Todo fim de ano, milhares de correspondências endereçadas a Papai Noel chegam às unidades dos Correios. São cartinhas repletas de desenhos, palavras carinhosas e muitos erros de português — a grafia original foi mantida nos trechos transcritos nesta reportagem — em que os pequenos contam um pouco sobre quem são e como vivem, em histórias de fazer rir ou partir o coração. Eles pedem carrinhos, bonecas, patins, bicicletas, computadores, material escolar e cestas básicas, presentes que, já sabem, seus pais não terão condição de lhes dar. Ainda assim, as crianças não perdem a esperança de obtê-los. Para isso, dependem da boa vontade de voluntários dispostos a “adotar” seus pedidos e conseguir o que desejam. Neste ano, o programa Papai Noel dos Correios, encerrado na sexta-feira passada (17), recebeu mais de 200000 mensagens. Após uma triagem inicial, em que foram descartadas as que não tinham remetente, as mandadas por adultos ou as repetidas, sobreviveram 110000. Em mesas decoradas com motivos natalinos, dispostas nas centrais dos Correios, os interessados em participar da iniciativa escolheram a quais cartas iriam atender. Qualquer um podia chegar, ler, comover-se e ajudar. A postagem dos presentes é gratuita. Metade dos remetentes ganha o que deseja — 54000 felizardos na edição deste ano. Desses, dez foram surpreendidos por VEJA SÃO PAULO, que convidou personalidades paulistanas para realizar o sonho dos meninos e meninas.
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Com o astro, fora de órbita
“Papai Noel no Natal eu vou querer uma chuteira de cravo porque quando uma pessoa se machuca eu ajudo ela. Numero da chuteira 36 e 37″Davi, 10 anos
Torcedor do Santos, Davi Vicente da Cruz, 10 anos, ficou paralisado ao entrar no Centro de Treinamento Rei Pelé. Avistou, dentro de campo, o craque e seu ídolo absoluto, o atacante Neymar. Tinham se passado duas horas desde que havíamos saído de sua casa, em Marsilac, no extremo sul da capital, até chegarmos ao gramado santista. A espera e a surpresa fizeram com que Davi entrasse em choque. Encerrado o treino, a emoção foi ainda maior. Neymar veio ao encontro do garoto e lhe deu as chuteiras que ele havia pedido de Natal. Com um autógrafo em cada pé, o que era para ser instrumento de brincadeira se tornou preciosidade e deu a impressão de virar para ele uma baita responsabilidade. Davi não conseguiu sorrir nem gritar ou proferir palavra. “Vai, menino, faz alguma coisa!”, disse a impaciente irmã Denise, 21, ao perceber que o garoto orbitava outro planeta. Passaram-se dois dias até ele compreender o que acontecera. Virou celebridade na escola e nas redondezas. O pai, o torneiro mecânico Dimas, e a mãe, a dona de casa Maria Lúcia, tinham os olhos marejados.
As belas e o fera”Eu gostaria de ganhar para minha mãe uma chapinha e um secador porque eu já cansei de ver minha mãe chorando e uma cesta de Natal para mim e meus irmãos.”Eberlin, 15 anos
Moradoras de Parelheiros, onde é comum a presença de tucanos, micos e gatos-do-mato, Eberlin Soares Graça, 15 anos, e a mãe dela, Edileuza, foram receber sua surpresa no salão de Marco Antonio de Biaggi, o MG Hair, nos Jardins. “Nem dormi esta noite”, disse o cabeleireiro pouco antes de entregar o presente. A garota havia escrito ao Papai Noel pedindo uma chapinha e um secador para que a mãe pudesse cuidar do cabelo dela e das três irmãs. “Quando elas eram pequenas, eu fazia tranças, mas, agora que cresceram, só querem saber de alisar”, conta a dona de casa. “Sempre quis ser como a Oprah Winfrey (apresentadora americana que cria situações emocionantes em seus programas). Hoje estou tendo a oportunidade de sê-la um pouquinho”, brincou Biaggi. Além dos equipamentos, mãe e filha ganharam cremes, maquiagens e dicas de beleza do cabeleireiro, que se derreteu em elogios. “Você é igual à modelo Naomi Campbell!”, disse, para uma extasiada Eberlin.
