Moradores do Itaim lutam por um quarteirão do bairro
Prefeito Kassab anunciou a intenção de se desfazer da área, mas Justiça concedeu limitar suspendendo temporariamente o processo de venda
Rodeado por imponentes prédios residenciais e espigões de escritórios espelhados, um quarteirão repleto de árvores frondosas do Itaim virou motivo de preocupação para centenas de moradores do bairro. Formado pela Avenida Horácio Lafer e pelas ruas Cojuba, Lopes Neto e Salvador Cardoso, o bucólico terreno, pertencente ao município, soma cerca de 20.000 metros quadrados, o equivalente a três campos de futebol. Seu valor estimado é de 250 milhões de reais. Apelidado pela vizinhança de “quadrilátero da cultura”, abriga um posto de saúde, um Centro de Apoio Psicossocial (Caps), uma unidade da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de São Paulo (Apae-SP), uma creche, duas escolas, um teatro e uma biblioteca. Mas seu destino segue em suspense desde dezembro, quando o prefeito Gilberto Kassab anunciou a intenção de se desfazer da área. Boa parte das pessoas que vivem ali perto é contrária a isso e iniciou um movimento para evitar a mudança. No mais recente capítulo do imbróglio, ocorrido na última quinta-feira (4), a 8ª Vara da Fazenda Pública da capital concedeu uma liminar suspendendo temporariamente o processo de venda. A prefeitura pode ainda reverter a decisão.+ Especial bairros: O melhor do Itaim
O objetivo declarado da gestão municipal no negócio é tentar diminuir o déficit de cerca de 120.000 vagas na rede de creches da cidade, que Kassab prometeu zerar em tempos de campanha eleitoral. Ainda em elaboração, a licitação será regida pela seguinte regra: a empresa que se comprometer a construir o maior número de unidades na periferia ficará com a quadra do Itaim, na qual poderá erguer um empreendimento residencial ou comercial com até 60.000 metros quadrados de área construída. A administração planeja dar o mesmo fim a outras catorze propriedades públicas consideradas subutilizadas. Somadas, elas poderão resultar no surgimento de 500 creches, com capacidade para até 80.000 crianças. “A iniciativa privada é muito mais ágil para construir imóveis do que o poder público. Temos condições de erguer, no máximo, cinquenta creches por ano”, afirma Marcos Cintra, secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e do Trabalho, responsável pelo projeto.
+ Carlos Apolinário: “Vivemos uma ditadura gay”
Levada a votação na Câmara Municipal, a venda do “quadrilátero da cultura” só foi aprovada após a inclusão de um artigo que obrigaria o poder público a remanejar o teatro e os demais serviços ali existentes para o Parque do Povo, localizado nas redondezas. A cláusula, porém, foi vetada por Kassab, que planeja agora exigir do futuro proprietário a construção de um novo imóvel em um quarto da área para abrigar as escolas, a creche, o Caps e o posto de saúde. “Essa obra será custeada pela empresa vencedora da licitação”, diz Marcos Cintra. Segundo o projeto, o Teatro Décio de Almeida Prado e a Biblioteca Anne Frank, recém-reformados, também precisarão vir abaixo. Mas ainda não está definido para onde eles serão transferidos. Já a Apae decidiu se mudar por conta própria.
Alessandro Shinoda/FOLHAPRES
Manifestação de vizinhos, com a presença de Eva Wilma: briga para manter a área verde
O anúncio das mudanças provocou a indignação de parte dos moradores. Revoltados com a ideia de perder uma das poucas áreas verdes do bairro, alguns deles já lançaram mão de medidas concretas, como a ação civil pública que resultou no cancelamento provisório da venda na semana passada. “Se permitirmos a derrubada de árvores na região, estaremos contribuindo para sua maior impermeabilização e, consequentemente, favorecendo o surgimento de enchentes”, afirma o advogado Jorge Eduardo Rubies, presidente da Associação Preserva São Paulo e um dos principais críticos da iniciativa. “Nos dias úteis, o trânsito do Itaim é um dos piores do município”, aponta a atriz Eva Wilma, moradora da Rua Cojuba há 32 anos. “Corremos o risco de perder um dos poucos oásis das redondezas em troca de mais engarrafamentos”, completa ela, que chegou a participar de passeatas para tentar impedir a transformação de sua vizinhança.
Mario Rodrigues e Joel Silva/FOLHAPRESS
O advogado Jorge Rubies, contrário ao projeto, e o secretário Marcos Cintra, seu idealizador: polêmica sem prazo para acabar
+ Que fim levaram cinco estabelecimentos badalados na cidade+ Xaveco Virtual: nossa ferramenta para paquerar no Twitter
Os moradores inconformados também conseguiram conquistar o apoio do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat), que no dia 25 de abril iniciou o processo de tombamento da quadra. “Esse quarteirão e boa parte de suas edificações datam da década de 50, o que confere a eles um inestimável valor histórico”, sustenta Rubies. A decisão final sobre o tombamento só deve ser anunciada no início de 2012. Caso seja favorável, a venda do terreno não fica proibida. Mas as alterações em suas construções, sim. A polêmica, portanto, ainda está longe do fim.
O MAPA DO IMBRÓGLIO
O que funciona no terreno de 20.000 metros quadrados
1. Posto de saúde
2. Centro de educação municipal/creche
3. Escola municipal infantil
4. Teatro Décio de Almeida Prado
5. Biblioteca Anne Frank
6. Centro de Apoio Psicossocial (Caps)
7. Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae)