Pesquisa pioneira desenvolve ração para espécie de abelha nativa em risco
Estudo contribui também para o desenvolvimento de dois meliponários no estado, que possui 2900 criadouros

Pequena, felpuda e produtora de um mel único valorizado pelo dulçor suave e pela acidez, a mandaçaia é uma abelha sem ferrão, natural da fauna brasileira e em risco pela perda de hábitat. Encontrada principalmente na Mata Atlântica e no Cerrado do Sudeste — biomas nos quais lidam com o desmatamento, o uso indiscriminado de agrotóxicos e a produção predatória de mel —, a espécie possui hábitos alimentares bem seletivos, que motivaram uma pesquisa pioneira da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), realizada pela pesquisadora Patrícia Miranda-Pinto e orientada pela bióloga Michelle Manfrini Morais, em conjunto com a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do estado (Semil). “A alimentação delas é um problema para quem cultiva por causa do período de escassez, quando precisam de suplementos proteicos e energéticos”, conta Patrícia Locosque, 49, responsável pela Diretoria de Biodiversidade e Biotecnologia (DBB) da Semil e coautora do estudo.
Para contribuir com o trabalho de quem maneja a espécie — chamados de meliponicultores por cultivarem abelhas sem ferrão (melíponas), ao contrário dos apicultores —, o laboratório liderado por Patrícia auxilia desde 2019 no desenvolvimento da ração feita com microrganismos encontrados no pólen fermentado naturalmente pelos insetos. “Montamos as caixas com as colônias no próprio laboratório, no campus da Unifesp em Diadema, e acompanhamos tudo o que elas levavam para o ninho. Então, tiramos o pólen e analisamos de forma genômica para identificar os microrganismos. No fim, conseguimos uma substância que elas consomem em uma proporção próxima à do pólen natural”, explica.
Publicada em janeiro pela MDPI, uma das mais conceituadas editoras de revistas científicas do mundo, a pesquisa agora entra em uma segunda etapa, que compreende a testagem da ração em outras espécies nativas para posterior produção em larga escala, fase desafiadora pelo alto investimento necessário e risco de contaminação fora da bancada do laboratório. “Estamos bem confiantes que outras espécies aceitem. E é um produto bom para comercializar por ter validade de seis meses, considerando o tempo de prateleira para colocar no mercado. É um prazo bom para um produto que não possui nenhum agregado químico”, conta a diretora.
Além da contribuição futura para a preservação da espécie mandaçaia, o estudo motivou a formação de dois criadouros: em Araçoiaba da Serra, com cinco espécies e 21 caixas de abelhas, e outro na sede da DBB, com outras seis caixas. Ambos são administrados pela Semil, que divulgou um levantamento atualizado dos meliponários registrados em São Paulo. Para se ter ideia da dimensão do cultivo, o estado possui, no total, 2 900 criadouros. Liderando a lista de municípios com a maior quantidade está a capital paulista, com 341, seguida de Campinas, com 97, e Ribeirão Preto, com 74 (veja o quadro). Entre as regiões, o litoral sul se destaca com quase 900 viveiros.

Especialista em abelhas, o biólogo Bruno H. Aranda, 37, afirma que as espécies nativas, além de essenciais para a preservação da biodiversidade, produzem tipos de mel diversos. “Existem mais ácidos, mais doces e até salgados. É uma paleta que varia de espécie para espécie e também depende da florada e da região que habitam. Além de texturas diferentes, o mel delas tem maior teor de água, então tende a fermentar na temperatura ambiente. Por isso é tão interessante para a gastronomia”, explica o pesquisador.
Há cinco anos trabalhando na produção de mel, o meliponicultor Junior Vulcano, 33, começou resgatando uma colônia de abelhas jataí em um poste de energia elétrica quando trabalhava como eletricista na cidade de Capão Bonito. Agora, administra cerca de 500 caixas em onze terrenos que mantém junto com associados, tanto em Capão Bonito quanto em Ribeirão Grande, Guapiara e no Vale do Ribeira, além de contribuir com o escoamento da produção dos pequenos produtores das áreas por meio da sua empresa Melis. “A meliponicultura está começando. Muita gente maneja sem entender a importância da regularização, por exemplo, que é uma segurança para quem produz, além de trazer visibilidade para o nosso trabalho. As pessoas precisam entender que os criadores de abelhas mantêm um banco genético vivo das florestas”, defende.
Para disseminar a meliponicultura, Junior também auxilia os aspirantes a criadores com a infraestrutura correta. “Os polinizadores são fundamentais nas culturas agrícolas e regulação dos ecossistemas. Seu manejo sustentável representa nossa segurança alimentar, equilíbrio ambiental e resiliência contra as mudanças climáticas”, reforça Patrícia.
Publicado em VEJA São Paulo de 30 de maio de 2025, edição nº 2946