Todos os dias, uma cena lamentável se repete pelas ruas dos Jardins. Logo após as 18 horas, quando as lojas, os restaurantes e os prédios residenciais têm permissão para colocar seus sacos de lixo na rua, ladrões de papel entram em ação. De olho no dinheiro que é possível obter com a venda do produto a empresas de reciclagem, eles se apropriam de maneira escancarada de um material que pertence à prefeitura. Para comprovar a existência dessa atividade, a reportagem de VEJA SÃO PAULO circulou pelo bairro no fim da tarde do último dia 4 e em cerca de trinta minutos deparou com três ocorrências: na Rua Padre João Manuel e nas alamedas Jaú e Ministro Rocha Azevedo.
Horas antes da passagem dos caminhões oficiais, homens que dirigiam Kombis ou picapes pararam os veículos praticamente no meio da rua, vasculharam com calma o lixo alheio e pegaram todos os itens de papel e papelão. Na “seleção”, deixaram uma trilha de sujeira espalhada pela via. A prefeitura, que teria de fiscalizar a ação dos lixeiros piratas, diz não saber quantos deles agem em São Paulo. Há suspeitas de que alguns desses ladrões façam parte de grupos organizados que chegam a oferecer propina a porteiros de prédios em troca de sacos de lixo. Cenas assim se repetem por toda a cidade, principalmente em regiões que concentram lojas, bancos e escritórios.
A máfia que intimida os catadores
Catador de papel, João não tem sobrenome nem carroça. Na tarde do último dia 5, carregava nos braços e equilibrados sobre a cabeça caixas de papelão e carretéis de tecido descartados por lojas e tecelagens do Bom Retiro, na região central. Sem nada além do próprio corpo para servir de carreta, tentava transportar o material para um ferro-velho em Santa Cecília onde, achava, conseguiria vendê-lo. Há mais de um mês tem sido assim, desde que seu carrinho foi levado, com o que tinha dentro, por um grupo que atua nas imediações do Parque do Gato, no Bom Retiro, às margens do Rio Tamanduateí.
Na área, próximo a uma favela, opera um centro de compra de recicláveis. Segundo os catadores, os preços praticados ali são inferiores à média do mercado. Ainda assim, muitos se veem obrigados a levar para lá suas mercadorias sob ameaças de violência ou de perder a carroça. “Eu tinha acabado de vender papelão para eles e, na esquina seguinte, me tomaram o carrinho, o que tinha sobrado nele e o dinheiro do meu bolso”, afirma João. Passadas cinco semanas, ele conseguiu juntar 30 reais. Faltam mais 70 reais para ele poder comprar outra carroça. “Se Deus quiser, vou conseguir”, diz.