A sensação de tortura na região do abdômen estava dilacerante na tarde do último dia 26. Pálida, fraca e sentada em sua cama, Nara Almeida, de 24 anos, cogitou aumentar a dose de morfina. Ela já tinha nas costas um dispositivo de 50 miligramas dessa droga, mas a quantidade parecia insuficiente para amenizar o sofrimento. A garota então levantou a blusa, curvou-se até encostar o rosto no colchão e recebeu um novo adesivo do remédio na altura do ombro, perto da tatuagem de uma rosa.
Para garantir um resultado mais rápido, a sogra da modelo e influenciadora digital, Roseli Rocha, providenciou uma terceira dose, diluindo um comprimido de 30 miligramas em um copo d’água — e injetou o líquido na sonda presa 24 horas por dia à narina esquerda da menina. “O câncer tem diversos aspectos ruins”, contou Nara, vinte minutos depois, já com uma expressão mais aliviada no rosto. “A dor é o pior deles.”
Os detalhes de sua batalha contra um tumor raro são compartilhados na internet desde agosto, algumas horas após ter recebido o diagnóstico da doença no Hospital das Clínicas. “Nunca vou esquecer a sensação e a energia que senti na hora. A única coisa que conseguia fazer era chorar”, escreveu na ocasião.
Hoje, mais de 2 milhões de pessoas acompanham o caso. Nara divide com elas os detalhes do tratamento e, em troca, ganha mensagens de apoio e carinhos de todos os tipos. Em 25 de novembro, por exemplo, após pegar no sono com a ajuda do antidepressivo Escitalopram, acordou entusiasmada com uma surpresa. Uma seguidora havia lhe oferecido um voo de helicóptero por São Paulo.
No dia 3, embarcou no passeio na companhia do namorado, o engenheiro Pedro Rocha, 25. Para quem nos últimos dois meses só tinha saído de casa para ir ao hospital, foi uma fuga deliciosa. “Quase não fotografei nada, queria mais era admirar o que via”, conta.
O apartamento de 60 metros quadrados onde vive, em Pinheiros, é o endereço destinatário de encomendas enviadas diariamente por quem a acompanha pelo Instagram e YouTube. Orquídeas, girassóis, rosas, chás, livros, perucas de fios naturais e cartas são os mimos mais comuns. No quarto, pregou em cima da cama um quadro mandado por uma admiradora com a frase “Don’t forget to smile” (Não se esqueça de sorrir). Por estar muito tempo em casa sem ter o que fazer, outra fã providenciou uma companhia especial: um buldogue francês. “Pus na cadela o nome de Lili, meu apelido de infância.”
Nara somava 400 000 seguidores no Instagram publicando posts patrocinados, looks do dia, fotos de viagens e de idas à academia de ginástica. Faturava 20 000 reais por mês com trabalhos como campanhas para confecções. Sua carreira decolava quando ela recebeu dos médicos a notícia de que um tumor maligno no estômago era a causa de dores constantes.
“Eu estava cheia de planos e fiquei arrasada pensando se conseguiria realizá-los”, lembra. Ao decidir usar a internet para compartilhar seu drama, a garota virou o novo fenômeno das redes sociais. Ela é direta e não filtra os assuntos. Posta foto em cima do leito hospitalar (“Hoje ajoelhei e pedi para Deus para essa nova quimioterapia funcionar, estou muito confiante de que vai dar tudo certo”), na sala de consulta depois de receber o diagnóstico de uma metástase no peritônio (“Se tenho medo de morrer? Tenho, e muito. Estou escutando todos os dias sobre essa possibilidade, mas mais uma vez eu repito: é só uma fase”) e na companhia de Pedro Rocha (“a pessoa que está ao meu lado 24 horas por dia, dando meus remédios na hora certa… Obrigada”).
