Dos 384 quilômetros de ciclovia construídos pela gestão de Fernando Haddad, a pista localizada na Paulista virou símbolo de sua política de mobilidade. O trajeto teve inauguração festiva em junho de 2015, com a via fechada para carros, a presença do prefeito e a distribuição de balões. A obra tem 2,7 quilômetros de extensão e custou 12,2 milhões de reais. Três meses antes, os trabalhos correram o risco de ser interrompidos por uma ação da promotora Camila Mansour, da Habitação e Urbanismo do Ministério Público de São Paulo.
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Ela apontava erros de planejamento nesse e nos demais trechos do circuito das bicicletas, além de pedir a reconstrução do canteiro central da via. A Justiça não aceitou a revisão do projeto da avenida, mas determinou a paralisação de outros trabalhos devido a problemas como buracos, desníveis e falhas de pintura. O poder executivo entrou com recurso, conseguiu reverter a decisão e seguiu em frente com as construções.
Apesar do barulho em torno da Paulista, nenhuma obra do gênero expôs a falta de critério orçamentário e descaso com o dinheiro público como a da Faria Lima-Ceagesp. Durante dezesseis meses de execução, a prefeitura divulgou quatro valores diferentes para o projeto de 18 quilômetros, o mais caro de toda a malha. Ele foi orçado inicialmente em 54,7 milhões de reais. Mais de um ano depois, uma canetada subiu o preço para 63,8 milhões, após o pedido da Jofege, empresa com sede em Itatiba, fundada em 1968, contratada para a execução.
Segundo a companhia, o gasto com matérias-primas seria maior do que o previsto. O investimento expressivo chamou a atenção do Tribunal de Contas do Município, que passou a analisar esses contratos com lupa a partir do segundo semestre de 2014.
Uma das irregularidades encontradas foi a dispensa de licitação. No lugar, a prefeitura escolheu usar a ata de registro de preços, instrumento utilizado para serviços simples e rotineiros, como poda de árvore e conserto de calçada. Perícias técnicas também apontaram que a qualidade da obra estava aquém do que havia sido prometido, com suspeita de superfaturamento.
Em fevereiro de 2015, o custo exagerado dessa e de outras obras do pacote foi tema de uma capa de VEJA SÃO PAULO. A reportagem mostrava que as ciclovias custavam bem mais caro do que circuitos semelhantes construídos no exterior, em capitais como Paris, na França. Na época, Haddad reagiu dizendo que a revista havia errado feio nas contas.
Em março passado, a própria prefeitura, via Controladoria-Geral do Município, iniciou uma auditoria para investigar possíveis erros de planejamento e desvio de dinheiro público na Faria Lima. Concluída em abril, a análise mostrou que o valor real da ciclovia era de 29,4 milhões de reais (34,4 milhões a menos, portanto, que o previsto).
Três meses depois, foi feita uma outra revisão que abaixou no preço, chegando-se ao custo final de 27,6 milhões de reais.O documento da controladoria classifica como “inadequada” a construção por ata de registro de preço e critica a falta da elaboração de um projeto executivo para a construção.
O trabalho também aponta para um possível conluio entre empresas para favorecer a Jofege e responsabiliza a Secretaria de Coordenação das Subpreteituras pelo negócio, pondo sob suspeita o antigo responsável pela pasta, o vereador Ricardo Teixeira, do Pros, e seu chefe de gabinete na época, Valter Antonio da Rocha. Os dois já respondem a um processo por contrato sem licitação.
Em 2001, quando eram diretores do Dersa, empresa do governo do estado, pagaram os serviços de um escritório de advocacia sem passar pelos trâmites legais. Eles foram condenados em primeira instância por improbidade administrativa em maio de 2007, mas recorrem da sentença. No caso da ciclovia da Faria Lima, o advogado de ambos, Luciano Caparroz, argumenta que eles acataram ordens superiores. “Cumpriram os critérios do município”, defende.
A prefeitura e a Jofege fazem um jogo de empurra sobre a responsabilidade. “Foram ajustes pontuais”, minimiza Ruy Camilo Jr., advogado da Jofege, mesmo quando confrontado com a revisão de 43% sobre o valor estipulado pela empresa para entregar a obra. A companhia, aliás, diz não precisar devolver nenhum centavo aos cofres públicos sobre a quantia investida na Faria Lima.
“Na verdade, a prefeitura ainda nos deve 4 milhões de reais”, afirma Camilo Jr. O poder executivo garante que a situação é exatamente oposta. Em nota enviada a VEJA SÃO PAULO, a prefeitura afirma que a Jofege devolveu 3,2 milhões de reais e terá de reembolsar o município em mais 1 milhão. Em paralelo, o Ministério Público move ação contra a administração municipal e os responsáveis, por improbidade administrativa. Outras perícias estão sendo feitas nas ciclovias das avenidas Paulista e Amaral Gurgel para descobrir gastos indevidos.
Haddad não admite até hoje nenhum tipo de erro no planejamento das ciclovias. Sobre o caso da Faria Lima, o porta-voz de seu gabinete alega que “no curso da execução dos serviços, apuramos inconsistências nos valores apresentados pela contratada”. Em campanha pela reeleição, o prefeito promete aumentar a malha. Seus adversários não se mostram contrários às ciclovias, mas querem correções na rota.
“Muitas têm obstáculos no meio do caminho”, criticou Marta Suplicy, do PMDB. “As ciclovias em canteiros centrais serão mantidas e ampliadas”, discursa o tucano João Doria. “Já as que foram pintadas no asfalto e sobre as calçadas serão revistas.”