Uma magrela para emagrecer”Meu nome e Lucas tenho 5 anos estou escrevendo esta cartinha com muita alegria gostaria que o senhor veja e leia com carinho o meu pedido e uma bicicleta sou gordinho e preciso emagrecer”Lucas, 5 anos
Na primeira vez que Lucas Medeiros dos Santos, 5 anos, escreveu para o Papai Noel dos Correios, no ano passado, foi o único da turma de amiguinhos que não ganhou nada. Tinha pedido uma bicicleta para poder entrar na brincadeira de subir e descer as ladeiras do Jaraguá, onde mora com a mãe e o pai. Sem ela, passou o ano assistindo aos colegas fazerem suas manobras. De quebra, engordou, já que seu passatempo preferido tornou-se comer besteiras em frente à TV. Neste ano, ele escreveu novamente para o Bom Velhinho, insistindo no presente e justificando seu desejo: “Sou gordinho e preciso emagrecer”. Lucas foi receber o tão sonhado brinquedo na casa da musa do programa “Pânico na TV”, da Rede TV!, Sabrina Sato. Ao entregá-lo, a apresentadora contou que, quando criança, época em que pedalava em Penápolis, cidade paulista onde nasceu, também era gordinha. “Não liga não, Lucas, logo você cresce e emagrece”, disse. “E, depois, você já é liiiindo assim. Não é, gente?”Herói por um dia”…moro com minha mãe e meu irmão tenho grandes sonhos sonho em ser bombeiro e trabalhar no resgate dos bombeiros. Minha mãe fala que se eu estudar muito posso conseguir…”
Luan, 7 anos
Quando o carro da reportagem entrou na unidade do Corpo de Bombeiros na Praça Clóvis Bevilácqua, no centro da cidade, os olhos de Luan da Silva Cavalcante, 7 anos, pareciam brilhar mais do que dois faróis. A bordo do veículo, ele e a mãe, Simone, empregada doméstica, espiavam maravilhados o pátio repleto de caminhões vermelhos e homens fardados prontos para qualquer emergência. Sem desconfiar para onde era levado, Luan passou o caminho falando sobre o sonho de se tornar bombeiro. “Quero salvar vidas”, afirmou. Sempre que passa um caminhão da brigada na rua onde mora, em Pirituba, ele sai correndo para assistir emocionado à missão de resgate. Em sua visita à unidade central, porém, tudo foi uma grande brincadeira. Simulando terem recebido um chamado, os bombeiros fizeram o garoto sair em disparada vestido com capote corta-fogo e capacete, subir no caminhão e dar uma volta na Praça da Sé. Ao desembarcar, ele correu junto com os “colegas” para desenrolar a mangueira, abrir a água e molhar meio pátio. Seu pedido para o Papai Noel, uma pista de carrinhos Hot Wheels, foi prontamente atendido pela equipe, que ainda lhe deu miniaturas da frota especialmente confeccionadas para a ocasião.