Em outubro, antes de ser internada para as três primeiras sessões de quimioterapia, foi ao Guarujá. Queria ver o mar e pôr os pés na areia. Na ocasião, publicou uma foto de biquíni com a praia cheia de coqueiros no fundo. O post bombou: em poucas horas, recebeu mais de 149 000 curtidas. Algumas seguidoras elogiaram sua cintura fina e magreza. Outras pediram dicas de regimes e treinos para ter aquele “corpo perfeito”.
Ninguém dessa turma mais preocupada com as formas notou um detalhe fundamental da imagem: a sonda no rosto. “Elas pensando em dietas radicais e eu sonhando com um prato de comida”, espantou-se Nara. As dificuldades para comer foram ficando maiores. Há quatro semanas, em decorrência de uma obstrução entre o estômago e o intestino, ela deixou de consumir alimentos sólidos. Só pode ingerir itens como iogurte, açaí e sopa. Pela sonda, recebe suplementos hipercalóricos. Passou, no período, de 55 para 40 quilos.
Nara nasceu em João Lisboa, cidade de 20 000 habitantes localizada a 637 quilômetros de São Luís, no Maranhão. Sua mãe, Eva Maria, trabalhava como empregada doméstica e morava de favor na casa de uma prima cujo chão era de terra batida. Quando a criança tinha apenas 1 ano e 2 meses, foi dada aos avós maternos para que eles cuidassem dela. Era a repetição de uma história da família. “Eu mesma acabei entregue a uma tia quando tinha 6 anos”, conta Eva Maria.
Mãe e filha ficaram afastadas por mais de duas décadas. O reencontro ocorreu em setembro. A atriz e cantora Larissa Manoela pagou passagem e hospedagem para Eva visitá-la em São Paulo. “Eu sigo a Nara no Instagram bem antes da descoberta do câncer”, diz Larissa. “A doença apareceu justamente no momento em que ela estava mais feliz em sua carreira.”
Outra celebridade que se emociona com o caso é Marco Antonio de Biaggi. “Rezo para a melhora da garota, pois sou a prova de que a fé pode curar”, diz. Em 2015, o cabeleireiro superou um tumor no sistema linfático. “As orações me salvaram”, acredita.
Nara chegou a trabalhar como doméstica na adolescência, época em que decidiu se mudar sozinha para Goiânia a fim de completar por lá o ensino médio. Para aumentar a renda, há três anos começou a vender roupas pela internet. “Eu despachava saias, vestidos e blusas para todo o Brasil”, afirma.
O fato de ser bonita e carismática fez com que seus posts ganhassem muitas curtidas. Ela passou a receber cachê para divulgar roupas e lojas. A demanda crescente a levou a deixar de lado a loja virtual para se dedicar à carreira de modelo e de influenciadora digital. A jovem então veio morar em São Paulo no segundo semestre de 2016. Presentes não paravam de surgir em sua casa. Nara virou habituée de baladas e festas do circuito da moda.
Em março, sentiu uma forte dor no estômago. Colocava para fora tudo o que comia. Sem plano de saúde, pagou do próprio bolso uma consulta. O médico notou uma úlcera, receitou-lhe uma bateria de antibióticos e pediu uma endoscopia e uma biópsia para se aprofundar na investigação do caso. Quando checou o resultado desse último exame, Nara tomou um susto ao ver que tinha algo bem mais grave.
Ela conseguiu uma vaga no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), na Avenida Doutor Arnaldo, hospital público que é referência nesse tipo de tratamento no país. Chegou a fazer três sessões de quimioterapia, cada uma com quatro horas de duração. O objetivo era reduzir o tamanho do tumor e, então, realizar uma cirurgia no estômago. Mas a paciente teve hemorragia durante o processo, e o tratamento não apresentou os resultados desejados. Exames realizados mais recentemente revelaram metástase no peritônio e invasão no pâncreas.
