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OLÁ,

Ligados à USP: história de professores, alunos, funcionários e usuários do campus

Personagens ajudam a entender a importância da universidade que é orgulho e patrimônio paulista

Por Camila Antunes
18 set 2009, 20h28

Desde sua fundação, em 1934, a Universidade de São Paulo (USP) formou 213 000 estudantes e concedeu 89 000 títulos de mestre ou doutor. Por números como esses, ela é considerada a maior instituição de ensino superior do país e uma das mais prestigiosas da América Latina. “Sobressaímos em pesquisa e temos aumentado nossa exposição internacional”, afirma a farmacêutica Suely Vilela, a primeira mulher a assumir a reitoria, no fim de 2005. Seu objetivo ao propor um calendário de comemorações para o aniversário de 75 anos – cujo ponto alto será a exposição de arte Tesouros da USP, em agosto, na Oca do Ibirapuera – é refletir sobre os rumos da universidade. A seguir, trajetórias e expectativas de professores, alunos, funcionários e usuários do campus que ajudam a entender a importância desse orgulho e patrimônio paulista.

O número 1 em medicina

Quando sua mãe foi internada no Instituto do Coração (Incor) para tratar de um caso grave de insuficiência cardíaca, o estudante João de Souza, de 19 anos, decidiu mudar radicalmente de vida. Largou o curso de engenharia na Unicamp, conseguiu uma bolsa de estudos no cursinho Etapa, saiu de Campinas e veio morar em São Paulo. Ia prestar o vestibular para medicina. “Talvez eu não tenha tempo de fazer algo por minha mãe”, pensava o estudante. “Mas vou dedicar minha vida a cuidar dos outros.” Souza, que nasceu em Belo Horizonte (MG), perdeu a conta de quantos dias dormiu (e estudou) na enfermaria do Incor. “Especialmente após ela ter o coração transplantado”, diz. Sua presença era tão marcante que o médico de sua mãe o adotou como pupilo. “Já o convidei a entrar para o grupo de pesquisadores do Incor”, conta o cardiologista Fernando Bacal. O boletim de desempenho de Souza na Fuvest impressiona. Ele atingiu 925 de 1 000 pontos possíveis. Como ainda foi beneficiado pelo bônus de 9% sobre sua nota (dado a alunos que completam o ensino médio em escolas públicas e realizam a prova Enem do MEC), superou 100% de aproveitamento. Filho de um coronel do Exército, Souza – que foi o primeiro lugar também nos vestibulares da Unicamp e da Unifesp – frequentou colégio militar. “Cresci acostumado a respeitar o professor e a estudar todo dia”, afirma. Um hábito que ele perdeu, no entanto, foi o de praticar esportes. Daí a silhueta rechonchuda, que ele pretende mudar. “Pus um balão gástrico em janeiro e já emagreci 12 quilos.”

Quando o sobrenome é uma sina

Além do uniforme branco, os cinco médicos da foto têm em comum o sobrenome. Quem puxou a fila da família foi o nefrologista Antonio Carlos Seguro, professor e pesquisador da USP desde 1975. “Quando era pequena, vinha à faculdade brincar com os ratinhos de laboratório do meu pai,” lembra sua filha Fernanda, de 28 anos. Ela se formou em 2003 e no ano seguinte foi chamada para a equipe de residentes do Hospital das Clínicas, que conta com 880 médicos, supervisionados por 1 320 professores. Eles atendem diariamente mais de 10 000 pessoas. “Nunca cogitei seguir outra carreira,” diz Francisco Carlos, seu primo quatro anos mais velho (filho do irmão gêmeo de Antonio Carlos, que também é médico, mas formado pela Escola Paulista de Medicina). Quando pequeno, Francisco Carlos ficava encantado ao ouvir a sirene de uma ambulância. O fascínio pela profissão também foi transmitido a seus dois irmãos, Debora, 31 anos, e Luís Fernando, 29. Ela é endocrinologista e até pouco tempo atrás dava plantão no Hospital Universitário, dentro do campus do Butantã. Ele é cardiologista do Instituto do Coração (Incor), outro hospital voltado à pesquisa e ao ensino vinculado à USP. Os cinco Seguro também trabalham em consultórios particulares. “Um indica paciente ao outro”, afirma Debora. “Com um Seguro, você pode ficar seguro”, trocadilha Antonio Carlos.

