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OLÁ,

Liquidação de abraços

Por Mário Viana
16 dez 2016, 23h00
VEJA SP
VEJA SP (Attílio/)
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Os pequenos grupos ficam parados na calçada da Avenida Paulista, olhando avidamente quem passa entretido nos próprios pensamentos. Rapazes e moças, vestindo roupas comuns, sorrindo e exibindo um olhar que mescla otimismo e inocência, seguram na altura do peito um cartaz geralmente escrito a mão: “Abraços grátis”. Dos que passam, muitos fecham a cara: que história é essa de ser abraçado por estranho? Mas vi vários casos de quem escancara o sorriso e estende os braços, trocando um gesto de carinho a céu aberto. Tudo rápido e fugaz, como convém a uma cidade que não consegue mais parar.

Eu, que caminho sem dar um “vem cá, meu bem” em ninguém, fico trocando ideia comigo mesmo. Por que uma criatura que nunca me viu na vida se sentiria radiante de felicidade em me envolver nos seus braços? Quem me garante que esse gesto sem malícia me faria encontrar algum atalho para o nirvana mais próximo? Mais que isso: o que faz os grupos de abraços grátis proliferar nas ruas? Será que já se pensa em cobrar imposto por abraço?

+ Azares da sorte

Em países de comportamento discreto e gestos contidos, oferecer abraço grátis é quase uma revolução armada. Mas no Brasil? Somos um povo que não acredita no poder da simples palavra. Sublinhamos tudo o que falamos com olhares, piscadas, sorrisos. Entre os nossos, distribuímos abraços para todos os lados, com direito a tapinha nas costas e beijocas sonoras. Quando a intimidade é muita, há quem dê tapinhas no traseiro ou até em barrigas salientes.

Usamos o tato como uma das mais eficazes formas de aproximação. Começa pelo aperto firme de mão até chegar ao famigerado toque nos cotovelos. É como se o interlocutor não confiasse nos relacionamentos wi-fi e usasse o cotovelo do outro como antena. No meu caso, não funciona. Começou a pegar no braço, eu recuo automaticamente um passo. E busco com o olhar o super-herói que virá me salvar do sequestro.

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Abraço é um gesto de relativa intimidade praticado com conhecidos. Quando duas pessoas não se conhecem, qualquer coisa além das formas tradicionais de etiqueta parece atrevimento. Não vejo nada de ruim em proximidade física. Pelo contrário, adoro abraçar e beijar as pessoas de que gosto, mas só as que eu conheço – exceção feita durante o Carnaval, nos blocos mais animadinhos.

Gostaria de ser mais despojado e topar esses abraços oferecidos graciosamente nas nossas ruas. Ainda não consegui. E se a pessoa não for chegada a um banho? Pior, e se ela adorar perfume doce e impregnar minhas roupas com aquele cheiro de violeta-do-campo? Será que existe alguma regra para ser um abraçador contumaz, tipo “evite perfumes fortes e não esqueça as balinhas de menta”?

+ O desafio do presente

Tocar e ser tocado nos torna mais humanos. É reconfortante sentir a pele de outra pessoa. Receber o calor emanado de outro corpo afasta, nem que seja por alguns instantes, o medo da solidão. Mesmo em países de costumes rígidos, como os árabes, os homens ficam de mãos dadas nos cafés, enquanto bebericam seu chá de menta. É o toque da outra pele que importa nessa hora. Ninguém nasce com tendência a coqueiro solitário em ilha deserta.

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