Concentrado, Ian Souto Izidoro, de 10 anos, tateia as páginas do livro “Adélia Cozinheira”, de Lia Zatz. Conta o que leu com a ajuda dos dedos e, com um pouco mais de esforço, tenta adivinhar o que significam os desenhos em alto-relevo, com textura e cheirinho. Ian não enxerga. Vítima de glaucoma, perdeu completamente a visão há três anos durante uma cirurgia. Foi alfabetizado em braile, sistema de escrita para cegos criado na França no início do século XIX e utilizado na publicação que tem em mãos. Mas a obra também poderia ser compartilhada por leitores que veem. Isso porque “Adélia Cozinheira” é o exemplar mais elaborado de uma categoria que tem sido chamada de “livro totalmente inclusivo”. Além do braile, ele foi impresso em tinta e letras comuns. Batizada de Braille.BR, a técnica que tornou isso possível foi desenvolvida pela designer Wanda Gomes. “Meu objetivo era criar um material atraente para qualquer pessoa, com ou sem deficiência visual”, diz. Resultado de dez anos de pesquisa, a técnica é utilizada pela primeira vez em um livro.
Até pouco tempo atrás, para que uma mesma obra escrita fosse aproveitada por cegos e leitores comuns, era necessário produzir duas versões do texto: uma convencional e outra adaptada. A confecção do braile forma um relevo nos dois lados da página — alto no que será “lido” e baixo no verso. Assim, a impressão de uma imagem sobre a mesma superfície fica comprometida e difícil de visualizar. Já a Braille.BR mantém a base intacta porque, para formar os pontos, é aplicada uma tinta transparente por cima do papel. Pelo menos outros quatro livros infantis publicados nos últimos cinco anos seguem esse modelo. A diferença é que não utilizam uma nova técnica de impressão. “Neles, a inovação está na maneira de diagramar”, afirma Susi Maluf, gerente de distribuição da Fundação Dorina Nowill, pioneira na publicação de livros em braile no Brasil.