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O aperto dos gordinhos em São Paulo

Proporção de obesos passou de 11% para 15% desde 2006, mas a cidade ainda acolhe mal esse público

Por Daniel Bergamasco
Atualizado em 14 Maio 2024, 11h14 - Publicado em 25 nov 2011, 19h10
poltrona larga no metrô - capa 2245
poltrona larga no metrô - capa 2245 (Fernando Moraes/)
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Com 26 anos, 1,79 metro de altura e 140 quilos, o comediante Ben Ludmer passa por apertos diários em seu cotidiano na cidade. “O problema já começa no elevador cheio, com olhares tortos quando o gordo quer entrar”, conta ele, que cita em seguida a frustração de não poder andar em montanhas-russas de parques de diversões nem se acomodar nas poltronas apertadas de teatros. “É por isso que prefiro estar no palco”, brinca o ator, que apresenta bem-sucedidos shows de stand-up no Shopping Higienópolis, nos quais se celebrizou por fazer graça sobre a própria circunferência. Em julho, ao estender a piada para a plateia e usar como exemplo um espectador também rechonchudo, acabou levando um soco no rosto, o que lhe mostrou quanto o tema é sensível.

Segundo dados do Ministério da Saúde, o paulistano está engordando. E rápido. O porcentual de moradores da metrópole com sobrepeso — ou seja, índice de massa corporal (IMC, ou peso dividido pela altura ao quadrado) maior que 25 — passou de 44,3% em 2006 para 48,5% em 2010 (são 51,1% dos homens e 46% das mulheres). Se considerados apenas os obesos, de IMC superior a 30, o salto é de 11% para 15% no período. Pois, mesmo com uma população na qual os esbeltos e os chamados normais logo poderão se tornar minoria, são muitos os desafios do dia a dia. Comprar roupas sem cara de avô é sempre difícil e há, muitas vezes, discriminação na hora de procurar emprego. “São situações que fazem com que muitas pessoas se privem da vida social”, diz a endocrinologista Claudia Cozer, coordenadora do Núcleo de Obesidade do Hospital Sírio-Libanês. “Tem gente que, em vez de se cuidar, acaba trancada em casa, triste e comendo ainda mais.” 

Para avaliar como anda a relação da cidade com quem não está em dia com a balança, VEJA SÃO PAULO convidou quatro paulistanos, dois magros e dois gordos, para um teste. Na experiência acompanhada pela reportagem, o tratamento foi bom, por exemplo, em academias de ginástica, das quais muitos fogem por estar fora do padrão médio dos frequentadores, e em baladas da moda, como Mynt e Disco, conhecidas pelas hostesses implacáveis com quem está malvestido. Mas esse tapete vermelho não se repetiu em algumas lojas de roupas com numerações limitadas. Na Carlos Miele da Rua Bela Cintra e na Calvin Klein do Shopping Frei Caneca, os menos delgados foram logo deixados de lado pelos atendentes, que preferiram dar atenção ao outro par.

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+ Gordos e ex-gordos falam sobre suas dificuldades

Para quem vive em São Paulo, as dificuldades podem ser as mais prosaicas. Carlos Miranda (1,75 metro e mais de 140 quilos), produtor musical, perdeu a conta de quantas vezes causou estrago ao se apoiar em balcão de vidro em lojas. “Outro dia, fui comprar tênis na Vila Madalena e, quando me encostei, o apoio quebrou na hora”, diz. Já Sérgio Montes (1,73 metro e 102 quilos), o DJ Catatau, da festa Trash 80’s, sofre com cadeiras fixas em lanchonetes e praças de alimentação, nas quais muitas vezes seu corpo acaba prensado. Para a atriz e diretora Eliana Fonseca (1,72 metro e peso não revelado), o pior são as restrições menos objetivas, como o julgamento alheio. “Parece que o excesso de peso virou falha de caráter”, observa. “O policiamento em cima da saúde faz muita gente esquecer que ser gordo não é uma escolha.” O endocrinologista Marcio Mancini concorda. “A pessoa é vista como culpada e não como vítima, o que é injusto”, afirma ele, que é chefe do Grupo de Obesidade do Hospital das Clínicas. “Mesmo que a força de vontade seja fundamental para emagrecer, há que considerar que não é tão fácil.” 

Loja Maison - capa 2245
Loja Maison – capa 2245 ()
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Uma pesquisa de 2010 do Hospital do Coração (HCor) que ouviu exclusivamente paulistanos e cariocas mostrou que a maior parte dos 600 entrevistados não se casaria com uma pessoa gorda. Essa rejeição ocorreu mais na classe A (66%) que na classe B (44%). Em outro ponto do questionário, 81% disseram acreditar que o excesso de peso interfere nas relações de trabalho. “De fato, mesmo sendo velado, o preconceito existe”, admite o headhunter Gutemberg de Macedo. “Muitos contratantes acham que esses empregados têm maior propensão a ficar doentes e a deixar a empresa na mão.” O próprio governo estadual causou polêmica recentemente ao vetar professores concursados da rede pública de ensino por sofrerem de obesidade, já que a doença causa ou agrava várias outras, como diabetes e hipertensão. Após o debate do caso na imprensa e a crítica de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil, os reprovados foram reavaliados e a maior parte, enfim, assumiu o cargo.

