“Esquenta” das baladas das ruas Frei Caneca e da Augusta ou ponto para tomar uma cerveja gelada sentado na escadaria ao som de um artista paulistano que desponta no cenário musical. Construído em 1910 e abandonado por décadas, o Mirante 9 de Julho foi reativado em 2015 por iniciativa do empresário Facundo Guerra. Passou por restauração, virou point de eventos, lar também de um café e restaurante. Seis anos depois, volta a ficar vazio, por tempo indeterminado.
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A executiva de operações da empresa de eventos Belvedere 9, Dulce Santos, era a atual responsável pelo endereço, de propriedade da prefeitura de São Paulo, que está fechado desde o início da pandemia de Covid-19. O termo de cessão de uso do espaço para a iniciativa privada, firmado em 2017, teve fim em fevereiro de 2020. Mas, segundo Dulce, desde então a subprefeitura da Sé, responsável pela área, vinha sinalizando que queria manter o acordo. Em dezembro deste ano ela conta que foi surpreendida pela decisão do poder público, após passar 22 meses mantendo o local: a parceria teve fim.
BRUNO COVAS
“A regional da Sé me chamou para conversar em 2019. Falaram que o projeto estava muito legal, entreguei prestação de contas, provando que a gente investiu mais de 6 milhões de reais”, conta Dulce sobre as conversas com a então gestão Bruno Covas.
Segundo ela, a prefeitura solicitou a elaboração de uma nova iniciativa para o endereço. “Desenhei um projeto que se chamava Mira Novos Olhares. Sugeri que a gente grafitasse a laje (do Mirante) e fizesse uma exposição a céu aberto”, conta.
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Troca de e-mails entre Dulce e funcionários da subprefeitura mostram as tratativas para a elaboração do projeto artístico já em 2020, após o fim oficial da cessão do espaço, durante a pandemia. A iniciativa chegou a ter parecer favorável do Departamento do Patrimônio Histórico e da Secretaria Municipal de Cultura, com publicação no Diário Oficial em setembro de 2020, cinco meses depois do prazo do contrato.
RICARDO NUNES
A empresária relata que em 2021, com a troca de gestão para Ricardo Nunes (MDB), reapresentou a iniciativa para a subprefeitura da Sé, que saiu do comando de Eduardo Odloak e passou para o coronel da reserva da Polícia Militar, Marcelo Vieira Salles.
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“Falaram que não podiam renovar o termo, mas iam entender como fazer para dar continuidade. E saí de lá esperando o dia que eles iam me chamar para formalizar isso tudo”. Neste dezembro ela relata ter recebido a notícia, por parte do coronel da Polícia Militar, José Eduardo Bexiga, coordenador de governo local da subprefeitura, que a cessão não seria renovada. A empresária afirma que chegou a comparecer a uma reunião com o coronel, em novembro, em que pediu uma revisão da decisão. Em dezembro, foi informada que a solicitação foi negada.
“É uma questão política, não faz sentido. Se aprovaram minha administração, por que encerrar? Eu poderia simplesmente ter pegado as minhas coisas e ter ido embora. Mantinha um vigia lá dentro, em setembro eu contratei um caminhão pipa e lavei todas as escadarias e toda a parte de dentro. Não está abandonado e tem muito investimento”, relata.
Em março o endereço chegou a sofrer um assalto, com o roubo da fiação elétrica, equipamentos de som e de cozinha. “O espaço é invadido frequentemente”, conta Dulce.
Procurada sobre a questão, a prefeitura afirma que o termo de cooperação para concessão “venceu e não foi renovado por conta da pandemia”. Diz ainda que a Belvedere não mostrou interesse em assumir a manutenção das duas fontes localizadas na Avenida 9 de Julho, que fazem parte do Mirante.
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“Outras propostas de utilização serão analisadas. Atualmente, a administração regional está conduzindo estudos para futura utilização do espaço, o que será devidamente publicado no Diário Oficial do Município por meio de chamamento público aberto para quaisquer interessados”, diz a gestão Nunes, sem dar prazos.
“É mentira”, diz Dulce sobre a versão da prefeitura de que a empresa não topou assumir a manutenção das fontes, após enviar para a reportagem um e-mail supostamente encaminhado para o Coronal José Eduardo Bexiga. “Estamos de acordo com a renovação do termo, com a questão dos chafarizes incluída”, diz o texto da mensagem, de 29 de setembro.
VAI E VEM
A linha do tempo do Mirante 9 de Julho, desde a sua reinauguração como espaço cultural, em 2015, também não foi exatamente tranquila. A cessão para a iniciativa privada foi somente oficializada em 2017, em um consórcio com cinco empresas: a Belvedere (60% de participação) e o Riviera Bar (10% de participação), ambas então de Facundo Guerra, o Instituto Choque Cultural (10%), o escritório de arquitetura MM18 (10%) e a empresa de marketing Barong (10%).
Pouco tempo depois, no entanto, Facundo e o então sócio José Victor Oliva se desentenderam. No “divórcio”, Oliva ficou com o Mirante e o Riviera. Em 2019, o 9 de Julho mudou novamente de mãos e foi para Dulce Santos, que até então era gerente do local e adquiriu a Belvedere.
Nos últimos anos, as outras empresas que compunham o consórcio se afastaram da administração, restando apenas a Belvedere. A Vejinha procurou o Instituto Choque Cultural e o escritório MM18, que confirmaram a informação. A Fábrica de Bares, atualmente responsável pelo Riviera, informou que não participou da iniciativa desde que assumiu o bar. A reportagem não conseguiu contato com a empresa de marketing Barong.