Pego de surpresa com sua demissão na última sexta-feira (3), o ex-diretor dos Planetários de São Paulo, Fernando Nascimento, afirma em entrevista exclusiva a VEJA SÃO PAULO que a prefeitura tem “tentado matar” esses espaços “por inanição” e se recusado a investir mais dinheiro no setor.
“Costumávamos pedir no orçamento uma média de 7,5 milhões de reais para manter o complexo. Mas só aprovavam 2 milhões”, conta o físico formado pela Universidade de São Paulo (USP). “Isso só paga contratos de limpeza, bilheteria e manutenção do projetor. O que está acontecendo é que estão matando o planetário por inanição”. Ele estava no cargo desde fevereiro de 2017.
Atualmente, São Paulo conta com três planetários mantidos pela iniciativa pública. Um, chamado Aristóteles Orsini, fica no Parque do Ibirapuera, na Zona Sul da capital. Outro, o Acácio Riberi, está localizado no Parque do Carmo, na Zona Leste. Esses dois são geridos pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, e estavam sob responsabilidade de Nascimento. Já o terceiro é administrado pela Secretaria de Educação e se situa dentro do CEU de Parelheiros, no extremo Sul.
Esse cenário, porém, deve mudar nos próximos dois meses, quando a iniciativa privada deve começar a controlar o Parque do Ibirapuera. Na elaboração do projeto de concessão, Nascimento conta que teve de elaborar às pressas um anexo para que o planetário fosse minimamente contemplado no processo, pedindo garantias de que o uso do espaço continuasse voltado apenas à astronomia. “Tivemos que elaborar um anexo de última hora pedindo que, com a concessão, o planetário continuasse funcionando e não virasse uma sala de cinema”, diz o ex-diretor. E ressalta: teme que o lugar vire um simples “ativo” do parque depois que ele passe a ser administrado por empresas.
O físico afirma que descobriu sobre sua demissão pelo Diário Oficial. Depois que a exoneração foi revelada pela reportagem, no domingo (5), os funcionários do Planetário do Ibirapuera interromperam as operações do local por algumas horas. Segundo Nascimento, eles só retomaram as atividades porque teriam sido ameaçados de demissão por uma diretora da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente.
A história dos planetários é marcada por uma sequência de dificuldades. Inaugurado em 1957, o Aristóteles Orsini precisou fechar três vezes para passar por obras: de 1995 a 1997, de 1999 a 2006 e entre 2013 e 2016. A situação do planetário do Parque do Carmo foi ainda pior ao longo do tempo. Inaugurado em 2005, fechou pela primeira vez dois anos depois, voltando às atividades apenas em 2016. Antecessor de Bruno Covas na prefeitura, João Doria chegou a afirmar que gostaria de passar o comando dos planetários para a iniciativa privada. Juntos, Carmo e Ibirapuera receberam 115 mil visitantes em 2018. Em 2017 foram 250 mil.
Em nota, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente garante o funcionamento do planetário do Parque do Ibirapuera após a concessão para a iniciativa privada e informou que a futura concessionária “terá obrigação” de investir no espaço. “A futura concessionária também terá como obrigação o cumprimento do programa de manutenção de edificações e atualização dos equipamentos para melhorar as condições do Planetário e da Escola de Astrofísica, na forma prevista em contrato”, diz o texto. A pasta comunica que, em 2018, cerca de 7,6 milhões de reais foram destinados aos dois planetários da cidade. Por último, aponta que os locais estão passando por reestruturação de equipe e diz que o equipamento “nunca foi fechado por falta de pessoal”.
Abaixo, leia a íntegra da entrevista com o ex-diretor dos Planetários de São Paulo:
O que o senhor achou da sua exoneração do cargo?
A forma como saí passou dos limites do indigno. Porque nem o pior funcionário, da pior empresa vai descobrir sua demissão da forma como eu descobri, pelo Diário Oficial. O mínimo que se espera de gestores é que isso seja feito olho no olho. E hoje nem tem mais tanta desculpa. O secretário não mandou e-mail, não ligou, nem mesmo me mandou uma mensagem pelo Whatsapp.
Houve conversa depois da demissão? Como foi?
