Maria Rosa Sabatelli, a anfitriã de figurões no Teatro Municipal
Contratada desde 1972, ela recebe de príncipes a pop stars e coleciona histórias com nomes de peso
Em noites de espetáculo, o Teatro Municipal, recentemente restaurado, recebe um público ávido por conferir os detalhes da arquitetura e da decoração do portentoso espaço. Ao subirem as escadarias pelo tapete vermelho, os visitantes encontram no 1º andar três portinhas com placas douradas em que se leem, respectivamente: “secretário municipal de Cultura”, “prefeito” e “governador”. Trata-se dos camarotes voltados para autoridades e seus convidados, com capacidade para seis pessoas cada um. Contratada desde 1972, a responsável por essa área do chamado balcão nobre é a paulistana Maria Rosa Sabatelli, conhecida como a primeira-dama do teatro. “Ela se casou com o Municipal”, diz o maestro Jamil Maluf, ex-diretor artístico da instituição e fundador da Orquestra Experimental de Repertório. “Os políticos fazem questão de ser recepcionados por ela.” Com cabelos pintados de ruivo, pulseiras douradas, sombra colorida, batom vermelhíssimo e óculos escuros no topo da cabeça, ela anda para lá e para cá — sempre com as chaves das cabines cativas no bolso — em seu uniforme composto de tailleur azul-escuro e lenço estampado no pescoço. Circula pelo hall como se estivesse em casa, cumprimentando pelo nome os frequentadores mais assíduos. “Eu não trabalharia em outro lugar.”
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Reservada quanto à vida pessoal — não revela nem a idade (“Tenho 200 anos”, brinca) —, Maria Rosa se formou em direito, mas nunca seguiu a profissão. No Teatro Municipal, começou como estagiária faz-tudo e, após ser contratada, foi acumulando aos poucos as funções de assistente de diretor, organizadora dos dezoito camarins e, há vinte anos, cerimonialista. Nas portas dos bastidores, faz questão de escrever o nome dos artistas a mão com letra caprichada, cheia de firulas. “Maria Rosa é uma defensora radical do teatro”, afirma o secretário municipal de Cultura, Carlos Augusto Calil, que a conhece desde 1975. Não só do teatro, mas da cidade. Sempre que ela se encontra com governantes locais, engata uma conversa sobre problemas como o transporte público ou a segurança na região do Largo do Arouche, onde mora.
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Durante a carreira, Maria Rosa já colecionou histórias com nomes de peso. O tenor Luciano Pavarotti, por exemplo, gostava de toalhas quentes para limpar o rosto nos camarins. Fernando Henrique Cardoso preferia sentar-se no meio da plateia, na fileira H, do lado direito, a ocupar um dos camarotes. Paulo Maluf foi um dos campeões de presença no camarote. O cantor de ópera italiano Giuseppe Giacomini exigia após as sessões a sopa de capelete do restaurante Gigetto, na Bela Vista. Eloá Quadros, mulher de Jânio, pedia para cumprimentar o elenco nos bastidores. Em 1978, o então príncipe Akihito e a princesa Michiko, hoje imperador e imperatriz do Japão, deram- lhe de presente um estojo com três colheres de prata, marcadas com o símbolo do império. Em um show de Roberto Carlos, em 2009, ela ficou até as 7 da manhã ciceroneando os convidados do cantor. No fim daquele ano, aliás, com o fechamento do teatro para reforma, Maria Rosa não parou: fez o cerimonial nas apresentações em outros palcos dos grupos estáveis do Municipal, como o Balé da Cidade.
Se não há tradutores, isso não é problema para ela. De família italiana, estudou em colégios onde aprendeu francês e, em suas férias, passou temporadas na Alemanha e na Áustria, para prestigiar a irmã Graciela Araya, cantora de ópera. Maria Rosa conta que aprendeu sozinha a falar espanhol, inglês, francês, italiano e um pouco de alemão. Para não perder a prática, carrega livros escritos na língua original como “A Dama das Camélias”, do francês Alexandre Dumas Filho. “Trago para ler durante o espetáculo”, explica ela, que não pode assistir às apresentações, pois precisa ficar nos corredores caso alguém chegue atrasado. “Às vezes, eu me escondo atrás da cortina para dar uma espiada.” Seu característico estilo já foi parar no palco. Em 2008, o diretor cênico carioca André Heller-Lopes a homenageou na remontagem de “Ariadne em Naxos”, que abordava os bastidores de uma ópera. “O cantor colocou joias e vestiu um uniforme igual ao dela”, lembra Lopes. “Pessoas na plateia identificaram a personagem e caíram na gargalhada.” Prova de que as histórias do prédio e de Maria Rosa se confundem. “Para trabalhar no Municipal, só é preciso uma coisa: amor ao teatro”, resume. “Isso eu tenho de sobra.”