Bate, bate, coração”Olá papai noel, meu nome é Leslley tenho 10 ano te escrevo para te pidir que realize o meu sonho que é realizar o sonho de minha mãe que é ganhar uma batidera…”Leslley, 10 anos
Sem dinheiro para comprar sorvete para os filhos, a cozinheira desempregada Erisneide Cardoso inventou uma receita para fazê-lo em casa, com a batedeira. Há alguns anos, porém, a batedeira quebrou. A partir daí, sorvete só aparecia na casa muito de vez em quando. Foi então que sua filha Leslley, 10 anos, resolveu tomar uma iniciativa. Escreveu cerca de 300 cartas para Papai Noel pedindo itens diversos como roupas, cestas básicas e o maior sonho de sua mãe — uma nova batedeira. Pelo correio, chegaram três cestas e algumas roupas para a garota e seu irmão Wesley. Faltava ainda o principal. “Quando penso que alguém que nem me conhece comprou algo e mandou para nós, me dá um sentimento de gratidão que não tenho palavras para explicar”, disse Erisneide. Sem palavras ela ficou também ao dar de cara com a apresentadora Ana Maria Braga, que a aguardava para entregar o almejado pedido. No mesmo instante, mãe e filha começaram a tremer e a chorar. “Estou batendo mais que batedeira”, brincou Erisneide. Ana Maria então pediu à garota que entregasse o pacote e, assim, realizasse o sonho materno. “Feliz Natal, mãe, amo você”, disse Leslley, antes de um abraço apertado embalado em lágrimas.Sonho são-paulino”Olá meu nome é Vinícius tenho 10 anos e o meu sonho é ganhar um mp4, um tenis, e um agasalho do São Paulo mais a minha não tem condicoes de comprar o número do meu sapato é 32 e do agasalho 10″Vinícius, 10 anos
Para ficar acordado assistindo aos jogos do São Paulo, Vinícius Alves de Araújo, 10 anos, recorre a tudo o que pode. Toma café forte, lava o rosto e fica de pé em frente à TV. Se o time perde, ele cai no choro e passa dias inconsolável. Nem a mãe, a empregada doméstica Manuela, nem o padrasto, o motorista Geraldo, conseguem dar jeito. Quando não tem jogo, Vinícius gosta de assistir a um DVD sobre a história do clube. “Acho o Raí o maior de todos os tempos”, disse, sem saber que dentro de instantes encontraria o antigo craque são-paulino, campeão mundial pela Seleção Brasileira em 1994 e criador da Fundação Gol de Letra, que atende jovens carentes. No ano passado, Vinícius havia ganho da tia um agasalho do São Paulo. O presente, porém, durou pouco. Seu irmão Juan, 6, perdeu-o em um ônibus rumo a Parelheiros, onde vivem. Ao deparar com Raí entregando o tão almejado presente, o garoto sacudia a cabeça, incrédulo. Viu álbuns, troféus e fotos antigas do ex-jogador. Encerrada a visita, perguntamos o que ele havia achado do Raí. Vinícius respondeu: “É bem parecido”, ainda duvidando que acabara de conhecer o ídolo em carne e osso.Primeira bicicleta”Eu queria tanto uma bicicleta muito bonita sem rodinhas e se você quiser que você pode mandar por correio muito obrigada”Alan, 10 anos
“Nunca duvide dos seus sonhos.” Foi com essas palavras que a apresentadora Eliana entregou o presente de Alan do Nascimento. Quando escreveu sua carta ao Papai Noel, esse menino de 10 anos pediu uma bicicleta bem bonita e sem rodinhas. “É que já sou bem grande”, diz do alto de seu 1,37 metro de altura. Morador de uma viela em Guarulhos, ele vive numa casa sem reboco com os pais e duas irmãs. Bem-educado, tem o hábito de colocar as mãos na boca quando boceja e sempre abre a porta para os outros. Queria ter nascido no Japão só para saber falar japonês. Quando crescer, deseja ser professor de ciências. Entre seus passatempos preferidos estão jogar futebol e ler os gibis da Turma da Mônica. “Mas gosto mesmo é de bicicleta. Pena que nunca tive uma.” Ao chegar aos estúdios do SBT, ficou desconfiado de que participaria do programa da Eliana. A expectativa deu lugar à frustração quando entrou no camarim da apresentadora. Num jogo de cena, ela fingiu que toda aquela operação era para lhe dar um panetone. Visivelmente transtornado e com os olhos vermelhos, Alan agradeceu o presente meio que a contragosto. Fosse um filme de Natal, este seria o anticlímax. O final feliz só ocorreu quando Eliana tirou de dentro do armário uma bicicleta preta com um grande laço vermelho. Aí, sim, Alan chorou de verdade. “As pessoas me dizem que o Papai Noel não existe. Mas eu sei que ele existe, sim.”Grande prêmio de Natal