No sábado (4), um dia depois de ficar sabendo da demissão, liguei para o secretário. No dia, ele me disse que não estava sabendo da demissão. E marcou uma reunião comigo para esta segunda-feira (7). Chegando lá, o secretário não me recebeu. Quem me recebeu foi o chefe de gabinete. Disse que o secretário decidiu me demitir por causa da organização de um evento para o planetário. Isso teria o irritado. Falaram que eu fiz tudo sozinho, passando por cima de superiores.
O senhor tentou falar com o secretário depois outra vez?
Tentei. Quero conversar com ele. Fui mandar uma mensagem no Whatsapp mais tarde e percebi que ele tinha me bloqueado. Não entendi. A gente sempre teve uma boa relação. Por que não conversar? Olhar no olho, entender o que aconteceu. Ele pode ter agido com base em informações parciais e tomado a decisão incorreta.
O senhor sabe o que aconteceu com os funcionários que interditaram o planetário do Ibirapuera no domingo?
Soube da suspensão as atividades no domingo, depois que minha demissão foi noticiada. Soube que, durante a paralisação, rolou uma reunião com uma diretora da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente e o próprio secretário, que participou por viva-voz.
Nessa reunião, relataram que essa diretora ameaçou demitir todo mundo sumariamente se o planetário não fosse reaberto. Quando ela fez isso, muita gente se sentiu coagido. E o planetário voltou a abrir depois. Ouvi dizer que a mesma diretora esteve ontem lá de novo e ameaçou a equipe outra vez. O clima está muito ruim.
Quais as maiores dificuldades que o senhor tinha durante a gestão dos Planetários?
Havia alguns empecilhos. Um dos maiores é que, como havia um processo de concessão em andamento, simplesmente pararam de mandar dinheiro para o planetário. Costumávamos pedir no orçamento uma média de 7,5 milhões de reais para manter o planetário. Mas só aprovavam 2 milhões. Isso só paga os contratos de limpeza, bilheteria e a manutenção do projetor. Às vezes, dava para comprar peças dos equipamentos, mas só quando quebravam. O que está acontecendo é que estão tentando matar o planetário por inanição.
Durante o projeto de concessão do Ibirapuera, o fechamento do planetário do parque foi aventado?
O que ouvi mais de uma vez é que, sempre quando tínhamos algum tipo de problema com equipe, o secretário dizia: “Ah, que se dane o planetário, eu não tenho problema em fechá-lo por alguns meses”. Diziam que, para isso, era só botar a culpa no projetor e estava tudo certo. Em uma dessas vezes, o secretário perdeu o controle, jogou o celular na mesa.
Sinto que eles pensam assim: a concessão está aí, então dane-se. Durante a elaboração do projeto de concessão, lembro que tivemos que elaborar um anexo de última hora pedindo que, com a concessão, o planetário continuasse funcionando e não virasse uma sala de cinema. Cheguei a ouvir nesse período: “Olha, o projeto do planetário é bem bom. Mas eventualmente podemos usar o espaço para fazer eventos corporativos.”. Quem fala isso não entende que o objetivo dos planetários é maior. O do Ibirapuera não pode ser pensado simplesmente como um ativo gerador de receitas para o concessionário. Usar o planetário só para ganhar dinheiro.
Na avaliação do senhor, o poder público municipal investe o suficiente em ciência?
Projeto a gente tinha. Mas não, não investiam. E poderia ter investido. Só que falta clareza, visão para entender que existe um projeto para estimular pesquisa, ciência e educação, e que tinha gente capaz de botar isso de pé. Mas, por picuinha, a gente foi alijado de fazer algo maior para a cidade.
É fácil investir quando se gosta da cidade. E não é o que é feito, especialmente com uma gestão que está à procura de uma marca própria. Em vez disso, preferem manter o planetário como ativo, como uma coisa menor. A desculpa é que sempre falta recurso para tudo.
Como está o estado de conservação dos equipamentos e dos patrimônios do planetário?
O principal problema é o prédio da Escola de Astrofísica, que integra o complexo do planetário do Ibirapuera. Precisa ser reformado, assim como o prédio do planetário do Parque do Carmo. Há pelo menos dois anos insisto nessa questão, tendo que ouvir o argumento de que não têm dinheiro para custear as obras. Então os prédios continuam deteriorando. Aí depois é só fechar, alguém fazer uma reforma, cortar uma fita, botar uma placa e pronto, fica todo mundo feliz.