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“A tragédia não pode ser esquecida”, diz sobrevivente de bomba atômica

Aos 74 anos, Masahiro Sasaki doará para São Paulo o que considera um símbolo da paz: tsuru feito pela irmã, que lutou contra os efeitos da radiação

Por Ana Luiza Cardoso
Atualizado em 1 jun 2017, 16h38 - Publicado em 1 set 2015, 18h59
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  • Aos 4 anos, Masahiro Sasaki tomava café da manhã ao lado da irmã Sadako, de 2 anos, quando uma vizinha chamou todos para observar o céu. Na porta de casa, ele viu dois aviões sobrevoarem Hiroshima. Sem se preocupar com o perigo, a avó do então menino reclamou porque eles abandonaram a refeição. Nesse instante, a história da família de Sasaki e do mundo mudou. A bomba atômica foi lançada. Mais de 200 000 pessoas morreram em Hiroshima e Nagasaki no ataque realizado pelos Estados Unidos.

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    Logo após, apareceram as vítimas da radiação. Entre elas, a irmã de Sasaki, que lutou aos 12 anos contra a leucemia. Durante o tratamento, ela confeccionou 960 tsurus – dobraduras de papel em forma de ave que simbolizam saúde, sorte e felicidade. “Agora eu os levo pelo mundo para transmitir a esperança de paz”. Aos 74 anos, ele está em São Paulo para doar um dos origami confeccionados pela irmã. A entrega acontece nesta terça (1º) em uma cerimônia na Assembleia Legislativa de Estado de São Paulo (Alesp) que relembra os setenta anos dos ataques. Na ocasião também haverá doação do quadro “Paz”, do artista plástico Kaoru Ito. Confira a entrevista de Sasaki para VEJA SÃO PAULO:

    Como foi o dia do bombardeio?

    Eu morava a 1,6 quilômetro do local onde caiu a bomba em Hiroshima. A minha mãe, irmã e avó paterna estavam em casa. Meu pai tinha ido lutar na guerra. Depois da explosão, minha mãe nos levou a um riacho. Nós encontramos um vizinho que nos resgatou com um barco. Ficamos cinco horas esperando socorro. Foi quando começou uma chuva radioativa. Minha avó voltou para nossa casa, já destruída, e nunca mais apareceu. Dez anos depois, a minha irmã teve leucemia e morreu. Eu não tive nada. Foi um milagre eu ter sobrevivido.

    Por que a sua irmã fazia tsurus?

    Uma lenda japonesa diz que a pessoa precisa fazer 1 000 tsurus para ter o desejo realizado. Minha irmã começou a preparar os origamis quando ficou doente. Ela tinha esperança de melhorar. Durante o processo, ela não demonstrou tristeza. Sempre transmitiu alegria e carinho. Isso comoveu os colegas da escola. E eles começaram a fazer uma campanha que mobilizou Hiroshima. Após três anos da sua morte, foi construído um monumento em sua homenagem na cidade.

    Tsuru
    Tsuru ()
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    Como Hiroshima é hoje em relação ao ataque?

    A tragédia não pode ser esquecida. As bombas precisam ser lembradas, sempre. Mas agora isso vem sido feito de forma diferente. Antigamente, só falávamos sobre as mortes, a destruição. Atualmente, o discurso é pela busca da paz.

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    Como o senhor avalia a mudança do mundo após os ataques?

    Estamos perdendo a humanidade. Acontecem coisas que nos fazem duvidar do ser humano. Isso está acontecendo com certa frequência. É realmente preocupante.

    Como é relembrar diversas vezes uma história tão dolorosa?

    Foi difícil até 2001. Eu era muito questionado sobre aquele dia. Falar só me trazia dor. Eu não via sentido em relembrar. Ficava deprimido. Em 2001, a prefeitura de Hiroshima fez uma exposição sobre a data. Eu comecei a me sentir diferente e, como irmão da Sadako, me vi obrigado a falar sobre a minha irmã. Espantei os fantasmas. Também passei a cuidar mais da história, para que seja contada de forma responsável. Foi um recomeço.

    Há quanto tempo o senhor está envolvido nesse trabalho?

    Comecei em 2007, em Nova York. Na época, havia um cercado no local da tragédia de 11 de setembro e algumas pessoas colocaram tsurus para homenagear as vítimas. Todos começaram a se questionar sobre a simbologia do origami e chegaram a mim por causa da história da minha irmã. Aquele lugar representa a tristeza, como Hiroshima, no Japão. Resolvi doar um tsuru a eles, como uma forma de unir os acontecimentos.

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    Que outros lugares o senhor visitou?

    Tem um tsuru exposto em um memorial em Pearl Harbor, no Havaí, outro em museus na Áustria e no Irã. O Brasil é o quinto país fora do Japão a receber um. A maior parte está no Japão, no Memorial da Paz de Hiroshima, e na escola onde ela estudava. Eles disponibilizaram tsurus a nossa família para divulgarmos a história de Sadako. Agora eu os levo para o mundo para transmitir a paz.

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    Por que o senhor escolheu o Brasil?

    Há cinco anos, eu me encontrei em Nova York com sobreviventes das bombas nucleares para discutir sobre a radiação. Foi quando conheci o grupo Hibakusha Brasil. A diretora da associação, Junko Watanabe, estudou na mesma escola em que a minha irmã. Ela pediu para levar um origami para o Brasil. Em Hiroshima, os tsurus são bem monitorados, guardados em um ambiente com temperatura definida. Tudo para manter o material longe de danificações. Quando eu encontro uma entidade que realmente confio, e sei que a pessoa cuidará para sempre do origami, eu faço a doação. Não adianta escondê-los em um cofre. O importante é que sejam vistos. Que as pessoas olhem, lembrem-se da história e trabalhem pela paz.

    Serviço: 

    Na quarta-feira (2), a ONG Ban All Nukes Generation e a Plataforma de Parlamentares para Não Proliferação Nuclear e Desarmamento realizam o debate A Rosa de Hiroshima – os 70 anos das bombas atômicas no Japão e a contribuição da arte para causas globais no século XXI. O evento acontece às 19h30 no auditório da Livraria Cultura no Shopping Bourbon. Também haverá o lançamento do livro “Adeus Hiroshima – Sobreviventes da bomba recomeçam a vida no Brasil”, da autora Denise Bertola, às 21h30.

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