No início de abril, o professor de atletismo Álvaro de Mello tomou um susto após encerrar um treino com sua turma de 35 alunos no Parque do Ibirapuera. Ao chegar ao estacionamento próximo à marquise, por volta das 21 horas, encontrou sua van Fiat Doblò com os vidros estilhaçados.
Vários acessórios esportivos que estavam guardados no veículo haviam sumido, em um prejuízo de 750 reais. “Falei com agentes da Guarda Civil Metropolitana e os acionei para tentar recuperar meus pertences, mas não consegui nada”, lamenta Mello. “Eles me disseram que naquele momento havia apenas uma viatura para controlar o parque inteiro.”
Questionada, a prefeitura não comentou a denúncia. O episódio é um emblema de uma situação que se tem tornado cada vez mais frequente em parques da cidade, endereços onde teoricamente deveriam reinar a paz e a tranquilidade. Segundo dados obtidos por VEJA SÃO PAULO junto à Secretaria de Segurança Pública, via Lei de Acesso à Informação, um total de 177 furtos e roubos foi registrado nesses locais apenas entre janeiro e março deste ano, um crescimento de 40% em relação ao mesmo período de 2016.
Essa alta é puxada pelo Ibirapuera, que somou 87 ocorrências nesses meses, contra 35 no trimestre inicial do ano passado. Mas não se trata de um cenário isolado na maior área verde da capital. No Parque da Independência, no Ipiranga, houve sete casos — nenhum havia sido registrado nos três primeiros meses de 2016.
No Parque do Carmo, em Itaquera, o número de episódios do tipo saltou de dezesseis para 24. Nesses três locais, a Polícia Civil prendeu em flagrante dezenove pessoas desde o início do ano. A escalada da violência nos parques está associada a um fenômeno também recente: a redução no número de seguranças nas áreas verdes municipais desde o segundo semestre do ano passado.
Hoje apenas 780 profissionais são encarregados de monitorar os 107 espaços públicos da capital. Dois anos atrás eram 1 150. Há exemplos de pontos tradicionais que não têm vigilância alguma, como o já citado Independência, além de Trianon, na Avenida Paulista, e Aclimação, na Zona Sul. Nesse panorama, proliferam as cenas de descalabro, não só associadas a roubo, mas também a consumo de drogas a céu aberto.
O Chácara das Flores, no Itaim Paulista, tornou-se conhecido na vizinhança como “cheiródromo”, devido à grande quantidade de usuários de cocaína que passaram a se reunir ali nos últimos meses. No Parque Linear Zilda Arns, em Sapopemba, vinte agentes controlavam 7,5 quilômetros de extensão em rondas de bicicleta até setembro.
Hoje o número de profissionais está reduzido à metade, e agora eles precisam cobrir a área a pé. “Nosso trabalho passou a limitar-se a apenas observar o movimento dos traficantes e usuários”, afirma um vigia do pedaço, que pede para não se identificar.
A redução no quadro de vigilantes nos parques é sintoma do drástico corte no orçamento da Secretaria do Verde e Meio Ambiente desde o ano passado. Um montante de 200 milhões de reais deveria ter sido gasto pela gestão Fernando Haddad nessas áreas municipais ao longo de 2016. Apenas 146 milhões acabaram sendo efetivamente aplicados. Em 2017, já sob o comando de João Doria, a previsão de gastos no setor para o ano inteiro baixou para 184 milhões de reais, valor considerado insuficiente até pela própria prefeitura. “Faltam 30 milhões de reais para fechar a conta”, afirma o secretário da pasta, Gilberto Natalini.
Com menos dinheiro, contratos que estavam prestes a terminar não foram renovados e licitações deixaram de ser realizadas, o que levou a uma deterioração dos serviços essenciais, sobretudo desde agosto. Isso se refletiu em insegurança e também em falta de manutenção.
Em vários locais, o mato alto, as pichações e os equipamentos degradados tornaram- se parte da paisagem. No Ibirapuera, por exemplo, o espelho-d’água de 400 metros quadrados próximo ao Viveiro Manequinho Lopes está seco, depredado e rabiscado. A cúpula do famoso prédio da Oca está descascada. E lixo, como sacos e copos plásticos, se acumula nas margens do lago.
Sem apoio oficial, frequentadores se reúnem para tentar resolver os problemas. “Demos um prazo até o fim de maio para a prefeitura arrumar, senão vamos realizar um mutirão”, diz Maria Silva Ferreira, conselheira da associação Parque Ibirapuera Conservação. Não é o único local onde cidadãos estão arregaçando as mangas.
No Parque Cemucam, próximo à Rodovia Raposo Tavares, o comerciante Robson Coelho e o ex- técnico da seleção brasileira de mountain bike Eduardo Ramires se armam semanalmente de vassouras e pás para manter limpa uma trilha de 8 quilômetros para bicicletas. “Também arrecadamos 500 reais para pagar quatro diárias a um jardineiro”, afirma Coelho. Sem contar mais com os dez funcionários que tocavam a manutenção do espaço, o administrador Wilson Roderval vem sendo obrigado a fazer o serviço pesado.
No último dia 24, a reportagem flagrou o dono do cargo mais alto do parque recolhendo entulho e árvores caídas com as próprias mãos. “É o jeito, senão isso vira uma montanha de lixo”, diz. No Parque do Trote, na Vila Maria, o contrato com os últimos cinco funcionários responsáveis pela zeladoria termina neste fim de semana. “Terei de pedir ajuda à comunidade para cortar o mato da pista de caminhada”, diz a administradora, Karen Ikuta.
A principal aposta da prefeitura para resolver o déficit orçamentário da secretaria é repassar a gestão dos espaços à iniciativa privada. Nesse modelo, empresas particulares terão a concessão para explorar determinados serviços, como comércio de alimentos e gestão de estacionamentos, com a contrapartida de arcar com custos de manutenção e segurança. Alterações na Lei Cidade Limpa também estão em estudo, de modo a liberar a publicidade nesses locais.
Neste mês, a pasta convidará companhias interessadas para analisar as possibilidades de contrato em catorze dos parques mais tradicionais da capital, como Ibirapuera, Aclimação e Trianon. A licitação completa deve ocorrer no segundo semestre. Promessa de campanha de João Doria, a medida é polêmica e enfrenta resistência de parte dos paulistanos.
Segundo pesquisa Datafolha de abril, 53% dos entrevistados torcem o nariz para a ideia. “Muita gente entende que vamos cobrar ingresso, o que não vai ocorrer”, diz o secretário de Desestatização e Parcerias, Wilson Poit. “Mas esse formato pode permitir a chegada de novidades como restaurantes e rede wi-fi”, completa.