em pouco tempo.” No último dia 13, ele precisou voltar antes do restante da família para realizar um transplante no Instituto do Coração (Incor). Em uma hora e meia, percorreu os 130 quilômetros até a capital. Maresias, na vizinha São Sebastião, por exemplo, fica a quase três horas de viagem.
As praias de São Sebastião, porém, lideram a preferência de jovens atrás de agito. “Quando quero ver gente, vou para Maresias”, diz a estudante de arquitetura Camila Malachias. “Mas, se estou atrás de tranquilidade, prefiro a Riviera.” Nas areias do condomínio de Bertioga predominam casais acima dos 35 anos, com filhos pequenos ou adolescentes. O executivo Walter Baxter Jr., presidente da divisão de diagnósticos do laboratório Roche, é um exemplo. Há oito anos, ele comprou uma casa no balneário e tornou-se frequentador assíduo, sempre acompanhado da mulher, Yara, e do filho, Giovani. “Quase não praticava esportes, e aqui a família inteira aprendeu a surfar”, diz Baxter.
Apesar de representar 2% do território de Bertioga, a Riviera é responsável por quase metade dos impostos pagos à prefeitura. Dos 47 000 terrenos e residências registrados no município, apenas cerca de 14 000 ficam no bairro (30%). A administração municipal arrecada ali, no entanto, 43% do IPTU. “Sem a Riviera, a situação financeira da cidade ficaria muito difícil”, afirma Enio Xavier, secretário de Administração da gestão encerrada em 2008. A criação do condomínio foi acompanhada de inúmeros embates ambientais. “Nossas reuniões com a diretoria da Sobloco já começavam com xingamentos de ambas as partes”, lembra o geógrafo Mario Mantovani, diretor da Fundação SOS Mata Atlântica. A ONG exigia que os edifícios fossem erguidos a 300 metros de distância da faixa de areia para proteger a restinga. “Ironicamente, diante da devastação ocorrida em todo o litoral brasileiro, podemos considerar a Riviera um bom exemplo”, diz Mantovani. “Os danos à vegetação local foram minimizados durante a ocupação do espaço.” Atualmente, o Ministério Público investiga duas denúncias por desmatamento irregular e uma por dano ambiental causado pela captação de água no Rio Itapanhaú. Toda a água distribuída à Riviera parte de lá e, após sua utilização, segue para a estação de tratamento administrada pela associação de moradores, que cobra valores parecidos com as tarifas da Sabesp.
Com o desenvolvimento da região, o paulistano Alexandre Zeni, dono da escolinha de surfe local, sentiu a mudança dentro da água. “Após o surgimento dos prédios, os ventos foram deslocados e as ondas no centro da praia, prejudicadas”, avalia. O número de alunos, porém, aumentou consideravelmente. “Só no mês de janeiro pretendo coordenar mais de 500 aulas.” Movimento maior registram o restaurante Gaiana e a pizzaria Mare Monti, administrados por Ricardo Trevisani, sócio do Gero paulistano. Durante a alta temporada, ele espera receber mais de 20 000 pessoas nas duas casas. “Mesmo alguns clientes que estão a caminho de outras cidades do litoral fazem uma escala na Riviera para comer”, diz Trevisani. Atento ao movimento, o empresário Silvio Magalhães inaugurou há dois anos um supermercado com 2 500 metros quadrados de área, ao lado do portal de acesso à Riviera, e encerrou 2008 com um faturamento estimado em 35 milhões de reais. Nada mau para quem começou com uma modesta mercearia de 120 metros quadrados em 1984, ainda durante as obras de infraestrutura. “Na época, eu não tinha dinheiro algum”, lembra Magalhães. “Mas acreditava que tudo aquilo poderia dar certo.” Estava coberto de razão.
A fórmula da Riviera
– Bertioga estende-se por 482 quilômetros quadrados. Apesar de a Riviera ter apenas 9 quilômetros quadrados (2% do município), é a responsável por quase metade dos impostos arrecadados pela prefeitura.
– Há 2 255 casas e 6 878 apartamentos concluídos no bairro. Só 104 proprietários, no entanto, moram ali. Todos os fins de semana, cerca de 2 000 residências são ocupadas.
– Um apartamento com quatro suítes na beira da praia chega a custar 2,6 milhões de reais, o correspondente a 10 000 reais por metro quadrado.
– A Associação dos Amigos da Riviera monitora ruas e praias, além de administrar o sistema de água e esgoto local. De seus 400 funcionários, metade é destacada para a segurança. Proprietários de casas pagam uma taxa de administração entre 350 e 500 reais pelo lote. No caso dos apartamentos, o valor fica em torno de 250 reais.