“O melhor presente que Deus me deu foi a deficiência visual”, afirma João Maia. O que poderia ser considerado uma tragédia se tornou um diferencial para o fotógrafo de 47 anos, segundo ele. João aprendeu a arte de registrar imagens na adolescência, aos 14 anos, antes de perder a visão.
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Ganhou de presente de um irmão sua primeira câmera analógica. Autodidata, escrevia às grandes marcas de fotografia da época, como Kodak e Fujifilm, para que lhe enviassem manuais de fotografia.
Ele deixou a pequena cidade de Bom Jesus, no Piauí, aos 20 anos. Juntou-se aos primos que já moravam na capital paulista e trabalhou como despachante, depois carteiro. A perda da visão aconteceu aos 28 anos. “Quando você começa a perder a visão, fica louco, desesperado”, relembra.
O primeiro diagnóstico veio incompleto: glaucoma. João fez tratamentos por um ano até agendar uma consulta no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e descobrir que, na verdade, havia desenvolvido uveíte bilateral, uma inflamação nas íris dos dois olhos.
O glaucoma foi apenas uma das consequências da doença. No olho direito, o fotógrafo teve perda total da visão. No esquerdo, enxerga apenas cores e vultos até 15 centímetros de distância. “Se tivessem descoberto antes, seria possível parar a inflamação e a perda não seria tão grave”, conta.
Depois de quase cego, viu sua vida mudar. E para melhor. Começou a praticar esportes pela primeira vez, fez natação, corrida de rua (com auxílio de voluntários como guias), mas se apaixonou pelo atletismo. Nos intervalos, parava para fotografar os colegas correndo na pista e depois passou a fotografar competições nacionais.
Em seu portfólio estão retratos de indígenas e jogos em estádios, mas seu tema favorito são paratletas. João conseguiu credenciais para fotografar a Paralimpíada do Rio 2016 e se apaixonou. Repetiu o feito no Japão em 2020.
O fotógrafo diz que não cobrirá a Paralimpíada de Inverno em Pequim (de 4 a 13 de março) porque não encontrou parcerias a tempo, mas já se prepara para as provas de Paris, em 2024.
Antes de fotografar, um assistente acompanha João para descrever o cenário e ajustar algumas configurações da câmera. O fotógrafo memorizou todos os botões da máquina e usa os outros sentidos para compor as imagens. O apito que dá início à prova, o barulho que os pés dos atletas fazem ao bater na pista, os gritos dos torcedores: todos os sons e sensações do ambiente são levados em consideração antes do clique final.
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Além de fotografar eventos, João ministra oficinas de fotografia para pessoas com e sem deficiência. “Meus alunos também querem aprender a fotografar usando os sentidos”, orgulhase. Atualmente cursa pós-graduação em fotografia e tem planos de lecionar na área. Mais sobre o trabalho de João está em fotografiacega.com.br.
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Publicado em VEJA São Paulo de 2 de março de 2022, edição nº 2778