Situações como a dela são bem raras na literatura médica. “O câncer de estômago mais comum se chama adenocarcinoma, responsável por 90% dos casos”, diz Ulysses Ribeiro Jr., chefe do serviço de cirurgia torácica do Icesp. “O pico de incidência se dá após os 60 anos devido a fatores como tabagismo, grande ingestão de alimentos salgados e inflamações bacterianas.”
A história de Nara nada tem a ver com isso. Seu tumor, provocado por uma mutação genética, é raríssimo em mulheres com menos de 25 anos (possibilidade de incidência de 1,5% nessa faixa etária). Se a doença é descoberta logo no início, as chances de cura são de 95%. No caso de metástase no peritônio, o índice cai para 10%.
Depois da primeira e malsucedida bateria de quimioterapia, os médicos iniciaram há duas semanas uma nova tentativa de frear o avanço da doença com outro coquetel de drogas. Os cabelos de Nara começaram a cair e ela planeja raspar os fios nos próximos dias. “Sonhei que iria me curar quando cortasse o cabelo.”
Os hospitais sugerem acompanhamento psicológico para todos os diagnosticados com câncer. “A doença tem repercussões diferentes de acordo com o momento de vida do paciente”, explica Ana Merzel, coordenadora do serviço de psicologia do Hospital Albert Einstein.
Para a profissional, compartilhar a enfermidade nas redes sociais não é algo incomum aos mais jovens. “Eles fazem da plataforma uma extensão do dia a dia, estão habituados a postar quase tudo.” A paciente considera uma missão expor o seu caso às outras pessoas. Ela recebe muitas mensagens de meninas que se diziam tristes pelo término de um namoro ou desconforto com o próprio corpo, mas pararam de reclamar ao acompanhá-la.
A jovem vive hoje com a sogra, Roseli, o namorado, Pedro, e a mãe, Eva Maria. “Deus coloca anjos da guarda em nosso caminho”, diz. Nara e Pedro estão juntos há quase seis meses, após se conhecerem em uma balada. A mãe do namorado, Roseli Rocha, deixou sua residência em Valinhos, no interior, para ajudar no dia a dia. “Eu era voluntária de um hospital oncológico em Campinas”, conta a sogra.
Um dos passatempos de Nara é ver seriados pela internet. Gostou muito de O Bom Lugar (The Good Place), comédia que trata da vida após a morte. Embora seja católica e ande com um terço no pescoço, a garota também se interessa pelo espiritismo. “Acho que, ao reencarnar, temos a chance de fazer escolhas diferentes.” Ao contrário do que essas palavras possam sugerir, a modelo segue firme em sua disposição de batalhar contra o problema. “É lógico que tenho medo de morrer, mas minha vontade de viver é maior. Não desisti da minha vida.”
Ela quer tatuar a palavra “hope” (esperança) na nuca quando ficar boa e, no Natal, o primeiro que passará ao lado de Eva Maria depois de mais de vinte anos, quer comer feijão, arroz e ovo frito. Outro presente desejado é conhecer pessoalmente os irmãos Beatriz, 18, e Douglas, 11, filhos mais novos de sua mãe, que até agora só viu por fotos nas redes sociais.
COMOÇÃO NA INTERNET
O perfil da garota e os detalhes de sua luta contra a doença
Nome: Elyanara Almeida Feitosa Bonfim (conhecida como Nara Almeida).
Data de nascimento: 8/8/93 (24 anos).
Origem: João Lisboa, cidade a 637 quilômetros de São Luís (MA).
Ocupação: modelo e influenciadora digital.
Popularidade: ganha mais de 40 000 seguidores por dia no Instagram.
Diagnóstico: câncer maligno no estômago com metástase no peritônio e no pâncreas. Seu tumor é raríssimo em mulheres com menos de 25 anos (risco de incidência de 1,5% nessa faixa etária).
Alimentação: recebe nutrientes por sonda. Pode tomar apenas líquidos, como sorvete, iogurte e açaí. Foi de 55 para 40 quilos em menos de dois meses.
