Condenado em 2004 a 114 anos de cadeia por abusar sexualmente de meninos de 8 a 13 anos, por filmar suas cenas de sexo com as crianças (elas eram dopadas) e por corrupção de menores — todas as vítimas eram seus pacientes —, o ex- pediatra ucraniano naturalizado brasileiro Eugênio Chipkevitch, 67, atualmente detido em Sorocaba, quer ir para casa.
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Os fatos, tornados públicos em 20 de março de 2002, foram descobertos após o médico jogar fora um conjunto de fitas cassete contendo as imagens estarrecedoras. O material foi parar no Programa do Ratinho, no SBT, ele foi descoberto e preso. Nos últimos anos, sua defesa protocolou sucessivos pedidos para a progressão de pena, sob a alegação de que ele já cumprira tempo suficiente em regime fechado para requerer uma prisão mais branda.
Em um dos recentes desses pedidos, o desembargador Ricardo Cardozo de Mello Tucunduva, do Tribunal de Justiça de São Paulo, afirmou que o condenado não possui condições para deixar a prisão neste momento. “Os planos para o futuro mostram-se vagos, e, ainda, há presença de elementos que não recomendam o benefício pleiteado. Aliás, é claro que a sociedade não pode, simplesmente, receber de volta um indivíduo como o agravante”, disse, citando Eugênio.
Se o futuro é impeditivo para a concessão do benefício, os resquícios de seu passado de abusador de crianças tampouco lhe saem da cabeça. Segundo a conclusão do teste de Rorschach, que analisa a personalidade, as fantasias infantis ainda estão presentes na mente do ex-pediatra. “A sua autonomia refletida não tem conseguido lidar efetivamente com a interferência de fantasias infantis, com a ansiedade e com os sentimentos de frustração que se fazem presentes e influenciam a sua dinâmica psíquica e, assim, vemos que ainda demonstra imaturidade psicológica. A sua dificuldade de compreender o comportamento humano de forma amadurecida pode gerar dificuldade nas relações com as demais pessoas, uma vez que consegue controlar sua expressão afetiva adequadamente, mas não consegue demonstrar interesse no comportamento alheio.”
Enquanto não consegue obter o benefício de deixar a cadeia de dia para poder trabalhar fora, Eugenio lê, estuda e realiza atividades laborais com os demais detentos. Desde que chegou ao sistema prisional, há vinte anos, ele conseguiu abater 1 469 dias de sua pena, cerca de quatro anos.
Para cada três dias trabalhados ou de estudo, um dia da sentença é suprimido. A última dessas remissões ocorreu em novembro passado, quando ele mostrou ao juiz sua aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Por 1 500 horas de estudo, conseguiu reduzir sua condenação em 100 dias, dos mais de 41 000 dias e noites que deverá permanecer sob a proteção do estado.
Procurado, o advogado Roberto Podval, um dos mais famosos (e caros) criminalistas da cidade, e que atua no processo desde o início, afirmou que seu cliente não está dando entrevista. Questionado se Eugênio estaria pronto para deixar a prisão, Podval não respondeu.
Quando foi descoberto, o caso logo se tornou um escândalo. Renomado e requisitado, Eugênio, formado em 1978 pela Faculdade de Medicina da USP, possuía dois consultórios no Brooklin e cobrava, em valores atualizados, mais de 1 200 reais por consulta. Também foi chefe do Serviço de Adolescentes do Hospital Infantil Darcy Vargas e membro de associações como o Society for Research on Adolescence (Sociedade para Pesquisa em Adolescência), nos Estados Unidos.
Para poder abusar de seus pacientes, ele impedia a entrada dos responsáveis na sala de consulta. Uma mãe que não terá o nome revelado contou durante o processo de julgamento como percebeu os abusos no filho. “Ele deve ter sido anestesiado porque a veia do pênis estava muito alterada. Eu sempre aguardava do lado de fora do consultório. Somente após o término de cada consulta, que durava cerca de uma hora e meia, eu podia entrar na sala”, diz a mulher, que reconheceu o jovem nas imagens que foram exibidas em rede nacional.
Na época da descoberta dos crimes, Eugênio era divorciado e possuía um filho adotivo com 10 anos de idade. Nos últimos vinte anos, além de não conceder nenhuma entrevista, Eugênio Chipkevitch não explicou em público por que decidiu jogar as fitas fora, em uma caçamba, sem destruí-las. Queria ele ser pego? O material foi descoberto por um funcionário de uma empresa telefônica, que possuía uma câmera do mesmo modelo da do médico.
Talvez, se não conhecesse o equipamento, o homem poderia ter deixado passar um dos maiores escândalos de pedofilia da história do Brasil.
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Publicado em VEJA São Paulo de 2 de março de 2022, edição nº 2778