A prefeitura promete lançar neste ano um pacote de medidas para destravar o retrofit em São Paulo, termo que significa dar uma repaginada completa em prédios antigos e normalmente sem uso. Palavra da moda entre startups e investidores imobiliários, a solução tem dado novas “encarnações” a edifícios do centro da cidade, quase sempre escritórios obsoletos que se tornarão apartamentos prontos para morar — uma solução para centenas de endereços comerciais esvaziados na pandemia.
A principal promessa da atual gestão é criar uma “pista rápida” para a aprovação desses projetos. Atualmente, os retrofits tramitam nos mesmos escaninhos burocráticos das reformas residenciais comuns. “As licenças demoram mais que a obra em si. A readequação de um prédio leva oito meses, mas a aprovação pode demorar até catorze, principalmente se envolver órgãos de proteção do patrimônio”, afirma Rafael Steinbruch, fundador da Yuca, empresa que tem projetos para fazer cinco retrofits na região central nos próximos meses, todos eles edifícios comerciais quase vazios que virariam cerca de 500 apartamentos.
A prefeitura diz que a espera média para um alvará é de seis meses. “Vamos tornar o processo autodeclaratório, o que deve diminuir o período para noventa dias. Órgãos como o Condephaat e o Conpresp terão prazo obrigatório para responder aos pedidos”, diz César Azevedo, secretário de Urbanismo e Licenciamento do município. O projeto da “pista rápida” será feito por meio de um decreto, ou seja, não dependerá de votação no Legislativo municipal. “Posso garantir que a medida vai sair”, afirma o secretário.
Outras novidades do “pacote retrofit” vão precisar da aprovação dos vereadores. A prefeitura quer dar incentivos fiscais e facilitar as regras de construção para projetos que criem novas moradias e tenham uso misto (comércios no térreo) no centro. “Será mais fácil e barato fazer as readequações”, explica Azevedo. “Vamos propor descontos no IPTU e no ISS”, ele adianta.
Por trás da maré de boa vontade com o retrofit está uma pressão de empresários e investidores que acreditam no potencial da ideia. Steinbruch, parte de um grupo alçado a “consultor” da prefeitura, está captando 100 milhões de reais para comprar os cinco prédios que pretende retrofitar, em endereços como a Rua Aurora e a Avenida São João.
“Acredito que vamos superar esse valor, com o objetivo de adquirir mais edifícios no futuro”, diz o empresário (a Yuca aluga apartamentos e se notabilizou pelo modelo chamado coliving. Recentemente, a empresa retrofitou quatro unidades no Mirante do Vale, prédio icônico às margens do Anhangabaú antes usado só para salas comerciais).
Nos arredores do Minhocão, três prédios de escritórios que andavam às moscas — todos, por sinal, construídos nos anos 1950 — também estão em processo de reencarnação urbana. Serão reformados pela Planta Inc, que captou 70 milhões de reais junto a fundos imobiliários para a empreitada.
Na esquina da Rua Araújo com a Major Sertório, a poucos metros do Copan, o Edifício Renata Sampaio, projetado por Oswaldo Bratke, aguarda a aprovação dos órgãos de patrimônio. “Não se pode alterar a fachada, é claro, mas queremos tirar a grade da frente para criar comércios integrados com a rua”, diz Guil Blanche, fundador da Planta Inc.
No Edifício Magdalena Laura, com vista para o Copan e para a igreja da Praça Roosevelt, as obras já começaram. Na mesma Rua Rego Freitas, o terceiro projeto da marca está a um passo de iniciar a reforma. Ao todo, os três prédios tinham cinco unidades comerciais ocupadas; vão virar 167 apartamentos.
Em março, a Planta Inc inaugurou um prédio retrofitado no centro que não teve mudança de uso (segue comercial), mas voltou a ter vida. No térreo, instalou-se a livraria Gato sem Rabo, exclusiva para autoras. “Era um edifício da Santa Casa sem uso havia vinte anos”, diz Guil.
+ Retrofit: o que é, como funciona e exemplos no Brasil
Agora, as dez unidades estão ocupadas e logo será inaugurado, na cobertura, o restaurante Cora. “São Paulo sempre incentivou a construção de prédios novos. Hoje, enfim, o retrofit é uma ideia madura no mercado”, ele avalia.
No Censo mais recente, de 2010, a região central tinha 33 000 imóveis vagos, um problema que piorou na crise da Covid-19. Conforme empresas aderiram de maneira permanente ao home office, aconteceu uma dança das cadeiras: quem trabalhava em imóveis antigos viu a chance de alugar espaços mais novos.
Com isso, o centro sofreu uma (nova) debandada de negócios que migraram para espigões mais modernos, em eixos como a Faria Lima, a Berrini e a Marginal Pinheiros. Ao mesmo tempo, existe um déficit de moradias estimado em 474 000 domicílios na cidade, segundo dados do Secovi. “O que fazer com tantos prédios vazios no centro?”, pergunta retoricamente Azevedo. “O retrofit é uma grande aposta da prefeitura.”
MAIS BARATOS E DESCOLADOS NO CENTRO
Novos formatos como o coliving e o “Casa Verde e Amarela Chique” também devem ajudar a repovoar a região
Além do retrofit, outros formatos “fora da caixa” têm atraído moradores — e investimentos — para o centro. Um exemplo são os prédios da construtora Magik, feitos para o programa Casa Verde e Amarela (o antigo Minha Casa Minha Vida), mas com duas diferenças importantes: são bem localizados (todos na região central) e têm sofisticações arquitetônicas raras no programa federal.
“Vamos fazer dezoito prédios nos bairros centrais. Seis já foram entregues (desde 2019) e oito estão em construção”, diz André Czitrom, sócio da construtora. Neste ano, a marca vai inaugurar um edifício com frente para o Minhocão assinado pelo arquiteto Isay Weinfeld, conhecido por projetar casas para clientes milionários. Terá cantos arredondados e uma área comum na cobertura.
A entrega mais recente é um prédio de quinze andares na Vila Buarque, com uma imponente entrada elevada. “Os moradores são jovens em início de carreira que não abrem mão de morar perto de comércio e serviços”, diz Luis Baleeiro, 31, que comprou uma unidade de 25 metros quadrados por 225 000 reais em outro edifício da Magik no mesmo bairro.
Outra novidade que tem levado jovens a morar no centro é o coliving, ou aluguel compartilhado. Nele, uma empresa reforma e equipa os apartamentos, para depois fazer o match (a combinação) dos inquilinos. “O apartamento estava pronto quando mudei, até a televisão e os pratos são da empresa (a startup Yuca)”, conta Vitoria Paliari, 24.
Recém-formada em relações internacionais e ex-moradora de Mogi Guaçu, ela encontrou no coliving uma maneira de se mudar para a capital sem estourar o orçamento. “Pago 2 080 reais por um pacote que inclui o aluguel de um quarto, o condomínio, todas as contas e uma faxina semanal”, diz.
A jovem divide o apê com a arquiteta Christiane Balla, 28, e a cachorra Mako, mas a qualquer momento podem chegar novos inquilinos (selecionados pela empresa) para os dois quartos ainda vazios. “Eles aplicam um questionário para escolher pessoas com afinidades”, ela diz.
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Publicado em VEJA São Paulo de 07 de julho de 2021, edição nº 2745