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Herdeiros de Tarsila do Amaral brigam na Justiça por direitos da artista

Quatro sobrinhos-netos da pintora disputam quem vai administrar o licenciamento de produtos que usam obras da pintora

Por Hyndara Freitas
Atualizado em 28 Maio 2024, 09h13 - Publicado em 6 jan 2023, 06h00
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  • Uma das mais importantes e famosas pintoras brasileiras, Tarsila do Amaral morreu aos 83 anos, não deixou filhos — a única que teve faleceu antes dela — e agora, cinquenta anos depois, seus herdeiros disputam o controle de seus direitos autorais e do licenciamento de produtos que usam suas obras, em cifras que não são reveladas, mas que podem chegar aos milhões.

    O imbróglio familiar chegou à Justiça, e agora será feito um inventário para definir quais herdeiros terão mais ou menos dinheiro com eventuais explorações dos direitos da artista. Ao todo, há pelo menos trinta herdeiros, entre sobrinhos e sobrinhos-netos — as partes divergem sobre o número. Os sobrinhos-netos da pintora, Heitor do Amaral, Luis Paulo do Amaral, Paulo Henrique do Amaral e a homônima Tarsila do Amaral (conhecida como Tarsilinha), fundaram em 2005 uma empresa para administrar o legado da artista. Em maio de 2022, porém, Tarsilinha decidiu deixar a sociedade por divergências com os primos na gestão do negócio.

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    Com isso, Luís, Heitor e Paulo ajuizaram ações na Justiça paulista alegando que ainda não tiveram acesso ao site tarsiladoamaral.com.br, às redes sociais oficiais da artista e também pediram a nomeação de um inventariante, a fim de definir a que cada familiar tem direito na exploração dos direitos da artista. Essa exploração é ampla e envolve desde exposições dedicadas a ela em museus de todo o mundo até a produção de diversos itens com as obras de Tarsila, como cadernos, agendas, roupas, calçados, bebidas, brinquedos, mochilas, além de livros e produções audiovisuais sobre o universo da pintora.

    Na última década, Tarsila ficou cada vez mais pop, e a exposição recorde de público no Masp, na Avenida Paulista, em 2019, foi um exemplo da força. Antes, ela já havia sido homenageada em exposições pelo mundo e a popularidade da artista gerou cada vez mais interesse e mais conflitos entre os herdeiros. Tarsilinha disse à Vejinha que atua há mais de vinte anos sozinha para manter o legado da tia-avó, que morreu quando ela tinha 8 anos de idade. “Quando ela não tinha tanta visibilidade, eu fiz um trabalho de formiguinha. A família nunca se interessou, fiz realmente tudo sozinha. E modéstia à parte, fiz um trabalho muito bacana, é só ver o patamar em que ela está hoje. Depois desse grande sucesso, começou a ter interferência de outros herdeiros e começou a ficar complicado”, conta.

    Obras da artista estão espalhadas pelo mundo. Há quadros na França, Argentina, Estados Unidos e alguns no Brasil – na Pinacoteca do estado de São Paulo.
    Obras da artista estão espalhadas pelo mundo. Há quadros na França, Argentina, Estados Unidos e alguns no Brasil – na Pinacoteca do estado de São Paulo. (Eduardo Ortega/Masp/Divulgação)
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    Segundo ela, seu pai já cuidava de algumas autorizações das obras de Tarsila depois que ela morreu, mas era algo esporádico, até que ela decidiu assumir o cuidado pelo legado da tia-avó e diz ter recebido a anuência de familiares para isso. Mais tarde, fundou a empresa com os primos, cada um representando um “ramo” da família. “Quando ela morreu, eram quatro irmãos, entre eles o meu avô. Eu representava o meu avô, são três primos, um de cada irmão.”

    Segundo Tarsilinha, a sociedade já nasceu com problemas porque os outros não se interessavam ativamente pelo trabalho. “Muitas vezes eu precisava implorar para fazermos uma reunião. Até que em 2017 teve a exposição em Chicago, em 2018 no MoMA, fui tudo eu que fiz, fui atrás de licenciamento. Aí teve o Masp, que foi um sucesso estrondoso, aí eles começaram a se interessar, mas começamos a ter problemas. Eles queriam comandar tudo e eu, orientada por advogados, saí da empresa.”

    Do outro lado, o advogado Solano de Camargo, sócio do Lee, Brock e Camargo Advogados e representante de Heitor, Paulo e Luis, afirma que os três receberam a empresa “em um cenário de terra arrasada”, que não foram feitos os balanços financeiros devidos e que foi necessário contratar uma auditoria para avaliar a administração da empresa até aquele momento — que era feita por Tarsilinha.

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    “Com a saída dela, os sócios remanescentes resolveram profissionalizar a representação dos direitos da pintora no Brasil. Também foi contratada uma empresa de reposicionamento dos direitos autorais e o resultado é muito promissor, a Tarsila tem a possibilidade de representar para o Brasil o que a Frida Kahlo representa para o México. Mas a Tarsilinha não devolveu a administração das redes sociais, então a empresa teve que buscar isso judicialmente”, diz o advogado.

    Obra 'Operários', de Tarsila do Amaral, pode ser vista no Palácio dos Bandeirantes.
    Obra ‘Operários’, de Tarsila do Amaral, pode ser vista no Palácio dos Bandeirantes. (Governo do Estado de São Paulo/Divulgação)

    A Vejinha teve acesso a um laudo realizado por uma auditoria contábil que analisou os extratos bancários da empresa entre janeiro de 2016 e agosto de 2021. A análise concluiu que houve 1,9 milhão de reais de despesas no período, mas apenas 1,58% foi devidamente comprovado com documentos. Questionada sobre esse ponto específico, Tarsilinha respondeu que, orientada pelo seu advogado, só vai se manifestar a respeito nos autos.

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    Os três também ajuizaram uma ação pedindo que Paulo fosse declarado inventariante para administrar o espólio de Tarsila, o que foi deferido pelo Tribunal de Justiça no último 16 de dezembro de 2022. Pela lei, quanto maior o grau de proximidade, maior a porcentagem dos recursos pelos direitos autorais, mas todos recebem.

    O advogado afirma que há 37 herdeiros, enquanto Tarsilinha diz que o número chega a 57. “Assim como eles não querem que eu cuide do site, das redes, eu também não quero que eles cuidem. Isso me deixou com uma depressão enorme, eu sempre pensei nela, esse três nem conheceram a minha tia, não têm esse afeto, estão só pensando no dinheiro”, acusa ela, que diz que a briga deixou os processos de parcerias parados. A defesa dos outros herdeiros, porém, afirma que “há dezenas de negócios em andamento e a empresa está a pleno vapor”, e com o inventário haverá “uma legibilidade jurídica de que os contratos são feitos realmente por quem representa a empresa”. “Ela deixou a empresa, abandonou a administração e não é inventariante, então ela não tem proeminência alguma, é uma herdeira como os outros”, rebate. Ainda não há prazo para que a questão seja definida na Justiça.

    Publicado em VEJA São Paulo de 11 de janeiro de 2023, edição nº 2823

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