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Uma lei proposta pelo deputado Rogério Nogueira, do PDT, em vigor desde 2008, obriga cinemas, teatros, casas de shows e empresas de transporte público a assegurar, no mínimo, duas cadeiras especiais, mais espaçosas, para quem precisar delas. Com isso, vagões e estações de metrô ganharam assentos de 88 centímetros de largura e com capacidade para suportar 300 quilos (os demais têm 50 centímetros). Em casas de espetáculos como Credicard Hall e Citibank Hall, quem é obeso pode solicitar lugares maiores antes de comprar o ingresso, sem ter de pagar mais por eles. Já a rede de cinemas Cinemark admite que ainda está se adaptando. Em apenas parte de suas salas, o braço de algumas cadeiras pode ser levantado para que o espectador tenha mais espaço. Os complexos lançados a partir do ano que vem terão poltronas para gordinhos, e parte das plateias atuais será adaptada. O Procon lembra que quem não consegue usufruir o ingresso devido a esse aperto deve reivindicar a devolução do dinheiro. “Mas, por incrível que pareça, não recebemos reclamações assim de obesos, ao contrário do que acontece com cadeirantes, já habituados a reivindicar seus direitos de acessibilidade”, diz Andrea Sanchez, da diretoria do órgão de defesa do consumidor.

Na moda, quem excede as medidas ainda sofre para achar algo arrojado, mas isso tem mudado a passos lentos. Na companhia de redes tradicionais como as camisarias Varca, forte em trajes sociais, e Kauê, com peças mais esportivas, uma série de novos estabelecimentos ganhou espaço com roupas modernas. “Os modelos do tipo saco de batata, que eram confortáveis e só, estão sendo substituídos por itens que poderiam ser achados em qualquer loja”, afirma Renata Vaz, a paulistana mais influente do mundinho fashion GGG. Ela é a criadora do blog Mulherão, que tem 300.000 acessos mensais, e do Fashion Weekend Plus Size, evento que chega à quinta temporada em fevereiro, pela primeira vez com dois dias de desfiles em vez de um. “Na última edição, foram dez marcas”, contabiliza. “Nesta, estabeleci o limite em vinte, mas a demanda é crescente.” A Maison Spa, com sede em Moema e filial aberta há três meses nos Jardins, é repleta de artimanhas para ganhar esse mercado. Seus provadores têm espelhos sutilmente côncavos, para afinar o reflexo da cliente, e a iluminação é preparada para não evidenciar imperfeições. A vendedora Roseli Santos, com medidas comparáveis às da clientela, costuma circular com um pote de bombons e balas de goma entre as araras. “O açúcar ajuda a fechar a venda”, explica. 

Citibank Hall - capa 2245
Citibank Hall – capa 2245 ()
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Principal top model nesse padrão no país, a paulistana Mayara Russi está fazendo história. Protagonizou a primeira campanha GGG da lingerie Duloren, empresa que lançou suas linhas em tamanhos plus size há quatro anos e hoje vê esse nicho representar nada menos que 55% de suas vendas. Na foto, impensável no catálogo da marca anos atrás, a modelo mostra sem pudor o seu corpo, coberto apenas por calcinha e sutiã. A publicidade ousada foi feita para ajudar muitas das pessoas que se escondem sob roupas de corte desleixado.

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Ao mesmo tempo, a cidade também está cheia de gente que busca a autoaceitação correndo atrás do corpo perdido. Só o tradicional Vigilantes do Peso, por aqui desde os anos 80, alardeia que seus 16.000 frequentadores paulistanos perderam juntos 113 toneladas em 2010. Há grupos menos conhecidos, como os Comedores Compulsivos Anônimos, uma das opções gratuitas para quem procura um caminho sem medicamentos nem cirurgia. A reportagem acompanhou uma reunião numa sala da Igreja de São Judas Tadeu, na Zona Sul. Baseado nos princípios dos Alcoólicos Anônimos, como “Só por hoje”, o encontro mostrou ser uma boa forma de trocar experiências, das mais divertidas às mais dramáticas. Os relatos de perda de peso são animadores: “8 quilos”, “16”, “40”.

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Vem mais por aí. Um projeto de lei do vereador Paulo Frange, do PTB, tenta implantar no município o programa Obesidade Zero, de autoria do nutrólogo Daniel Magnoni, diretor de nutrição do Instituto Dante Pazzanese. Nele, são propostas ações mais amplas e coordenadas para adequar a silhueta da população, que vão de educação nutricional nas escolas até incentivos tributários para a instalação de barracas de frutas nas ruas, oferecendo opções baratas à comida rápida e gordurosa. Os legisladores deveriam levar a sério esse tipo de debate. Criar uma capital menos hostil a seus moradores GG é uma questão de cidadania, de respeito ao próximo e também uma bela oportunidade de negócios.

 

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