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A primeira doutora

A química Jandyra França Barzaghi, de 93 anos, quase foi a primeira pessoa a receber o título de doutor pela USP, em 1942. Em sua classe havia apenas quatro alunos – três homens e ela. Por cavalheirismo, ficou acertado que Jandyra defenderia a tese antes dos outros. Mas a gentileza não deu certo. Um dos rapazes recebeu uma bolsa para estudar nos Estados Unidos e teve de apresentar-se às pressas. “Isso não diminui o pioneirismo de mamãe”, diz sua filha Cecília. Primogênita entre dez irmãos, Jandyra foi incentivada pelo pai a buscar uma carreira profissional. Coisa rara naqueles tempos, especialmente para uma moça criada em Pirassununga, no interior do estado. Para entrar na recém-criada faculdade, ela foi submetida a um exame oral em francês. “Essa seria a língua oficial na maioria das aulas, já que boa parte dos professores era estrangeira”, lembra.

Desde a postulação de Jandyra até hoje, a USP formou 89 000 pós-graduados, entre mestres e doutores – a média atual é de 5 500 por ano. “Somos a universidade que mais concede títulos no mundo”, afirma a reitora Suely Vilela. Ainda assim, a repercussão da pesquisa uspiana é tímida. No ranking de impacto realizado pela consultoria Thomson Reuters, a USP fica em 266º lugar numa lista de 287 instituições, levando em conta os artigos publicados em revistas científicas entre 1997 e 2007 que voltaram a ser citados em outros trabalhos. Em parte, a má colocação se deve ao idioma, pois o banco de dados da consultoria ignora o que não está escrito em inglês. Outra razão está no fato de boa parcela de suas pesquisas versar sobre problemas locais, especialmente nas áreas de sociologia, história e economia. São problemas que a doutora Jandyra nunca enfrentou.

Aulas de política

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Uma das instituições estudantis mais antigas do país, o Centro Acadêmico XI de Agosto, agremiação criada em 1903 pelos alunos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, tem sua diretoria renovada todos os anos por meio de eleições. Sete presidentes da República, entre eles Jânio Quadros e Washington Luís, passaram por lá. Hoje o XI de Agosto – seu nome é uma alusão ao dia da fundação da faculdade, em 1827 – é presidido pela paulistana Talita Nascimento, de 22 anos. Para se dedicar ao diretório, ela largou o estágio num escritório de advocacia e não programou viagens para as férias. “O centro cuida da empresa júnior, da moradia estudantil e do departamento jurídico comunitário”, afirma. “É mais do que um lugar para os estudantes se encontrarem e ficarem jogando sinuca.” Talita gostaria de envolver seus colegas no debate sobre a reforma política e levar a opinião dos estudantes ao Congresso Nacional. A última campanha de grande repercussão lançada pelos membros da agremiação foi a “Sou da Paz”, em reação ao assalto ao bar Bodega, em Moema, em 1996, no qual dois jovens foram mortos a sangue-frio. “Há muitas causas pelas quais podemos lutar”, diz Talita. “Tenho pensado com cada vez mais insistência em seguir na política.”

“Eu fui da geração Maria Antonia”

As colunas gregas na entrada da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, na Rua Maria Antonia, na Vila Buarque, transportam os pensamentos da professora Adélia Bezerra de Meneses para 1962. Naquele ano, segundo ela, “normalista alienada virou universitária engajada”. Da primeira aula, com o crítico Antonio Candido, às tardes animadas no Bar Sem Nome (onde Chico Buarque apresentou as novas canções Pedro Pedreiro e Olê, Olá), o ambiente da USP fez Adélia transformar-se profundamente. “Minha geração sentia, de forma um tanto confusa, o papel que lhe cabia na luta pela superação da dependência cultural”, acredita ela, que publicou dois livros de análise da obra de Chico Buarque. O alinhamento automático à esquerda era quase um caminho natural para aqueles que escutavam músicas de protesto, liam peças de Bertolt Brecht e refletiam sobre a fome com os filmes-cabeça do cineasta Glauber Rocha. “O grêmio era nossa ágora”, brinca a professora, referindo-se à praça pública onde os gregos se reuniam para fazer política. “Triste fim foi a batalha da Maria Antonia”, lembra. O prédio da USP foi depredado durante um confronto com os alunos da vizinha Universidade Mackenzie. Um estudante foi morto, dezenas ficaram feridos e os cursos da faculdade seriam depois transferidos para a Cidade Universitária. Somente em 1993 a USP recuperou o edifício da Maria Antonia e transformou-o num centro cultural, onde há mostras de arte, cursos livres e um teatro.

