O roqueiro Arnaldo Baptista, líder e fundador de Os Mutantes, sempre defendeu a tese de que o sucesso ou o fracasso de um show está nas mãos de um profissional que fica escondido no fundo da plateia, atrás de uma mesa cheia de botões: o técnico de som. Um simples ajuste equivocado pode ser o suficiente para a performance do artista chegar à audiência na forma de uma massa confusa de barulhos. Em São Paulo, uma família dominou a cena e é hoje responsável pela qualidade de alguns dos maiores espetáculos da cidade. Quem está à frente da trupe é o engenheiro José Luiz Oliveira, mais conhecido como Bugão. “Sou do Pernambuco e, na infância, era magrinho, barrigudo, pequeno e danado”, conta. “A turma me chamava de ‘bruguelo’, o nome foi diminuindo e acabou virando ‘buga’.”
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O apelido virou aumentativo para diferenciá-lo do mais velho dos três filhos, Christiano, de 39 anos, vulgo Buguinha. Os outros irmãos também estão no mesmo negócio e, juntos, eles cuidam de aproximadamente vinte apresentações por mês na metrópole. Fazem parte da lista de clientes casas como o Studio SP, algumas estrelas nacionais da música pop (Nação Zumbi e Racionais MC’s, entre outros) e astros internacionais como o cantor franco-espanhol Manu Chao. “Tenho total confiança nesses técnicos”, afirma Ale Youssef, um dos sócios do Studio SP. “Um dos segredos das minhas casas noturnas é a qualidade de som garantida por eles.” O cantor e compositor baiano Lucas Santtana, um dos principais talentos surgidos no cenário nos últimos anos, engrossa o coro de elogios. “Eles cuidam da aparelhagem como se estivessem tocando um instrumento”, compara. “São detalhistas ao extremo e quase imbatíveis em termos de qualidade”, completa.
Quando ficam responsáveis pela mesa de controle durante uma apresentação, Bugão e seus filhos cobram uma taxa de cerca de 600 reais. O restante da renda vem de trabalhos paralelos desenvolvidos pela turma. Cada um tem uma especialidade. Buguinha, por exemplo, carrega a fama de ser uma das maiores feras do mercado na mixagem final de CDs. Trabalha num estúdio na Pompeia, na Zona Oeste, e ganha 3.500 reais por música, além de usar outro endereço para desenvolver um trabalho autoral de música dub, uma vertente do reggae jamaicano.
Outro integrante do time que está tentando sair do fundo da plateia e ir para o centro do palco é o caçula Fagner, de 31 anos, guitarrista nas horas vagas e prestes a lançar seu primeiro álbum. Além da vocação para a mesma carreira, ele seguiu a tradição da família de carregar apelidos esquisitos. Depois de acompanhar uma turnê da banda Mundo Livre S/A, acabou batizado pelos integrantes de Sasquat. “Um dia, eles me apresentaram ao público com esse nome estranho e a coisa pegou. Eu me acostumei e, hoje, prefiro ser chamado assim”, conta ele.
A saga profissional do clã começou nos anos 80 na cidade do Recife, quando Bugão, que não chegou a se formar em engenharia, começou a construir e vender equipamentos como caixas de som a casas de show da capital pernambucana. Tempos depois, ficou viúvo e decidiu seguir o filho mais velho e o caçula, que tinham se mudado para São Paulo dispostos a trabalhar com música.
Um dos membros do clã, Clayton, de 33 anos, até tentou fugir da mesma sina. Investiu em cursos ligados à computação e se tornou webmaster. Mas, em 2010, a convite do pai, viu-se ao lado da mesa de som comandando as luzes do Comitê Club, casa de Ale Youssef que fecharia as portas no mesmo ano. A experiência mudou sua vida. Desde então, largou o mundo da tecnologia para trabalhar no negócio. Atualmente, é o responsável pela iluminação do Studio SP da Vila Madalena e da filial da casa no Rio de Janeiro. “Eu cresci no meio dessa bagunça de aparelhagem”, conta. “Até tentei mudar de área, mas quando vi já estava do lado deles de novo.”
A família:
José Luiz Oliveira (Bugão), 63 anos
O que faz: projetista de som, trabalha com várias casas de espetáculo, além de prestar consultoria a técnicos e empresários da noite.
Christiano da Costa Botelho (Buguinha), 39 anos
O que faz: produtor, músico e técnico requisitado por bandas do Brasil inteiro. É considerado também um dos melhores nomes na hora da mixagem de um CD.
Clayton da Costa Botelho, 33 anos
O que faz: fugiu da mesa de som para construir sites na web, mas hoje é técnico de luz em concertos realizados na capital.
Fagner da Costa Botelho (Sasquat), 31 anos
O que faz: técnico de som eficiente, trabalha com muitos grupos que passam por São Paulo. É também guitarrista e está lançando o primeiro disco.