Após quase quinze anos de trabalho intenso, desenvolvido nos laboratórios do Instituto Dante Pazzanese, na Zona Sul da metrópole, o engenheiro biomédico Aron Andrade vive um misto de entusiasmo e apreensão. Ele é o inventor do primeiro modelo de coração artificial brasileiro que atua ao mesmo tempo nos dois ventrículos (cavidades em que o sangue é bombeado) sem a substituição do órgão original. Dentro de um ou dois meses, Andrade começa a testar sua criação em seres humanos. No momento, cuida dos preparativos finais para que cinco pacientes recebam o sistema. Eles não reagem mais à medicação e se encontram na fila do transplante.
Na cirurgia necessária para a instalação do equipamento, o coração natural e o artificial serão ligados por canos de plástico — o segundo ajudará o primeiro a dar impulso à circulação. “O objetivo principal é proporcionar uma sobrevida de até alguns anos à pessoa, enquanto ela aguarda um doador”, diz Andrade. O tratamento será muito importante, considerando-se que hoje metade dos doentes morre nesse período de espera. Todos os beneficiados pela nova técnica vão precisar carregar fora do corpo um aparelho pouco maior que um sabonete, com a função de comandar a frequência das batidas. A engenhoca pode ser ligada na tomada ou em uma bateria que dura apenas duas horas (é preciso carregar várias, para o caso de um apagão).
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Experiências como essa estão em alta em São Paulo. O total de pedidos de patentes registrados no estado cresceu 16% entre 2007 e 2010. Nesse quadro, as invenções médicas se destacam. “O setor representa de 10% a 15% do total de inovações”, conta Jorge Ávila, presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). Uma parcela delas vem despertando a atenção internacional. É o que começa a acontecer, por exemplo, com o trabalho do biólogo Osvaldo Augusto Sant’Anna, do Instituto Butantan. Bisneto do pesquisador Vital Brazil, ele está testando uma técnica para transformar em doses orais as vacinas subcutâneas. Isso é possível graças à introdução de uma substância no preparo dos medicamentos: a sílica. Esse componente químico presente na natureza possui a capacidade de proteger as vacinas da ação dos ácidos que agem no estômago.
O projeto está em andamento há dez anos e consumiu até agora 50 milhões de reais do laboratório privado Cristália e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Dentro de aproximadamente um mês, será testado em humanos. “Poderemos economizar uma quantidade incalculável de seringas e agulhas”, ressalta Sant’Anna. A Cristália calcula que seu investimento no negócio, de cerca de 35 milhões de reais, será recuperado em até quatro anos a partir da chegada do produto nas prateleiras do Brasil e de outros países.
A Universidade de São Paulo, um dos principais celeiros de inventores, investiu mais de 2 bilhões de reais em pesquisas em 2011 — o que contribuiu para o pedido de registro de 95 patentes no ano. No câmpus da capital, a farmacêutica Silvia Berlanga descobriu que a pariparoba (um arbusto da Mata Atlântica) tem propriedade protetora contra os raios ultravioleta UVB, além de retardar o envelhecimento da pele. A conclusão resultou em um pedido de registro e despertou o interesse da empresa Natura, que adquiriu a licença de uso da planta no desenvolvimento de produtos cosméticos por dois anos. Geralmente, quando uma invenção é patenteada, pesquisador, instituto e investidor dividem os benefícios.
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A efervescência de projetos no setor de saúde reflete um movimento global. “No mundo inteiro, há um esforço muito grande em inovação nessa área”, diz Ávila, do Inpi. “Todos querem para si e para os outros maiores chances de cura e melhor qualidade de vida.” Na área médica, o maior mérito das invenções nacionais é baratear o tratamento de doenças. Em geral, os produtos que se originam dessas invenções são muito mais baratos do que os concorrentes de fora.
O coração do Dante, por exemplo, custará cerca de 60.000 reais. No exterior, equipamentos similares ao do hospital paulistano não saem por menos de 945.000 reais. “Estamos em negociação com o Ministério da Saúde para que o produto seja oferecido na rede do SUS”, adianta Aron. “Fico ansioso para ver vidas ser salvas.” Para que isso aconteça com maior abrangência, cientistas cobram mais investimentos em inovação. De acordo com um relatório da Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (Unesco) de 2010, o país investiu 43,5 bilhões de reais na área em 2008 — o que representa 1,09% do produto interno bruto (PIB) daquele ano. A taxa das nações ricas é de 2,28%.
AMIGO DO PEITO
Como funciona o novo sistema
1. Do tamanho de uma laranja, o aparelho nada mais é do que um par de bombas ligado a um motor elétrico, que ajuda o coração fraco a fazer o seu trabalho.
2. O equipamento é conectado a um pequeno computador, que controla a frequência cardíaca, e a uma bateria, com cerca de duas horas de duração. Também pode ser ligado na tomada.
LABORATÓRIO PAULISTA
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Stent farmacológico
Foi criado pelo cardiologista José Eduardo Sousa, do HCor, em 1999. A vantagem sobre o modelo tradicional é que, além de normalizar o fluxo de sangue em artérias obstruídas, a pequena mola metálica é revestida de uma droga que evita entupimentos futuros.
OrthoMouse
Criado por Julio Abel Segalle, cirurgião argentino radicado em São Paulo, o mouse é anatomicamente desenhado para atenuar sintomas e evitar lesões por esforço repetitivo. Desde o lançamento do produto no mercado, em 2007, cerca de 30.000 unidades foram vendidas.