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Sucateada, Polícia Civil tem o menor efetivo em doze anos

Com queda no orçamento, a corporação da capital enfrenta problemas como falta de investigadores, prédios caindo aos pedaços e viaturas em péssimo estado

Por Adriana Farias Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 ago 2017, 17h39 - Publicado em 25 ago 2017, 08h00
O pátio do Deic, na Zona Norte: 54 viaturas caindo aos pedaços à espera de ser vendidas como sucata (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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Qualquer paulistano que já tenha procurado ajuda em uma delegacia pode facilmente elaborar uma lista dos problemas mais comuns. Móveis velhos, paredes sujas, equipamentos obsoletos, funcionários insatisfeitos e espera interminável são um cenário corriqueiro na maioria desses locais há décadas.

Mas ainda que a expectativa do cidadão não seja encontrar um serviço padrão Scotland Yard, a badalada força britânica, existem indícios de que o quadro de desalento na Polícia Civil de São Paulo se agravou em tempos recentes. A começar pelas finanças.

Pela primeira vez nesta década, houve queda no volume de dinheiro gasto com a corporação em um ano. Os 3,7 bilhões de reais de 2016 representam 95 milhões de reais a menos em comparação com 2015. Apenas nos custos com pessoal, essa redução girou em torno de 34 milhões de reais.

Entulho Polícia Civil
Entulho acumulado em uma sala do “Garajão”, prédio-símbolo da Polícia Civil,
no centro (Sindpesp/Veja SP)

O montante alocado para investimento, de 24 milhões de reais, foi o menor desde 2010, com uma baixa acumulada de 78% de lá para cá. Como se não bastasse, a verba de manutenção caiu 10% no primeiro semestre de 2017 em relação ao mesmo período de 2016, totalizando 165 milhões de reais.

Some-se a precariedade histórica a menos dinheiro em caixa e o resultado não poderá ser diferente. Os exemplos de sucateamento físico da Polícia Civil na cidade são identificáveis em vários departamentos. Algo evidente até no prédio símbolo da corporação, o quartel-general do Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos (Garra), próximo à Avenida Ipiranga, no centro.

Apelidado de “Garajão”, o local vive clima de abandono, com elevadores parados, janelas quebradas, extintores inoperantes e pilhas de entulho empoeirando-se por todo lado. Em outra unidade importante, o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), na Avenida Zaki Narchi, na Zona Norte, 54 viaturas caindo aos pedaços se acumulam no pátio à espera de ser leiloadas como sucata.

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No Grupo de Operações Especiais (GOE), no Campo Belo, rachaduras espalham-se pelas paredes. Por falta de manutenção, os quatro helicópteros do Serviço Aerotático, usados em operações antissequestro, prisões de organizações criminosas e transporte de órgãos a hospitais, chegaram a ficar parados por sete meses no Campo de Marte. Dois deles voltaram a voar recentemente, mas os outros, da década de 80, serão vendidos para cortar custos.

A falta de dinheiro é visível também na escassez de material e de serviços básicos nos distritos. Funcionários da Academia de Polícia, no Butantã, e das dez delegacias vinculadas à 1ª Seccional do Centro, como o 3º DP, nos Campos Elíseos, andam realizando vaquinha do próprio bolso para contratar faxineiros, pois estão sem limpeza há três meses por problemas na licitação do serviço, processo de responsabilidade do governo estadual sob gestão de Geraldo Alckmin.

No 33º DP, em Pirituba, na Zona Oeste, delegados são obrigados a levar de casa mesas, cadeiras e o computador particular para conseguir trabalhar. “E nem assim resolve. Em muitos casos, os softwares oficiais não funcionam em equipamentos pessoais”, diz a delegada Juliana Manikkompel, diretora do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp).

Um mês atrás, a entidade começou a reunir um arquivo com imagens de degradação nas unidades, enviadas pelos colegas. Mais de trinta foram catalogadas, de poças d’água a viaturas com pneus carecas. “A polícia atua de forma limitada há anos, mas agora ocorreu um verdadeiro desmonte”, diz a delegada Raquel Gallinati, presidente do Sindpesp.

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Sujeira é obviamente desagradável, porém o quadro fica bem mais preocupante quando a crise começa a provocar baixas no número de agentes a serviço da população. Hoje, a Polícia Civil conta com o menor efetivo dos últimos doze anos. São 9 423 funcionários na capital, com um déficit aproximado de 20% em relação ao número de vagas. Faltam cerca de 230 delegados, 880 investigadores e 540 escrivães, entre outras funções — um buraco criado pela aposentadoria de muitos profissionais e pelo sumiço dos concursos públicos na área (o último foi em 2013).

Com menos pessoal, várias unidades apresentam problemas graves de atendimento. No 8º DP, no Brás, boa parte dos 2 000 inquéritos de furto de veículos e celulares está parada porque só há doze investigadores no turno do dia, metade do ideal para uma delegacia que funciona 24 horas. “E ainda perdemos tempo com burocracia”, diz um funcionário do local. “Como o sistema para remeter flagrantes não é digital, precisamos levá-los pessoalmente ao fórum.”

Na 1ª Delegacia de Defesa da Mulher, no centro, com cerca de 100 atendimentos diários, quatro pessoas se desdobram para suprir o plantão noturno. Por ser a única do tipo a funcionar 24 horas, a demanda no lugar é mais alta. Vítimas de violência doméstica e sexual chegam a esperar seis horas para registrar um boletim de ocorrência.

delegacia da mulher
Saguão da 1ª Delegacia de Defesa da Mulher, no centro: espera de até seis horas para registrar um boletim (Reinaldo Canato/Veja SP)

A escassez atinge até setores que atuam na segurança direta da população. Após perder quase 70% de seus 300 profissionais em uma década, o Grupo de Operações Especiais (GOE) passou a circular em muitos casos com dois agentes por viatura — o ideal são três. “Somos convocados para dar reforço em confrontos, mas, muitas vezes, os bandidos continuam em maior número”, diz um agente.