“…e fui um bom garoto esse ano eu gostaria de ganhar um carrinho de controle renôto…”Daniel, 8 anos
Daniel Gomes Braz, 8 anos, só havia andado de carro uma vez, nunca tinha ido a um shopping nem provado um lanche do McDonald’s. Completou todo esse circuito no mesmo dia, pouco antes de ganhar um carrinho de controle remoto do piloto de Fórmula 1 Rubens Barrichello. Moradores do Cambuci, ele e sua família viveram um ano difícil. Sua irmã Tiffany, de 11 meses, tem problemas respiratórios e passou metade de sua existência internada. Nessas temporadas, a mãe, a lavadeira Gilza, punha uma cadeira ao lado do leito da pequena e dormia ali mesmo, deixando os outros três filhos sob os cuidados do marido. Na hora de encontrar o corredor da Williams, bastou a porta do elevador se abrir para Daniel avistá-lo e cair no choro. “É muita emoção”, disse a mãe, abraçando-o entre soluços. Daniel demorou a se acalmar e espiar os macacões e capacetes expostos na sala. Depois, saiu em disparada acelerando o carrinho recém-desembrulhado. Gratidão tamanho-família”Eu tenho o sonho de ganhar um celular eu ja pedi para os meus pais e eles não pode mida eu gostaria te um celular para comonicar com meus amigos e quando eu tiver na escola fala com meu pais em casa”Jean, 9 anos
Preocupado com tudo e com todos. Assim familiares descrevem Jean Fonseca Carvalho, 9 anos. Basta um atraso do pai, João, que faz dois turnos diários como porteiro, para o garoto choramingar achando que algo de ruim aconteceu. Fica aflito quando os irmãos passam mal ou se a mãe, Maria José, tem algum problema a ser resolvido. Tornou-se ainda mais tenso quando um dia, saindo da aula em Cidade Ademar, bairro conhecido pelos altos índices de criminalidade, percebeu que um carro o perseguia. Ouviu gritos dos dois ocupantes do veículo, que acelerava em sua direção. Jean correu por vias na contramão e conseguiu se esconder numa escola. “Queria falar com a minha mãe, pedir ajuda, mas não tinha como”, conta ele. Foi quando decidiu que queria ter um celular. Quem transformou seu pedido em realidade foi o apresentador Luciano Huck. Além de escolher o aparelho e oferecer diversos cartões com créditos para ligações, ele ainda brindou Letícia, 7, João Pedro, 5, e Lucas, 3, irmãos de Jean, com bonecas e carrinhos. Só não deu para fazer o agrado pessoalmente, já que a agenda de fim de ano de Huck o levou para Manaus no dia da entrega dos presentes. O contratempo, porém, não tirou o brilho do sorriso de Jean, que fez questão de escrever um agradecimento para o apresentador. Passou a carta a limpo três vezes, sob o olhar cuidadoso do pai. “Que a família dele tenha sempre a alegria que ele deu à nossa hoje”, disse João, com voz embargada.Papai Noel no tatame”Oi querido papai noel meu nome é Jefferson tenho onze anos sou um pouco gabunceiro na escola fui mau em alguns bimestres mas melhorei eu faço esporte na escola faço judô eu queria um kimôno do tamanho…”
Jefferson, 11 anos
O esporte preferido de Jefferson Jesus de Lima, 11 anos, é um tanto incomum para os garotos de sua vizinhança em Embu, na Grande São Paulo. Há dois anos ele pratica judô, modalidade que se tornou sua paixão. Seu pai, Nilton, que é carteiro, incentivou-o a escrever ao Papai Noel pedindo o que mais queria: um quimono. Jefferson ganhou o presente do judoca Tiago Camilo, medalha de prata na Olimpíada de Sydney, em 2000, de bronze em Pequim, em 2008, e oito vezes campeão brasileiro. O encontro ocorreu um dia depois de Camilo ter desembarcado do Japão, onde conquistou a prata no Grand Slam de Tóquio. Após ensaiarem alguns cumprimentos e movimentos, Jefferson perguntou ao ídolo o que é preciso para se tornar lutador profissional. “Ser dedicado em tudo o que você fizer”, foi a resposta. “Treinar muito, estudar muito e ser bacana com as pessoas.” Jefferson confessa que às vezes provoca o irmão, Rafael, 2, e finge aplicar-lhe golpes. O pequeno já informou a mãe, a faxineira Vera, que quer aprender judô também — as aulas começam no ano que vem.