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Outros bichos

Um gavião ronda o enorme cajueiro e solta um guincho estridente, como se anunciasse: “Achei!”. Do cajueiro levanta-se um minúsculo passarinho, piando em alerta, e parte para o ataque, veloz, ágil, como um caça contra um bombardeiro, revoluteando, desferindo uma saraivada de bicadas, nas costas, no peito, na cabeça e sob as asas do gavião, […]

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h45 - Publicado em 18 set 2009, 20h18
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  • Um gavião ronda o enorme cajueiro e solta um guincho estridente, como se anunciasse: “Achei!”. Do cajueiro levanta-se um minúsculo passarinho, piando em alerta, e parte para o ataque, veloz, ágil, como um caça contra um bombardeiro, revoluteando, desferindo uma saraivada de bicadas, nas costas, no peito, na cabeça e sob as asas do gavião, que foge perseguido para se livrar daquele tormento infernal. Uma enorme surpresa para olhos citadinos.

    Refugiar-se num sítio é uma lavada de alma para os desassossegados da metrópole. Outros ruídos, outro ritmo, outros bichos.

    Engarrafamentos? Milhões de formigas migrantes trafegando no fim da tarde por avenidas que abriram nos matos.

    A vaca parava na beira da cerca e pedia mangas com um mugido longo e insistente. O vizinho dava-lhe na boca as que estavam no chão; ela comia umas vinte. Acabado o tempo de manga, a pedinte parece compreender a situação, e aguarda a próxima safra.

    Garças-brancas metem-se entre os bois que pastam. Dão repetidas bicadas neles, jeitosas. Algumas se encarapitam em suas costas. Eles, que normalmente chicoteiam com o rabo qualquer leve mosca, não se importam. As garças co–mem os gordos carrapatos que os incomodam.

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    O minúsculo galo Roberto Carlos diverte a todos. Ex–pulso do galinheiro por um rival, refugiou-se na varanda. É só abrirem a porta da sala que ele entra na casa, cidadão, morador. Pára na frente do espelho do biombo e olha o rival virtual, provoca-o, arrepia o pescoço, arma as asas para o combate, bica, bica. Intrigado, pára, ataca novamente, pára. Desconfia que tem alguma coisa errada com o rival.

    Bichos nos convidam a sair de nós, abrem em nós um espaço generoso para olhar o outro.

    De uns dois anos para cá, apareceram micos. Uma família de uns quinze, contando os bebês, que transitam pelas árvores agarrados às costas das mães. Chegam à tarde e ficam à espera das bananas que lhes damos quando não há frutas no quintal, quase reclamando. Têm uma sentinela que vigia, alerta, olhando para todos os lados enquanto o bando se reveza comendo. A um aviso – gavião! – desaparecem num segundo.

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    À tardinha, morcegos exibem-se em vôos de espantar, pela velocidade, pelas evoluções e pela aparente falta de objetivo. Só pode ser exibicionismo.

    Roberto Carlos, intrigado, foi procurar o inimigo atrás do espelho.

    Os dois jovens vira-latas pareciam estar maltratando a gata novinha. Eles a apanhavam na boca, levavam-na para cá e para lá, jogavam-na para o alto, ela miava, cambalhotava, eles a pegavam de novo. Acudimos, espantamos os cães, “tadinha”. E não é que ela os procurava, provocava manhosa, e aquela brincadeira se repetia toda tarde?

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    Ao cair da noite, o som de um trabalhador martelando, talvez um ferreiro, se prolongava a intervalos até alta madrugada. Toda noite. Comentei com o caseiro, e ele: “Né ninguém não, é o sapo-martelo”.

    Lagartixas dão lições de precisão e oportunidade ao caçar. Chegam a pequena distância da vítima e param por um longo tempo, imóveis, calculando o bote, a distância e a velocidade necessárias. Não erram.

    O jabuti do caseiro sumiu. Dias. O cachorro o encontrou, jogava-o para cima, de longe julgávamos que brincava com um coco seco. Fomos ver, era o jabuti, inerte, sem pescoço nem pernas. Bom tempo depois que o cão saiu de perto, o jabuti se mandou e sumiu de vez. Isso é que é se fazer de morto para viver.

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    Tem um passarinho que gosta de andar a pé em volta da piscina, intermináveis carreirinhas para lá e para cá. É a lavadeira. Raras vezes levanta curto vôo e se diverte batendo o peitinho na água.

    Um gambá comeu o garnisé que era rival do galo Roberto Carlos. Ele voltou para o galinheiro e caminha todo exibido entre suas galinhas. Rei morto, rei posto.

    O poeta espanhol Frei Luís de León cantou a paz da vida no campo no poema que começa assim: Qué descansada vida / la del que huye del mundanal ruido! (Que vida sossegada / a de quem foge do barulho do mundo!) Quais desassossegos, incomparáveis aos nossos, haveria em Salamanca 450 anos atrás?

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