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A crise de recursos coincide com um momento de piora em alguns índices de produtividade da Polícia Civil na capital. Houve redução em onze das treze estatísticas contabilizadas pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) no primeiro semestre de 2017 em relação ao mesmo período do ano passado.

O mais preocupante diz respeito ao número de inquéritos instaurados, importante termômetro de eficiência policial, que teve queda de 3%. Dos cerca de 320 000 boletins de ocorrência registrados de janeiro a junho, 16% se tornaram investigações. Em países como a Inglaterra, por exemplo, esse índice ultrapassa 30%.

Outros números que apresentaram baixa foram os de prisões efetuadas (6%), flagrantes (7%) e apreensão de entorpecentes (43%). No mesmo período, houve aumento na incidência de sete dos crimes que mais afligem os paulistanos. Entre eles estão roubo (3%), furto (9%), latrocínio (45%) e estupro (85%). “O crescimento de crimes contra o patrimônio sugere que a polícia não está conseguindo desmantelar as quadrilhas”, diz o especialista em segurança pública Guaracy Mingardi.

HELICÓPTEROS POLICIA CIVIL
Helicópteros parados por falta de manutenção no Campo de Marte: exemplos de sucateamento em várias unidades (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Quem viveu a corporação em épocas anteriores se impressiona com o atual panorama. “Abandonaram a polícia investigativa”, lamenta o deputado estadual Antonio Assunção de Olim, mais conhecido como Delegado Olim, do Partido Progressista (PP), com vinte anos de atuação na área.

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No caso da Polícia Científica, há déficit aproximado de 510 funcionários na capital. “Um laudo que deveria ficar pronto em dez dias está levando meses”, diz o perito Eduar do Becker Tagliarini, presidente do sindicato da categoria.

Como o governo do estado mais rico do país, nas mãos do mesmo partido, o PSDB, há 22 anos, pode ter deixado a situação chegar a esse ponto? Segundo o 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, São Paulo é o estado que mais gasta com essa área. Em 2015, por exemplo, investiu 9 bilhões de reais em policiamento, mais que Bahia, Paraná e Pernambuco somados.

Segundo alguns especialistas, o principal erro foi de gestão. “Faltou uma visão estratégica sobre segurança pública, que é tratada quase como um problema só da PM, sem integração nem equilíbrio”, afirma Rafael Alcadipani, professor de administração da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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Raquel Gallinati, do sindicato dos delegados: arquivo de fotos da degradação (Reinaldo Canato/Veja SP)

Mesmo na PM, existem problemas. Faltam cerca de 1 430 agentes na tropa e o salário médio de 3 000 reais não é reajustado faz três anos. “Há desmotivação geral”, afirma Wilson Morais, presidente da Associação dos Cabos e Soldados da PM de São Paulo.

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Ainda assim, a corporação encontra-se em uma situação um pouco melhor. Na última década, não enfrentou redução de orçamento. Em 2016, o aumento foi de 2,5%, chegando a 13,6 bilhões de reais, mais que o triplo do direcionado à Civil. “A PM tem custo maior, com mais viaturas e atividades ostensivas”, justifica o secretário de Segurança Pública, Mágino Alves.

O governo reconhece as dificuldades, mas garante que não há motivos para alarme. Alves não concorda que exista relação entre a atual penúria de recursos e alguns números de baixa produtividade nas delegacias. “Uma queda de 3% no número de inquéritos abertos não é expressiva”, defende.

O secretário reforça seu argumento apontando altas em outros critérios, como esclarecimento de crimes por meio de reconhecimento (47%) e pedidos de prisão preventiva (46%). “Além disso, reduzimos o índice de homicídios na capital de 51,2 para 6,3 a cada 100 000 habitantes entre 2000 e 2017. Em Chicago, por exemplo, essa taxa é o triplo.”

O secretário diz que uma série de estratégias de curto e longo prazos vai solucionar ou amenizar os principais problemas. A primeira medida envolve um repasse de 19 milhões de reais em setembro para gastos com material e equipamentos. “É um dinheiro que não resolve o quadro crítico”, diz Raquel Gallinati, do Sindpesp. “Teria de ser um valor seis vezes maior.”

As promessas de Alves incluem a chegada de 100 novas viaturas, 2 500 pistolas e três ônibus, um investimento extra de 16 milhões de reais. Para contornar a falta de pessoal, serão nomeados nos próximos quatro meses os candidatos que passaram no concurso público de 2013, para ocupar 64 postos de delegado, 258 de escrivão e 902 de investigador no estado (um terço disso na capital).

Mágino Alves
Mágino Alves, secretário de Segurança Pública: verba e concurso público (Charles Sholl/Futura Press/Veja SP)

O edital de um novo concurso está previsto para ser lançado até o fim do ano e as vagas serão preenchidas no decorrer de 2018. Há planos para resolver outras questões urgentes. O “Garajão” será desocupado em setembro para uma reforma e a sede do GOE tem um projeto pronto para a realização de obras no prédio, que está em más condições. Existem ainda licitações em fase final para a contratação de serviços de limpeza nas delegacias e nos departamentos especializados.

Números preocupantes

As estatísticas da crise que aflige a instituição

95 milhões de reais foi a queda nos gastos em 2016, a primeira em sete anos

1 110 é o déficit de delegados e investigadores na capital

3% é a taxa de redução nos inquéritos abertos em 2017

45% foi a alta nos latrocínios no primeiro semestre deste ano

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