Num ano em que o período dentro de casa (longo e inédito para a maioria das pessoas) definiu o “novo normal”, surgiu também um “novo morar”. O espaço antes reservado para o descanso e a conexão com os familiares tornou-se também o centro da vida social, acadêmica e corporativa. Essa mudança súbita, que sugere a necessidade ou a vontade de fazer melhorias no ambiente, é tema da mostra Janelas CASACOR 2020. Após passar por outros seis estados do Brasil, cada qual com seu próprio time de arquitetos e decoradores, a estreia em São Paulo será no domingo (8). Ao contrário do tradicional evento no Jockey Club, em que o público pode visitar os luxuosos ambientes mediante a compra de ingressos, na edição deste ano os projetos estarão expostos gratuitamente em treze contêineres, com cerca de 15 metros quadrados cada um, espalhados por diferentes bairros da capital. Um dos lados da estrutura de metal é substituído por um vidro e gera uma espécie de vitrine, ou janela, como sugere o nome. A ideia é que tudo fique exposto para que quem passa pela rua possa contemplar de fora, sem entrar nos locais. Os mais curiosos poderão acessar alguns tours virtuais complementares no site. “O impacto da pandemia na CASACOR foi equivalente a um meteoro caindo na Terra. Nesses 34 anos de história, nunca deixamos de fazer uma edição”, explica Lívia Pedreira, 65, diretora superintendente da mostra de arquitetura, design de interiores e paisagismo. Segundo ela, o Janelas deve acompanhar o circuito de mostras tradicionais nos próximos anos.
Pela primeira vez desde 2006, o evento saiu da Cidade Jardim e chegou a quatro bairros periféricos da cidade. Os contêineres localizados em Brasilândia, Jardim Colombo, Vila Andrade e Cidade Tiradentes são os únicos que não serão desmontados em dezembro e poderão ser posteriormente usados pela comunidade. No Jardim Colombo, parte do complexo Paraisópolis, a ideia é criar uma galeria de arte da população local, projetada pela arquiteta Ester Carro, 25, ao lado dos colegas Veronica Vacaro, Luciana Pitombo e Felipe Nogueira. Para a inauguração, serão expostas pinturas e fotografias que exploram definições dos moradores para a palavra “casa”. “Somos uma comunidade com diversos problemas de infraestrutura, mas muito vibrante artisticamente”, explica a projetista, que participa do evento pela primeira vez. Futuramente, o espaço será ocupado por outras exposições temporárias. Ester questiona a possibilidade de esse “novo morar” ser uma realidade acessível para a comunidade. “É difícil pedir às pessoas que fiquem em casa e mantenham uma rotina de higiene quando a maioria delas sequer tem água encanada”, relata.
A higiene é o tema central do ambiente da arquiteta e urbanista Claudia Alionis, 42, chamado de Espaço Sagrado e dividido em um hall de entrada e uma área de convívio familiar. “No hall, há um armário para armazenar os sapatos e uma cuba para lavar as mãos. Além disso, proponho uma purificação da alma a partir de uma série de cristais, para que as preocupações externas fiquem fora de casa”, explica. A sustentabilidade, um dos pilares da CASACOR, também é uma das preocupações de Claudia, que incluiu no projeto uma horta urbana e uma composteira míni. Ela utiliza cores quentes e móveis feitos de pedra bruta e madeira de peroba-rosa para criar um ambiente aconchegante sem abrir mão da tecnologia, que considera essencial neste novo momento.
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Longe do clima nostálgico de “casa de vó” está o Streaming Room, do arquiteto Leonardo Mancenido, 53. Inspirada em naves espaciais de filmes de ficção científica, a sala é pensada para pessoas que precisam fazer chamadas de vídeo com frequência. Encostadas em paredes opostas ficam duas poltronas confortáveis, separadas por uma mesa central e acompanhadas por duas grandes telas de vídeo. A tecnologia também é centro da cozinha gourmet assinada pela arquiteta Érica Salguero, 40, que inclui uma TV de LCD para entreter os cozinheiros recém-revelados pela quarentena, que devem passar períodos mais longos no forno e fogão.
Além dos profissionais da área, a edição inclui uma artista plástica convidada, Denise Milan, 66. Em seu contêiner é possível observar uma mesa com onze cristais em cima de pratos, o chamado Banquete da Terra. “Os cristais representam suspiros do planeta. Neste momento de grande adversidade, busco compreender como a natureza lida com seus problemas”, explica. Outro trabalho que vale conhecer é o do arquiteto Sig Bergamin, 62, um dos nomes mais tradicionais da CASACOR e conhecido por seus projetos maximalistas. Ele criou um banheiro com divisórias feitas de mosaicos coloridos. O efeito para o observador externo é parecido com o de um caleidoscópio, já que os vidros são compostos de cores primárias e acompanhados por luzes de LED. “É um espaço impossível de ser ignorado por quem está passando. Chama tanta atenção que estou com medo de que o padre da Igreja Nossa Senhora do Brasil, que fica em frente, se incomode”, brinca Bergamin. Para balancear a composição, os equipamentos sanitários (vaso, chuveiro e pia) aparecem em preto. Manequins espalhados pelo local simulam os moradores. “Queria dar uma levantada nesses dias cinzas e monótonos”, conclui.
Janelas CASACOR 2020
Ester Carro > Rua Clementine Brenne, 857, Jardim Colombo. Claudia Alionis > Lar Center Shopping. Leonardo Mancenido > Largo da Batata, Pinheiros. Érica Salguero > Shopping Anália Franco. Denise Milan > Rua Estados Unidos, 1638, Jardim América. Sig Bergamin > Praça Adolpho Bloch, Jardim Paulista. Grátis. Até 8 de dezembro. janelascasacor.com.
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Publicado em VEJA São Paulo de 11 de novembro de 2020, edição nº 2712.
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