São Paulo tem uma política que é a antítese da de Nova York. Desde sua abertura, em 1876, o Central Park se tornou um ímã para edifícios. O Dakota, construído em 1880, foi dos pioneiros a convencer a elite a trocar os palacetes da época por apartamentos com vista para o parque.
Hoje, 550 000 nova-iorquinos moram a 10 minutos a pé do parque central, que é acessível a 2 milhões de moradores em menos de meia hora de metrô (nas oitenta quadras ao redor do Ibirapuera, moram 6.000 pessoas, segundo os geodados da Urbit). Em média, os edifícios ao redor do Central Park têm permissão para construir catorze vezes o tamanho do terreno que ocupam (como nos casos do The Plaza Hotel, do Majestic e do San Remo).
Só no San Remo, com 160 apartamentos, há mais unidades que em quase todos os espigões “um por andar” no curto trecho onde prédios com vista para o Ibirapuera são permitidos, no Paraíso. Para o lado do Jardim Lusitânia, a legislação permite apenas edificar uma única vez. Um terreno de 500 metros quadrados pode abrigar no máximo o mesmo número de metros de área construída (a medida nova-iorquina é catorze vezes maior).
“Tombamento não deveria reduzir o número de pessoas ao redor do parque, o que acaba promovendo a elitização do entorno, com muita demanda e pouca oferta”, diz o advogado Marcelo Manhães, que é membro do Conselho Estadual de Preservação Histórica, o Condephaat. “Na Aclimação, o tombamento veio só depois do anúncio de um prédio de doze andares a 180 metros do parque. Apenas para evitar mais gente ali.”
Em São Paulo, há raros casos que lembram o modelo nova-iorquino. Um deles é o Parque Buenos Aires, em Higienópolis, quase todo cercado por prédios com dezesseis andares em média. Como ao redor do Parque do Povo, no Itaim.
Em um círculo vicioso, o modesto número de vizinhos e o uso estritamente residencial fazem com que muitos parques e praças vivam vazios. Mesmo nos dias ensolarados, há poucas pessoas à sombra da Praça Cedro do Líbano, em plena Avenida Brasil, da Praça das Guianas ou da Homero Silva, em Perdizes, na Zona Oeste.
Os 2 100 metros quadrados da BarryParker, no Pacaembu, têm escassos frequentadores. A praça é batizada com o nome do arquiteto que idealizou os bairros-jardins — uma praça sempre vazia com seu nome é justificável.
Em 1961, a influente urbanista americana Jane Jacobs descreveu algumas das necessidades de praças e parques urbanos. “A variedade de usos dos edifícios ao redor propicia aos parques usuários diversos, que neles entram e saem em horários diferentes, e os deixam mais seguros”, escreveu. “Um parque não pode depender apenas da frequência de mães ou de funcionários de escritórios ou de estudantes. Na cidade, vida e variedade atraem mais vida; monotonia e vácuo espantam vida.”
Lições do Central Park
O Central Park representa uma das maiores fontes de arrecadação da prefeitura de Nova York. Só de equivalente ao IPTU, são 900 milhões de dólares anuais na vizinhança imediata. Outros 500 milhões são com gastos no parque, comércio; e mais 200 milhões em eventos e permissão para locação de filmes, séries e publicidade. 37% dos quartos de hotel de Nova York ficam a menos de um quilômetro do parque, o que confirma sua vocação de ímã. Pouco menor que a Cidade Universitária da USP, mas com o dobro do tamanho do Ibirapuera, ele também sofreu com a decadência nova-iorquina nos anos 70 e 80. Em 1973, quando sofria com sujeira, violência e parca manutenção municipal, recebeu apenas 12 milhões de visitantes, pouco mais que o Ibirapuera em tempos normais.
Um grupo de vizinhos, liderado por George Soros, bancou um estudo, em 1974, para recuperar o parque, o que levou à criação de uma ONG que até hoje é responsável pela gestão e por pagar 75% da manutenção. Há 42.000 sócios-contribuintes. Ao contrário do Ibirapuera, que recebe doze vezes mais visitantes no fim de semana que em dias úteis, o parque de Manhattan tem uma visitação mais equilibrada —apenas 20% são turistas. Hoje, o famoso perímetro de quatro quilômetros de norte a sul, e de 800 metros de leste a oeste, recebe 40 milhões de pessoas por ano (mais que os 150 parques paulistanos juntos).
O sucesso da parceria público-privada levou a prefeitura de lá a permitir a construção de arranha-céus à beira-rio, no Brooklyn e no Queens, em troca da criação e manutenção de novos parques pelos próprios incorporadores. O leilão de terrenos e a permissão de construção de prédios já patrocinaram a criação de vários parques no East River. Antigas fábricas e armazéns portuários deram origem ao Brooklyn Bridge, ao Hunters Point South e ao Domino Park. Madri seguiu a mesma linha: escavou uma série de túneis para enterrar suas “marginais” e criar um parque de quinze quilômetros à beira-rio. A região é a mais disputada hoje para novas moradias na capital espanhola.
Enquanto isso, São Paulo segue perpetuando um modelo excludente do verde para a grande maioria da população. Em reportagem de capa, VEJA São Paulo mergulha fundo no descalabro que é a distribuição de áreas arborizadas na capital. Paraisópolis, por exemplo, tem apenas uma praça para 100 000 habitantes, o contrário de Alto de Pinheiros, que tem 53 praças, além de dois parques, para 43 000 paulistanos.