Morreu nesta quarta (14) o cardeal dom Paulo Evaristo Arns, aos 95. Ele estava internado desde o dia 28 de novembro na UTI do Hospital Santa Catarina devido a uma broncopneumonia, mas teve piora em seu estado de saúde no sábado (10). Dois dias depois, a Arquidiocese de São Paulo pediu orações para o cardeal em uma postagem nas redes sociais. Na terça-feira (13), dom Paulo passou a apresentar problemas nas funções renais.
A nota de pesar emitida pelo hospital declara que o religioso faleceu “em decorrência de falência múltipla dos órgãos”. Dom Paulo estava sob os cuidados do médico Humberto Benedetti.
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Na página de Dom Odilo Pedro Scherer, no Facebook, foi publicada uma homenagem para o religioso: “Comunico, com imenso pesar, que no dia 14 de dezembro de 2016 às 11h45, o Cardeal Paulo Evaristo Arns, Arcebispo Emérito de São Paulo, entregou sua vida a Deus depois de tê-la dedicado generosamente aos irmãos neste mundo”.
Trajetória
Dom Paulo nasceu em 14 de setembro de 1921 no município de Forquilhinha, perto de Criciúma, em Santa Catarina. Filho de imigrantes alemães, tornou-se sacerdote em 1945, no Rio de Janeiro. Depois, foi estudar em Paris, onde formou-se em estudos brasileiros, latinos, gregos e literatura antiga. Religioso da Ordem dos Frades Menores de São Francisco de Assis, foi ordenado padre em dezembro de 1945 e nomeado bispo auxiliar de São Paulo em maio de 1966. Elevado a arcebispo em 1970, sucedendo o cardeal dom Agnelo Rossi, virou cardeal em 1973, nomeado pelo papa Paulo VI.
Era o segundo cardeal mais idoso entre os 101 cardeais não-eleitores do Colégio Cardinalício, ou seja, que não elegem o papa (são considerados não-eleitores os que têm mais de 80 anos), ficando atrás de Nashallah Pierre Sfeir, de 96 anos, patriarca emérito maronita de Antioquia, em Beirute, no Líbano.
Nesse período, destacou-se por sua luta política contra as torturas praticadas durante a ditadura militar e a favor do voto nas Diretas Já. Em 1985, criou a Pastoral da Infância com o apoio de sua irmã, Zilda Arns.
Esteve à frente da Arquidiocese de São Paulo até 1998, quando renunciou, ao completar 75 anos de idade. Nos últimos anos, vivia em uma chácara no Taboão da Serra, município da Grande São Paulo, onde era cuidado por freiras, especialmente pela Irmã Terezinha e a Irmã Devani.
Uma de suas raras aparições ocorreu em outubro deste ano, quando ele foi homenageado no Teatro Tuca, da Pontíficia Universidade Católica de São Paulo, em Perdizes, com a presença de representantes de movimentos sociais. Durante o evento, foi lançada a biografia dele, “Dom Paulo, um homem amado e perseguido”, de Evanize Sydow e Marilda Ferri.
O personagem da capa
Em 29 de julho de 1987, dom Paulo foi tema da matéria de capa de VEJA SÃO PAULO. Conheça a seguir algumas curiosidades sobre a vida dele publicadas na reportagem:
– Era um homem que pouca gente, conhece, de fato. Cheio de hábitos e manias, adorava ficar em casa lendo revistas alemãs e ouvindo Mozart na vitrola. Falava sete línguas e, aos 31 anos, viajou pela Europa de carona.
– Seu doce preferido era pudim.tinha alergia a certos materiais plásticos e a times que vencem o Corinthians.
– “Adoro a cidade de São Paulo”, dizia, com sotaque herdado dos pais alemães (foi com eles que aprendeu o idioma daquele país).
– Nos anos 80, quando a reportagem foi publicada, dom Paulo gostava de passar suas tardes ensolaradas caminhando pelo centro, de preferência em direção ao Mosteiro de São Bento. “É o lugar mais calmo e mais bonito que conheço”, afirmava. Se os compromissos deixassem, o cardeal não teria perdido uma só peça de teatro clássico encenada na capital.
– No 1º andar do sobrado onde vivia, uma escada de mármore desembocava em frente ao escritório. Era por lá, cercado de livros, que o cardeal se entregava ao prazer de pitar seu cachimbo. Dom Paulo tinha uma coleção deles, com dezesseis modelos diferentes que incluíam um semelhante ao narguilé, o cachimbo usado pelos orientais para fumar haxixe.
– Quando estava em casa, ligava a TV para ver qualquer partida de futebol, mas desligava assim que o jogo descambava para botinada. “Não gosto de jogo violento”, dizia.
– O quarto de dom Paulo tinha um único objeto que destoava – e bastante – da simplicidade com que a casa era mobiliada: uma enorme cama de jacarandá, entalhada em seus mínimos detalhes. Alta e espaçosa, ela pertenceu a Domitila de Castro Canto e Melo, a famosa Marquesa de Santos, do Império – que, antes de se dedicar à fé católica na velhice, se dedicou à tarefa de aquecer as noites de dom Pedro I. “Quando a marquesa morreu, doou toda sua fortuna à Igreja”, explicou o cardeal. A cama veio junto e foi instalada no antigo e luxuoso Palácio Episcopal, arrematado por dom Paulo.
– Todas as manhãs, ele colocava um velho boné de lã até as orelhas e saía para rezar o terço na varanda do quarto. Num quartel em frente, os soldados costumavam reverenciar essas aparições com um discreto sinal da cruz. Antes da oração, entretanto, dom Paulo realizava, no mínimo, dois outros rituais diários. Fazia ginástica no chão de madeira do quarto, entre abdominais, alongamentos e flexões, e se banhava na ducha com sabonete Phebo, o seu predileto.
– Ele tomava o café da manhã sempre com um ovo frito e fazia um rápido cooper em volta da horta. Quem lhe fazia companhia era seu cachorro, o pastor alemão Arlon.
– Como arcebispo de São Paulo, dom Paulo liderou dez bispos, 396 paróquias, 1 030 sacerdotes, 3 200 freiras pertencentes a 2148 ordens e congregações e mais de uma centena de comunidades eclesiais de base e movimentos leigos diversos.
– Declarou, na época, sobre a Aids: “É um acidente na história da humanidade que pode se agravar. Mas não se trata, em hipótese alguma, de um castigo. Embora muitos profetas falem nesses termos, Deus é pai – não castiga os seus filhos, e sim os educa. É como se o ser humano precisasse de um pequeno choque, como a criança precisa de um sustozinho, para se colocar no caminho certo.”