Por que decidiu escrever um livro a respeito da “nova economia”? Sobre o que é esse conceito?
Na prática, o Brasil nunca teve uma nova economia. O país é um comprador gigante de tecnologia dos outros e sempre chega muito atrasado. Depois de refletir sobre isso em 2014, no MBA que fiz na Suíça, e voltar, comecei a ver iFood, XP, 99… A gente via empresas não ligadas a uma família tradicional ou ao Estado que começavam a crescer e aparecer de forma exponencial e redesenhar suas cadeias de valor. Isso chamou muito minha atenção. A formação dessas empresas iniciou a criação da nova economia brasileira, em que elas têm um modelo de negócio extremamente ágil, que se utiliza da convergência de inovações tecnológicas — domina tecnologia proprietária — e adiciona atributos modernos de posicionamento, o que inclui questões como diversidade, inclusão e sustentabilidade. Comecei a escrever o livro no início da pandemia. Contratei uma equipe de três pesquisadores que eram responsáveis por confrontar as minhas premissas, meus números, minha forma de pensar.
Existem diferenças entre ser empreendedor e ser empresário?
O empreendedor é aquele que tem um comportamento oriundo da novidade, do crescimento, da mudança. São características dele a iniciativa, a persistência, a autoconfiança, a liderança, a coragem… O empresário tem características completamente diferentes: tem a ver com gestão, perpetuação e manutenção. Ser empresário é ruim? Não, nem um pouco. Só que o efeito que você tem sobre uma empresa quando ela é liderada por um empreendedor ou por um empresário é muito diferente.
+Assine a Vejinha a partir de 8,90.
Qual a maior ilusão de quem deseja empreender?
As pessoas foram educadas com princípios da velha economia, de copia e cola, de ficar decorando as coisas para poder fazer prova. Não é uma educação de criatividade, de teste, de lidar com o erro, de colaboração. Os princípios da nova economia mostram que, primeiro, a sua ideia, com certeza, está errada. Você precisa testar para ir descobrindo a ideia certa, não pode ter apego. É o feedback, que tem a ver com transparência. E, segundo, que a gente não precisa começar grande.
Empresas não nascidas na nova economia podem inovar e evitar ser deixadas para trás?
Totalmente. A base da nova economia no Brasil vem da concretude do processo de globalização e da massificação de tecnologias. Pense em uma pessoa que borda muito bem. Há vinte anos, ela abriria uma lojinha na esquina de casa e teria uma lojinha pelo resto da vida, porque não teria capital para crescer. Hoje, se a pessoa fizer um bom trabalho para chamar atenção no Instagram e no Mercado Livre, é possível que daqui a pouco esteja vendendo como se tivesse vinte lojas e seja estimulada a ter a própria plataforma.
Há maior demanda por profissionais desse novo tipo de empresa em São Paulo?
Se a gente diz que a nova economia é baseada na capacidade de, através da tecnologia, criar negócios, você não precisa estar necessariamente em São Paulo. E aí se começa a entender por que, de um dia para o outro, uma cidade como Curitiba tem unicórnios (empresas avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares) como MadeiraMadeira e Ebanx. Como é possível? A menor competição com a velha economia em outras cidades além de São Paulo gera maior apetite para as pessoas tentarem algo. Um garoto, uma garota que se forma aqui em São Paulo, acha um programa de trainee que paga, sei lá, 6 000 reais e fala “Pô, salário bom para começar”. No interior, não existe isso. Absolutamente, existe uma demanda maior em São Paulo. Mas, relativamente, a gente tem visto o interior mover pessoas cada vez mais rápido a essa nova economia.
“Quando um entregador fala que trabalhou dezenas de horas por dia no iFood, isso não é verdade, porque fazemos ajustes para impedir isso”
O que falta para a cidade ser polo internacional de inovação?
O problema aqui é a maior resistência da velha economia. O que a gente precisa é de empresas que façam essa migração para a nova economia, que gerem um ambiente que vai estimular a agilidade, a inovação, o empreendedorismo, a tecnologia proprietária, a transparência radical para formar empresas que, portanto, possam testar muito mais, achar outros caminhos e crescer.
+Assine a Vejinha a partir de 8,90.
Para o iFood, o que é mais desafiador na capital paulista: a venda direta dos próprios estabelecimentos ou a concorrência de outros aplicativos?
O maior desafio está ligado à cozinha. A maioria das vezes que o brasileiro médio come, cerca de 70%, a comida é feita em casa. Como convenço a pessoa a parar de cozinhar? Que nível de serviço e que oferta tenho de ter?
A tecnologia, tão importante nessa nova economia, é uma aliada também para evitar, por exemplo, jornadas exaustivas de entregadores?
Hoje, quando um entregador fala que trabalhou em média dezenas de horas por dia no iFood, isso não é verdade, porque, quando entendemos que há problemas nesse sentido, vamos diretamente no código do software, alteramos e ajustamos para impedir isso. Estou longe de querer ser perfeito, tenho certeza de que muita coisa passa. Mas, quando você detém tecnologia proprietária, à medida que recebe o feedback, o ajuste está na sua mão. Temos uma velocidade enorme de reação a situações.
Donos de restaurantes e bares que quiserem inovar teriam, então, de montar uma plataforma própria?
Um exemplo de restaurante que está na nova economia é aquele que faz uma série de testes e descobre que ter cinco marcas no iFood, por exemplo, o faz vender muito mais. As pessoas pedem só o prato principal, mas, depois, voltam à plataforma e pedem sobremesa em outra marca. O empreendedor monta um canal de várias marcas, e não só um restaurante. Os estabelecimentos podem até ter plataforma própria, mas isso é complementar. Não acho que serão bem-sucedidos, porque nunca estarão no estado da arte que eu estou e não conseguirão gerar o tráfego que eu gero, porque invisto pesadamente em marketing. Por exemplo, hoje (4 de maio), no intervalo do BBB, vai ter uma promoção do iFood. Nesse exato segundo, vão entrar milhões de pessoas no app e comprar de várias lojas diferentes. Isso o restaurante sozinho nunca vai fazer. Não vai conseguir estar no BBB.
Você pede iFood todo dia?
Não cozinho. Aqui em casa, 80% das refeições são iFood. Peço duas, três vezes por dia, mas isso também envolve supermercado, onde compro alguma comida para montar (não necessariamente encarar o fogão). Não me lembro da última vez que fui a um supermercado.
+Assine a Vejinha a partir de 8,90.
Publicado em VEJA São Paulo de 12 de maio de 2021, edição nº 2737