A Barra Funda não é mais a mesma. Que o diga o barbeiro Milton Greggio, de 64 anos, um dos mais antigos do bairro. Desde 1961, esse descendente de imigrantes italianos observa as redondezas. De sua portinha na Lopes Chaves, a mesma rua onde viveu o escritor modernista Mário de Andrade, Greggio percebe parte da transformação do bairro pelos clientes que se sentam nas tradicionais cadeiras Ferrante vermelhas de seu salão despojado. “Antes só vinham meus contemporâneos, moradores dos casarões antigos e funcionários das fábricas”, conta. “Hoje a clientela é mais jovem, com rapazes tatuados que gostam de longas costeletas, cabelos modernos e barbas esquisitas.” Greggio se refere aos freqüentadores das casas noturnas, aos artistas e aos recém-chegados moradores dos novos empreendimentos imobiliários.
Espalhada por uma área de 5,6 quilômetros quadrados entre a Marginal Tietê e os bairros de Perdizes, Lapa, Pompéia, Campos Elíseos e Bom Retiro (veja mapa ), a Barra Funda recebeu suas primeiras edificações no fim do século XIX. A inauguração de estações das estradas de ferro Santos–Jundiaí e Sorocabana, além de fábricas como as das Indústrias Matarazzo, atraiu moradores à região. Imigrantes italianos se estabeleceram em vilas operárias e sobrados estreitos, alguns preservados até hoje. Na virada dos anos 70, o bairro entrou em um súbito processo de deterioração por causa da construção do Minhocão, que derrubou o preço dos imóveis de seu entorno.
A situação começou a mudar com a abertura, em 1988, do terminal de trem, metrô e ônibus urbanos, intermunicipais e interestaduais. Diariamente, 500 000 pessoas passam por ali. Em uma cidade que tanto sofre por causa do trânsito, a fartura de transporte público conta como ponto positivo. Outro trunfo é sua localização estratégica – perto da Marginal Tietê e de avenidas como Pacaembu e Sumaré, mais o próprio Minhocão, que faz a ligação das zonas Oeste e Leste. Na esteira da facilidade de acesso, galpões e sobrados caindo aos pedaços foram transformados em ateliês e estúdios, em um processo semelhante ao de bairros nova-iorquinos como SoHo e Chelsea. “A Barra Funda nasceu residencial e depois virou centro de indústria e de comércio, mas agora volta a atrair moradores”, diz o corretor Ricardo Gutierrez, da Imobiliária Osvaldo Gomes, desde 1965 na Rua Barra Funda. Segundo a incorporadora Klabin Segall, nos últimos três anos o preço do metro quadrado dos novos empreendimentos valorizou-se mais de 35%.
De 2003 para cá, oito casas noturnas passaram a animar as madrugadas e pelo menos cinco galerias ou lojas de objetos de decoração se instalaram ali. Centros culturais como o Memorial da América Latina e o Teatro São Pedro tiveram sua programação reforçada. Com a Operação Urbana Água Branca, projeto da prefeitura que estimula a urbanização da região, já são onze prédios residenciais saindo da planta. Em março, a prestigiada Galeria Fortes Vilaça abriu uma unidade por lá e na próxima semana será inaugurada a Gran Fornalha, uma superpadaria com 1100 metros quadrados. A Barra Funda renasce – como é possível perceber nas próximas páginas – e os moradores comemoram. “É ótimo poder sair a pé para assistir a apresentações do Memorial com minha mulher nas sextas à noite”, anima-se o barbeiro Greggio, que já curtiu até show de rock no badalado CB Bar. Sua única preocupação é que o boom imobiliário traga com ele a descaracterização. “A Barra Funda precisa crescer sem perder a alma.”