Remédios: toma mais de quinze por dia, como morfina e o antidepressivo Escitalopram. Já fez quatro sessões de quimioterapia e tem outras duas agendadas para as próximas semanas.
APOIO DE FAMOSOS
As celebridades que se solidarizaram com o caso da garota
Adriane Galisteu
Manda mensagens de WhatsApp a Nara todas as semanas e combinou de entrevistá-la para o seu canal no YouTube quando a garota receber alta do tratamento.
Antonia Fontenelle
A apresentadora criticou as seguidoras que elogiaram o corpo magro da garota em uma foto de biquíni.
Marco Antonio de Biaggi
Nara frequenta seu salão, o MG Hair. Ele pede oração para a garota pelas redes sociais. “Eu venci um linfoma, ela também pode ter um final feliz”, diz Biaggi.
Tatá Werneck
Por mensagem direta, pediu o celular de Nara. As duas conversam pelo WhatsApp toda semana. A humorista sempre pergunta como Nara se sente e diz estar rezando por ela.
“PEDI PERDÃO POR TER ABANDONADO A NARA”
Eva Maria Almeida Feitosa, de 43 anos, vive em Boa Vista, Roraima, onde trabalha como cabeleireira. Veio a São Paulo para reencontrar a filha, depois de mais de duas décadas afastada dela, quando a garota já havia sido diagnosticada com câncer. Na entrevista, ela se diz arrependida e explica as razões do distanciamento.
Por que decidiu deixar sua filha aos cuidados dos avós maternos?
Fiz o mesmo com a Naiara, a irmã mais velha da Nara. Eu não tinha condições de mantê-las. A Nara nasceu quando eu morava com uma prima no interior do Maranhão. O pai dela (Abrão Nilson Gonçalves Bonfim) me deixou. Dormíamos em uma casa de chão de terra. Eu era doméstica. Quando voltava para casa, encontrava a bebê suja de barro. Foi então que eu caí de cama.
O que aconteceu?
Eu estava amarelada, nada parava em meu estômago. Tive um problema no fígado e fui internada. Chamei meus pais e lhes entreguei a Nara. Na verdade, era uma repetição da minha própria vida. Meus pais me deram a uns parentes de Roraima quando eu tinha 6 anos.
Como foi a sua infância?
Não tive. Aos 7, eu trabalhava como doméstica em casa de família. Uma patroa, enquanto eu esfregava a privada, me empurrou contra o vaso por achar que ele não estava devidamente limpo. Meu nariz não parava de sangrar e precisei ser internada por vinte dias.
Como foi o reencontro com Nara?
Vim para São Paulo, em setembro deste ano, porque a (atriz e cantora) Larissa Manoela pagou tudo. Fiquei cinco dias. Voltei agora com a piora da doença, porque uma conhecida me deu a passagem. Eu sou cabeleireira em Boa Vista, onde vivo com meu marido e outros dois filhos. Não chego a tirar 2 000 reais por mês.
A senhora manteve contato durante o tempo em que ficou afastada?
Ela sempre mandava mensagens pelo WhatsApp. Quando começou a melhorar de vida, Nara passou a enviar roupas para mim em Roraima. Eu soube que ela estava doente porque uma de minhas filhas, a Beatriz, de 18 anos, viu pelo Instagram. No começo, pensamos ser uma úlcera.
Quando soube do tumor?
Eu alisava o cabelo de uma cliente quando ela mandou um WhatsApp. Disse que tinha um tumor maligno. Nada na vida é em vão. Deus está me dando uma segunda chance de ser mãe (chora muito). Abandonei tudo em Roraima e vim para cá. À noite, antes de dormir, ela segura a minha mão e pede que eu não saia de perto.
A senhora pediu desculpas?
Desculpas seria pouco. Pedi perdão. Algumas pessoas me chamam de “porca” pelas redes sociais, mas só eu sei o que passei. Ninguém pode me julgar.