Com talento (e tempo de sobra na quarentena), as irmãs Anna Laura Moura, 26, e Julia Moura, 19, decidiram lançar digitalmente uma marca que seguisse princípios feministas, apoiasse a comunidade LGBTQIA+ e enaltecesse a cultura negra. A Batú — derivado de batuque — oferece camisetas e ecobags bordadas pelas mãos das meninas em um estúdio em Franco da Rocha.
Julia, atriz e estudante de direção teatral na SP Escola de Teatro, assume a produção dos ensaios fotográficos da loja e também é responsável pela criação das peças. Aprendeu a bordar sozinha durante o isolamento social. Anna, jornalista, cuida da comunicação da marca e dos ensaios de divulgação. “Não é uma loja para só vender estampas fofas. Todas as peças têm uma mensagem por trás”, conta
Quatro coleções estão disponíveis no perfil do Instagram @usebatu_, pelo qual as peças são comercializadas via direct. Inaugurada em outubro, a primeira coleção da página, a Rebu, apresenta camisetas pretas com bordados brancos ou cinza. As peças são estampadas com palavras que causam alguma emoção, como “epifania”, “vendaval” e “penumbra”. Anna explica que o nome remete a bagunça e sentimentos caóticos, que às vezes são ignorados. “Ser good vibes é bom, mas se recolher e respeitar seus limites também”, diz a postagem na rede social.
A coleção de ecobags Cores tem três estampas à escolha — “Sol Azul”, “Nativa” e “Flor do Leste” —, todas de algodão cru.
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Uma releitura de pinturas renomadas é feita nas camisetas da coleção Retrato. “Preta do Brinco de Pérola” refere-se à obra Moça com Brinco de Pérola, de Johannes Vermeer. O perfil de uma mulher com cabelos black power é costurado na estampa. “Negros não são representados nas obras clássicas, a não ser como escravos”, afirma Paloma Pereira, 24, modelo do ensaio para a Batú. “Não acreditei quando me convidaram, porque sou gorda, fora dos padrões de beleza de propaganda.” Há cinco tamanhos de camisetas, que vão do P ao BG (referência a big grande) e todas as peças são unissex.
As camisetas custam de 50 a 56 reais e as ecobags variam de 52 a 60 reais. A cobrança é feita por boleto ou transferência bancária. A produção começou no quarto das meninas, mas, com a alta dos pedidos, criaram o estúdio Bateliê na casa vazia dos falecidos avós. Elas investiram 1500 reais na compra dos materiais e equipamentos. Depois de prontas, as peças são embaladas em papel de seda, amarradas com barbante e colocadas dentro de sacolas de papel pardo. Acompanham um pequeno envelope com poemas de poetas brasileiros contemporâneos, como a cuiabana Ryane Leão.
A entrega é feita pessoalmente em Franco da Rocha e Jundiaí, mas o preço do frete é incluído no valor final para outras regiões de São Paulo. Em dois meses, as irmãs faturaram 1200 reais. Elas pretendem criar um site para suprir a demanda que só cresce e já planejam as próximas criações.
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Nos ensaios para divulgação, Julia e amigos das irmãs também são modelos. Elas organizaram o cenário no Pico do Olho d’Água, em Mairiporã, com lençóis das cores predominantes da marca: marrom, usado no logo oficial, preto e branco, no tom das roupas.
A peça escolhida por Rafael Mendes, 19, é a Afroporu, releitura do famoso quadro de Tarsila do Amaral. “Minha camiseta é o Abaporu em um corpo gordo. A ideia é dar visibilidade a pessoas de tamanhos maiores, esquecidas pelas grandes lojas.” De acordo com Anna, a maioria dos clientes é de jovens de 18 a 29 anos, atraídos pelas pautas que a marca prega.
Em dezembro, foi lançada a coleção Frente, tributo às pessoas que estão no front de lutas sociais e usam a arte como expressão. “Apoie artistas vivos” é a primeira frase escolhida, bordada com letra que imita a fonte de máquina de escrever. Outras camisetas da série serão lançadas no decorrer deste mês e em janeiro. “As pessoas só ovacionam artistas quando eles morrem. Por que não valorizá-los enquanto estão aqui?”, questiona Anna. “Nós mesmas somos duas mulheres pretas tentando ser valorizadas no meio artístico”, complementa Julia.
Publicado em VEJA São Paulo de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718
*Este texto foi alterado.
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