Se você morasse num país em que, entre dezembro e março, a luz do dia durasse cerca de sessenta minutos — nas outras 23 horas, o céu permanecesse azul-marinho — e os termômetros oscilassem, nesses meses, entre fresquíssimos 10 graus negativos e impossíveis 28 graus abaixo de zero, a que passatempo se dedicaria? Depois que o regime socialista tomou uma saída à direita, os habitantes da Letônia, antiga república da União Soviética — desde 2004, parte da União Europeia —, vêm ensaiando se exercitar num dos esportes favoritos do Ocidente: comprar.
Com crescimento constante do produto interno bruto (PIB) desde 2000, os letões conviveram na última década com a frustração de ter na carteira muitas cédulas de lats, a moeda local, e, em proporção inversa, poucos endereços para gastá-las. Isso tende a mudar, agora que a indústria do luxo farejou o potencial do país (e a avidez por fazer a moeda circular em troca de bolsas Gucci, lenços Hermès, sapatos Louis Vuitton e afins). Marcas exclusivas preparam-se para disputar clientela com as rainhas do pedaço, as nanogrifes locais. “Todos vamos abrir lojas nessa fronteira virgem do luxo”, diz Silvia Cangiano, dona da Milletre, incensada butique de Londres que vende produtos com selo made in Italy. “Comparo o país à Rússia depois do boom: muito dinheiro e vontade de gastá-lo, mas quase nenhuma opção.”
O movimento começou em outubro de 2010, com a abertura da Galleria Riga, um shopping de 300 milhões de reais, na capital do país. Ali, uma ou outra multimarcas comercializa objetos de desejo como Yves Saint Laurent. Mas, por ora, os habitantes da cidade (porto de origem de um tipo famoso de madeira, o pinho-de-riga) têm de se contentar com etiquetas como V.I.P.A. ou Klase, hieróglifos aos olhos da moda ocidental. Esse isolamento, por mais que aflija logomaníacos, transformou a Letônia — à margem do Mar Báltico, vizinha da Estônia, da Lituânia e da Rússia — num destino turístico procuradíssimo. “O país preservou hábitos de séculos”, diz Eduardo Gaz, diretor da Selections, agência especializada em roteiros personalizados. Para os turistas classe AAA, nada mais atraente do que visitar um lugar ainda pouco alterado pela globalização.
O destino preferido desse país com 4.000 anos de história e 2,4 milhões de pessoas é a própria Riga. Vista de cima, parece uma cidade de bonecos. Casas coloridas enfileiram-se por ruas medievais e se avizinham a castelos, palacetes e templos como o Dome e a Igreja de São Pedro. Por essas vielas, vale dizer, circulam Maseratis e Alfa Romeos, os chassis mais solicitados nas revendedoras locais. Incluído na lista de patrimônio cultural da humanidade, o Mercado Central é visitado por até 100.000 pessoas diariamente. É uma chance de conhecer as frutas silvestres, os peixes defumados e bebidas como a bálzans, destilado feito de berries. “Recomendo ainda a aventura de apanhar cogumelos em agosto”, diz João Grimberg, cônsul do país em São Paulo (40% da área de lá é coberta por bosques). Nessa época, a temperatura varia entre 11 e 21 graus — bem positivos. Uma ótima desculpa para bater pernas, além de comprar artigos de couro e colares de âmbar, especialidades luxuosas locais.