A tabelinha entre futebol e samba já rendeu canções famosas à MPB, como “Fio Maravilha”, de Jorge Bem Jor, e “Só Se Não For Brasileiro Nessa Hora”, dos Novos Baianos. No Carnaval paulistano, porém, a associação tem gerado confusão e violência. Exemplo mais recente disso foi o vandalismo que se seguiu à apuração da escola vencedora do desfile deste ano no Anhembi. O tumulto começou no meio da tarde da Terça-Feira Gorda (21), quando um integrante da Império de Casa Verde, o desempregado Tiago Ciro Tadeu, de 29 anos, pulou as grades, invadiu a bancada de onde as notas estavam sendo anunciadas, roubou os papéis que avaliavam a comissão de frente e os rasgou sem ser importunado pelos policiais ali presentes.
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Foi acompanhado na ação criminosa por diretores da Camisa Verde e Branco e Pérola Negra, outras escolas que ocupavam as últimas colocações. Mas a coisa toda quase terminou em tragédia quando membros da Gaviões da Fiel, torcida organizada do Corinthians que também é uma escola de samba, entraram em ação.
Àquela altura dos acontecimentos, aproximadamente 2.500 alvinegros presentes nas arquibancadas já estavam bastante irritados pelo fato de sua escola não ter mais chance de vitória. A massa saiu totalmente do controle no momento em que alguns de seus representantes ajudaram a destruir os votos. Após a intervenção da polícia, eles saíram pelas ruas da vizinhança depredando carros, ameaçando pessoas e provocando brigas-relâmpago com membros de facções rivais. Os mesmos marginais foram flagrados pelas câmeras de TV ateando fogo a um dos carros alegóricos da Pérola Negra, que estava estacionado num pátio ao lado de outros veículos do tipo. A vencedora do desfile, a Mocidade Alegre, só seria conhecida depois das 11 horas da noite. Terminaram rebaixadas Pérola Negra e Camisa Verde e Branco.
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Além de Tiago Ciro Tadeu, o torcedor corintiano Cauê Santos Ferreira, de 20 anos, acabou sendo preso. Na quinta-feira (23), pagaram fiança de 12.440 reais cada um e devem aguardar o julgamento em liberdade. Podem pegar até seis anos de cadeia, sob a acusação de dano ao patrimônio público e supressão de documentos.
Uma das tradições mais recentes da festa na capital é que, se houver alguma confusão, vai ter gente da Gaviões no meio. É o terceiro ano consecutivo que seus integrantes aprontam durante a apuração. Em 2010, centenas deles saíram pelas ruas da região munidos de pedaços de pau e pedras, provocando distúrbios, depois de se sentir prejudicados com a quinta colocação no desfile. No ano passado, após uma nota baixa no quesito evolução, arremessaram garrafas de água e chinelos nos organizadores. No dia seguinte à confusão, Wagner da Costa, vice-presidente da Gaviões, caprichava na cara de pau, tentando defender a tese de que ele e outros diretores evitaram o pior. “Se não tivéssemos agido prontamente para acalmar os ânimos, coisa que a polícia presente demorou a fazer, o estrago poderia ter sido muito maior”, afirmou ele.
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Surgida como torcida organizada, a Gaviões ingressou no samba paulistano no fim da década de 80. Nos últimos anos, fanáticos palmeirenses e são-paulinos engrossaram o cordão, classificando suas escolas, a Mancha Verde e a Dragões da Real, respectivamente, no primeiro grupo do Carnaval paulistano. Todas essas torcidas organizadas de futebol — aqui como em outras cidades brasileiras e no exterior, da Argentina à Inglaterra — são belicosas, têm gritos de guerra, provocam as facções rivais e envolvem-se em brigas que, não raro, terminam com mortos e feridos. Muitos de seus participantes andam armados. A polícia com frequência encontra, ao revistá-los, facas, porretes e até pistolas, além de drogas e bebidas alcoólicas, que não podem ser consumidas nos estádios. Para evitar confrontos entre eles no Sambódromo do Anhembi, a organização do desfile separou o dia da apresentação da Gaviões do das demais. Como se viu depois, os cuidados mostraram-se insuficientes.
O regulamento da Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo prevê expulsão de agremiações que tenham provocado brigas no desfile. Mas as palavras dos representantes da entidade não sugerem que haverá uma punição exemplar. “Dentro do sambódromo, a Gaviões não apresentou nenhum problema”, diz Paulo Sérgio Ferreira, presidente da Liga. “O que eles fizeram na rua é um problema da Secretaria da Segurança.” No universo do samba, diga-se, não são apenas as organizadas que têm uma ficha com problemas. A Império de Casa Verde já esteve sob suspeita de receber dinheiro de criminosos e um integrante da Unidos do Peruche foi preso no ano passado portando cocaína, dois fuzis e três granadas. O material estava estocado na sede da agremiação, na Zona Norte.
Os contribuintes paulistanos ajudam a patrocinar esses baderneiros. Cerca de 40% do orçamento das escolas é bancado pela prefeitura. Patrocinadores completam a verba necessária para as apresentações no Carnaval. Nos últimos anos, o evento se profissionalizou a ponto de atrair um bom público (média de 110.000 pessoas por ano), com transmissão do desfile pela Rede Globo, e vários parceiros comerciais. Neste ano, empresas como a fabricante de produtos de limpeza Bombril, a operadora de celulares TIM e a cervejaria Nova Schin figuraram entre os patronos da festa. Na ressaca após a confusão, todos lamentavam o prejuízo de imagem. “É muito triste o que aconteceu”, resumiu em nota oficial o diretor de marketing da Bombril, Marcos Scaldelai.
ELES NÃO SABEM PERDER
A agremiação já havia provocado tumulto em outros carnavais
2010
Centenas de membros da Gaviões da Fiel saíram pela Marginal Tietê e outras vias da região revoltados com a quinta colocação no desfile. Portando pedaços de pau e pedras, atacaram os carros que passavam pelo local.
2011
No meio da apuração, os fanáticos atiraram garrafas de água e chinelos na direção dos integrantes da Pérola Negra. A situação só não ficou pior porque a polícia interveio e acalmou os ânimos.