Olhar estrangeiro

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Casado com uma cientista brasileira, o professor inglês Peter Lees Pearson, 70 anos, sonhava em curtir, na aposentadoria, o calor tropical e o veleiro que construiu por hobby com as próprias mãos. Geneticista, passou três décadas na fria Holanda, onde deu aulas e estudou aspectos relacionados à reprodução humana. Depois, chefiou o grupo de estudos de genoma na Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. Quando chegou a São Paulo, em 2005, foi convidado pela bióloga Mayana Zatz a integrar o Centro de Estudos do Genoma Humano da USP. Hoje, ele é o único estrangeiro entre doze professores e 100 pesquisadores do núcleo. Ter um ambiente de convivência internacional é um dos longínquos objetivos para a comemoração do centenário da universidade, em 2034. Na opinião de Pearson, isso está longe de ocorrer. “Os alunos se expressam muito mal em inglês,” diz ele, que passou a cobrar trabalhos em sua língua-mãe. “Sua presença tem sido muito positiva para encorajar os alunos a estudar no exterior,” afirma Mayana Zatz. Todas as bolsas pagas pela Fapesp (agência estadual de fomento à ciência), e algumas bancadas pela Capes (órgão federal), oferecem a possibilidade de um estágio ser cursado fora do Brasil. Além disso, a USP mantém hoje 400 convênios acadêmicos com instituições internacionais. Em 2007 (último dado disponível), 1 064 professores de origens tão distintas quanto Bélgica e Cazaquistão visitaram a USP.

A menor turma da maior faculdade

O auditório estava lotado na colação de grau de Juliana Camargo Mariano, no ano passado. Seu curso, letras, tem o maior número de alunos em toda a USP. Atualmente, há 4 763 matriculados apenas na graduação. Mas, quando Juliana foi chamada a fazer o juramento profissional, levantou-se em companhia de apenas uma colega, do programa voltado à terceira idade. As duas eram formandas da habilitação em armênio. No curso de letras, há dezessete opções de idiomas regulares, como inglês, francês, russo, árabe… O bacharelado em armênio teve início em 1964, por iniciativa do professor Yessai Kerouzian, imigrante que fugiu do genocídio promovido pelo Império Otomano a partir de 1915. Cerca de 2 milhões de armênios foram obrigados a deixar suas casas e marchar até uma região desértica próxima da Síria, onde seriam deixados para morrer. “A história e a cultura da Armênia me atraem”, afirma Renan Holanda, o único que optou pela graduação neste idioma estrangeiro em 2009. Em classe, terá a companhia de outros 29 estudantes que cursam o armênio como disciplina optativa. Mesmo quem não é aluno da USP pode frequentar as aulas de língua e cultura armênia gratuitamente. “Muitos entram por curiosidade e saem pesquisadores”, afirma a professora Deize Crespim. Esse foi o seu caso e tende a ser o de Renan. “As aulas nem começaram e eu já consegui uma bolsa de iniciação científica”, comemora o rapaz.

O xerifão da Cidade Universitária

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Prefeito da Cidade Universitária, o professor de geologia Adilson Carvalho não tem medo da impopularidade. Quando instalou 85 câmeras com sistema de infravermelho pelo campus, recebeu a visita de uma comitiva de estudantes descontentes. Eles se queixavam de que a iniciativa iria tolher sua liberdade. “Mas a questão do tráfico de drogas aqui é séria”, aponta Carvalho. A proximidade com a favela São Remo e a extensa área verde (com quase 3 quilômetros quadrados) favorecem a atuação de marginais na Cidade Universitária. “Apesar de muitos estudantes afirmarem o contrário, a polícia entra na USP sempre que é chamada”, conta. “No ano passado, precisei da ajuda da PM diversas vezes em casos de suspeita de furto e tráfico.” Setenta guardas dividem-se entre os que andam de bicicleta pela universidade e aqueles que vigiam as entradas dos prédios. Uma nova medida – também necessária – pode tornar o xerifão ainda mais impopular. Ele propôs um convênio com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) para que marronzinhos entrem nas ruas e avenidas internas com o objetivo de multar os motoristas que circulam por ali acima da velocidade permitida. Mais de 30 000 carros transitam pela universidade diariamente.

