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OLÁ,

Um olhar à moda da alta-costura

Maison Bonnet, que faz óculos sob medida, só atende com hora marcada e o primeiro encontro com o designer de armações dura três horas

Por Simone Esmanhotto
Atualizado em 5 dez 2016, 17h52 - Publicado em 6 ago 2011, 00h50

Nas 86 coleções de alta-costura que criou — seis delas como sucessor de Christian Dior e as outras com etiqueta própria —, Yves Saint Laurent mudou de inspiração como quem troca de roupa. Só duas coisas permaneceram imutáveis ao longo dos quarenta anos da carreira de um dos estilistas mais importantes da segunda metade do século XX: a timidez e as armações atrás das quais, diz Pierre Bergé, seu parceiro de vida e de moda, ele se escondia. Míope e perfeccionista, Saint Laurent confiou a marca registrada de sua fisionomia a outro míope perfeccionista: Christian Bonnet.

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O encontro entre o artesão dos vestidos e o das armações se deu nos anos 60, justo num momento em que os óculos deixavam de ser um mero instrumento para corrigir falhas de visão e se transformavam em acessório de estilo dos visionários. “Até o fim ele usou o terceiro e último par que meu pai fez para ele”, lembra Franck, que, com o irmão Steven, toca a Maison Bonnet, loja de óculos sob medida em Paris. O pai, Christian, fica no ateliê em Sens, a pouco menos de duas horas ao sul da capital francesa, onde se dedica a um ofício que domina como ninguém: esculpir óculos de casco de tartaruga.

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Essa é a especialidade dos Bonnet desde 1930. Avô de Christian, Alfred estava entre os 200 especialistas em moldar cascos em forma de armações. Ele era um dos muitos lunetiers de Morez, cidade próxima à fronteira da Suíça, que está para os óculos assim como Genebra está para os relógios (em francês, lunette vale tanto para óculos quanto para o mostrador do relógio). Foi ali que um engenhoso fabricante de pregos, Pierre-Hyacinthe Caseaux, em 1796, envolveu e uniu duas lentes com um pedaço de arame e aposentou o monóculo. Robert, da segunda geração, passou por duas casas francesas, Achard e Boidot, até estabelecer oficialmente a maison familiar, em 1950. Em compasso com a haute couture, na época em pleno revival com Christian Dior, começava ali o exercício exclusivo da haute lunetterie. “Fazemos apenas óculos sob medida e sob encomenda”, diz Franck.

Da quarta geração da família, o designer atende na butique da Passage des Deux-Pavillons, no número 5 da Rue des Petits-Champs, não muito distante do Jardim do Palais Royal. É, na verdade, um contrassenso chamar o endereço, inaugurado em 2009, de loja. É impossível sair de lá com uma sacolinha nas mãos depois de cinco minutos de visita. Nas vitrines, exemplares de algumas das 180 armações criadas em décadas não estão à venda. Funcionam como referência para os clientes. Entrar também é quase impossível. A porta está sempre fechada. E, não raro, a chave.

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Franck não se constrange em abri-la e, sorrindo, esclarecer ao desavisado que ali, como num ateliê de alta-costura, só se atende com hora marcada. O primeiro encontro dura três horas, no apartamento no andar de cima da Petits-Champs, onde a família mantém um acervo de bolsas, carteiras, cigarreiras e pentes feitos de tartaruga nos séculos XVIII e XIX. Como Christian é expert no material e hoje um dos raros com permissão do governo francês para manipular uma matéria-prima proibida em nome da preservação da espécie, muitos o procuram para restaurar objetos de família. A Bonnet trabalha com um estoque acumulado nas décadas anteriores à proibição, de 1974. “Não contribuímos para a matança de tartaruga”, afirma. “Para nós, o melhor é que elas vivam o máximo e morram de maneira natural: é nesse ponto que os cascos são firmes para as armações.”

Na primeira conversa, Franck investiga hobbies, estilo de vida e as preferências do guarda-roupa. Enquanto o cliente discursa, o designer analisa a altura das sobrancelhas, o tamanho do nariz, a posição das orelhas e a localização das rugas. “Preciso ser delicado porque às vezes a pessoa descobre características que nunca tinha notado no espelho”, diz. Numa folha de sulfite com um rosto impresso de frente e de lado, ele esboça a melhor armação e estabelece, com paquímetro, as doze medidas para construí-la. Chega a hora de escolher a cor do casco, numa palheta de nove tons que vai do baunilha ao cereja (eleita pelo ex-presidente Jacques Chirac) até o preto (marca do arquiteto Le Corbusier).

Se for mais clara, é mais cara — 70.000 reais é o limite (a Bonnet executa armações de acetato e chifre de búfalo, bem mais acessíveis: a partir de 1.500 reais). A confecção envolve dez etapas e uma espera de três meses até a prova. No terceiro encontro, vêm os ajustes finais no rosto. Nesse ritmo, 500 pares são entregues por ano, todos assinados na haste interna: CH-B (de Christian Bonnet) e o nome do cliente. “Nossos óculos são objetos íntimos e, como o material é natural, tecnicamente duram para sempre.” Talvez por isso Pierre Bergé, que leiloou os objetos do casal depois da morte de Saint Laurent, em 2008, por considerá-los “inanimados”, tenha guardado a derradeira armação do costureiro. Nada foi tão próximo de Yves quanto os óculos que o fizeram enxergar longe.

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