A vida da socialite que morreu em um incêndio nos Jardins
Bipolar, Liliane Chieppe colecionava amigos e inimigos e brigou com a família por causa do atual marido
A janela do quinto andar de um prédio luxuoso da Rua Tatuí, no Jardim Paulistano, ainda segue quebrada, emoldurada com uma mancha preta de fuligem. São marcas impregnadas de uma tragédia que começou por volta das 14h da segunda (30).
Naquela tarde, a empresária capixaba Liliane Chieppe (pronuncia-se “Kepe”), de 54 anos, morreu vítima de um incêndio, em circunstâncias ainda enigmáticas para a polícia. Se aqui na capital ela levava uma vida anônima, em Vitória, no Espírito Santo, era uma espécie de celebridade em colunas sociais, conhecida por ser acionista e filha do fundador do Grupo Águia Branca, com sede na capital do Espírito Santo. Trata-se de um dos maiores conglomerados de transporte de país, com 13 000 funcionários e faturamento anual de 5 bilhões de reais.
O enterro na quarta (1º) às 15h no Cemitério Jardim da Paz, em Serra, na região metropolitana de Vitória, reuniu aproximadamente 200 pessoas. O marido, Claudio Carvalho Pitanga, empresário, de 52 anos, mal conseguia falar. Estava sedado e também rouco. Ele ingeriu muita fumaça, na tentativa de tirar Liliane do quarto.
O susto do marido
Naquela segunda (30), Pitanga havia saído no final da manhã para a sessão diária de musculação na academia e depois passado no supermercado. Em frente ao prédio, deu de cara com a fumaça densa saindo de seu apartamento. Aproximadamente meia hora antes, a empregada da família percebera o fogo no quarto principal, trancado. Bateu várias vezes na porta, nada de resposta.
Assim ela que abriu o cômodo com a chave reserva, uma massa de fumaça densa saiu, bloqueando a entrada. Pitanga chegou logo depois e ligou para os bombeiros. Na sequência pegou o hidrante, com a ajuda de vizinhos, na tentativa de apagar as chamas.
A viatura chegou cinco minutos depois, controlou o incêndio e resgatou o corpo. Liliane estava desmaiada no chão, com queimaduras bem graves, desfigurada. Ao ver a mulher, o marido teve uma crise nervosa e foi atendido pelos oficiais ali mesmo no apartamento. A empresária seguiu para a Santa Casa, depois ao Hospital das Clínicas, mas não resistiu.
O apartamento ocupava todo o quinto andar, mede aproximadamente 400 metros quadrados e, por sorte, apenas o quarto do casal ficou totalmente destruído. Até a área do closet se preservou, mas com roupas, sapatos e joias danificados pela fumaça.
Na cena do acidente, não havia resquícios claros da causa do incêndio: nada de pistas como pavio de velas (ela era católica e pagava promessas com modelos de sete dias), por exemplo. Desde a terça (31), a polícia científica coleta restos de objetos para análise.
Laptops e câmeras de segurança já seguiram para averiguação da equipe do 78º Distrito Policial, nos Jardins, com investigação sob o comando do delegado Maurício de Thomazi. A polícia trabalha com as hipóteses de acidente ou suicídio.
Outro incêndio no passado
Em Vitória, amigos e familiares lembraram um acidente do passado muito parecido envolvendo Liliane. Há 36 anos, sua primogênita Carolina Chieppe Kroeff (hoje publicitária, moradora de Santiago do Chile) ainda era bebê quando um princípio de incêndio ocorreu no quarto da empresária no Edifício Praia Park, na praia do Canto, lugar nobre da cidade. Ela fumava na cama, adormeceu, o cigarro aceso deslizou de suas mãos e o colchão pegou fogo. Por sorte, nada grave ocorreu, além do móvel danificado.
A morte trágica marca a biografia da empresária que teve uma vida excêntrica. Há trinta anos, ela se tratava de transtorno bipolar, mas, segundo familiares e amigos, quando se sentia bem, dispensava remédios e logo ocorriam as crises. Por causa do temperamento difícil, ela nunca ocupou um cargo no grupo.
Há dez anos ela se tornou empreendedora do condomínio de luxo Espelho D’Água, em Domingos Martins, a 40 quilômetros de Vitória. Uma casa ali custa em média 2 milhões de reais, valor alto para a região. Normalmente ia ao local para admirar seu “paraíso na terra”, como o definia, e bebericar bons vinhos com alguns moradores.
Brigas e mais brigas
A última vez que Liliane exagerou em suas verdades foi no ano passado. Ela brigou com a família e alugou com o marido uma casa em Atenas, na Grécia. Moraram quatro meses lá e voltaram ao Brasil em fevereiro. Decidiram viver no apartamento em São Paulo, longe do buxixo da sociedade capixaba. Liliane e Claudio tinham laços afetivos com São Paulo. Aqui, eles se casaram no cartório há quinze meses. Entre idas e vindas, foram cinco anos de relacionamento. É o segundo casamento da empresária.
O motivo das brigas com a família Chieppe era sempre o mesmo: Claudio Pitanga. Eles nunca aprovaram o relacionamento por causa dos vários processos dele. São aproximadamente 100 000 reais em cobranças de dívidas, uma prisão em flagrante por uso de tóxicos em 1998, além de um processo por agressão pela Lei Maria da Penha contra uma ex-sócia, Juliana Tanure Lopes, em 2010. Procurado pela reportagem, Pitanga não quis se pronunciar.
Os filhos dela se afastaram por causa dessa ficha extensa do marido. Liliane tem três filhos, todos do relacionamento de aproximadamente vinte anos com o empresário Sergio Kroeff: a publicitária Carolina, de 36 anos, que vive no Chile; o empresário Claudio, de 33 anos, que vive na capital capixaba; e o designer Gabriel, morador do Rio. A empresária andava triste nos últimos meses por causa desse afastamento.
Vida de luxo
No auge do bom humor, Liliane esbanjava tudo: sorrisos, afagos e, claro, dinheiro. Em maio do ano passado, em uma dessas boas fases, abriu sua casa na Ilha do Frade, bairro nobre de Vitória, decorada com quadros de Romero Britto e do artista capixaba Hilal Sami Hilal. Foi um festão para 300 pessoas para comemorar seus 54 anos, regado a champanhe Veuve Clicquot, evento que ultrapassou os 100 000 reais, estima-se.
Em compensação, dois meses depois, detonou um de seus convidados, espalhando mensagens no WhatsApp a todos os seus contatos, porque a negociação de um imóvel com ele não havia dado certo. “Liliane era intensa em tudo e vai fazer muita falta por aqui”, diz o jornalista Luiz Alberto Barcellos, seu amigo de infância desde sua fase de menina rebelde no tradicional Colégio Santa Bárbara.