Para ele, o campus é um parque

Com mais de 4 quilômetros quadrados, avenidas largas e verde em abundância, a Cidade Universitária é um endereço agradável para a prática esportiva. Acolhe aos sábados até 300 ciclistas e 5 000 corredores (aos domingos, o campus fica fechado e durante a semana as bicicletas só podem circular das 5 horas às 6h30). O engenheiro Guto Urquiza, de 35 anos – que se formou pela Faap –, é um desses atletas. Adepto da corrida desde 2005, ele se prepara para a Maratona de Nova York, em novembro – já participou das de Amsterdã, Berlim, Boston, Chicago e Paris. “Troquei o Ibirapuera pela USP”, diz. O motivo? A volta completa pela pista do parque soma 3 quilômetros. Para completar seu treino, no parque Guto tinha de repetir entre quatro e dez vezes o percurso. Já na universidade ele conhece três caminhos. De 8, 10 e 12 quilômetros. “Treinar aqui não é monótono.”

Sem perder tempo no trânsito

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Construído para abrigar os atletas durante os Jogos Pan-Americanos de 1963, o Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp) tem uma história de ocupação conturbada. Antes mesmo que a reitoria decidisse que fim dar a cada um dos sete prédios, com apartamentos de 34 metros quadrados divididos em três quartos, uma sala de estudos e um banheiro, os alunos trataram de invadi-los. Nesse período, o Crusp tornou-se um ponto de encontro de ativistas políticos. Em 1968, com o recrudescimento do regime militar, a polícia retomou à força o alojamento, expulsando parte dos estudantes. “Tenho orgulho dessa história”, diz Fábio Venâncio, de 29 anos, aluno de mestrado em geografia e um dos 1 600 moradores atuais do Crusp. De camiseta estampada com a foto de Che Guevara e concentrado em sua tese sobre a ocupação em um dos acampamentos do Movimento dos Sem Terra (MST), Venâncio se despede da vida de estudante. De casamento marcado para abril, ainda não definiu seu próximo endereço – mas, se não quiser virar sem-teto, agora terá a experiência nova de pagar aluguel. “Minha casa e minha vida em São Paulo se resumem à USP”, diz ele, que cresceu no interior do Paraná. Filho de um auxiliar de escritório e uma ajudante de serviços gerais, foi admitido no Crusp porque, segundo afirmou, a renda de sua família não atingia três salários mínimos. Hoje, vive da bolsa de estudos no valor de 1 050 reais e exibe no currículo um estágio na Universidade Nacional Autônoma do México, onde ensinou português.

Refeição a 1,90 real

Não existe almoço grátis, como o professor e ex-ministro Delfim Netto costumava ensinar aos seus alunos da Faculdade de Economia e Administração (FEA), mas a refeição no restaurante central da Cidade Universitária quase chega lá. Custa 1,90 real desde 1996. Toda vez que há alguma ameaça de subir o preço, os alunos protestam, ignorando a inflação e a estrutura cara e complexa que faz a comida chegar ao bandejão de inox (ou prato de vidro, para quem preferir). A cozinheira Maria de Lourdes Barbosa, de 65 anos, há 22 prepara quilos de salada, frita centenas de ovos e tempera bifes a perder a conta. Por dia, as 4 000 pessoas que almoçam e as 1 500 que jantam no bandejão da USP fazem desaparecer 500 quilos de arroz e até uma tonelada de carne. “O prato de maior sucesso é o estrogonofe”, diz a cozinheira. Recentemente, Maria de Lourdes foi escalada para preparar também o café-da-manhã, que atrai em média 700 estudantes e funcionários. Seu salário chegou a “quase 2 000 reais”, com os quais sustenta seis filhos e treze netos. “Três de meus filhos trabalham e vão para a faculdade à noite”, conta. Estudam na USP? “Não, na Unip.” Na USP, onde os subsídios do dinheiro público permitem que a alimentação custe tão pouco, pobres são minoria. Entre os convocados em primeira chamada no ano passado, 65% vivem em famílias com renda superior a cinco salários mínimos, 74% estudaram em escolas particulares e 64% têm pais com nível superior.

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