Tal qual acontecia com o “camaleão” David Bowie, a metamorfose da Galeria do Rock, no centro paulistano, só reforça sua identidade. A facilidade de baixar músicas via internet fez desabar o número de lojas dedicadas à venda de CDs, DVDs e vinis. Dos 450 pontos comerciais do pedaço, oitenta atualmente são dedicados a esses produtos. Dez anos atrás, eram 200. No mesmo período, ganharam espaço no local outros tipos de estabelecimento. A quantidade de estúdios de piercing e tatuagem mais que dobrou. Mas nada se compara à escalada das lojas de roupa, cujo número saltou de vinte para oitenta.
Essa matemática, porém, não mudou o perfil dos frequentadores (aos sábados, pico de movimento, a galeria chega a receber 36.000 pessoas). Isso ocorre porque as vitrines estão repletas de artigos de moda no estilo rebelde ou alternativo, como bonés hip-hop, tênis de skatistas ou botas e coturnos de metaleiros. “O espírito daqui permanece o mesmo, apesar dessas alterações”, afirma Antonio de Souza Neto, síndico do condomínio desde 1993 e reeleito recentemente para mais um mandato, até 2013.
A transformação pode ser notada, principalmente, no 1º e no 2º piso do prédio sinuoso projetado pelo arquiteto Alfredo Mathias nos anos 60. Um dos que iniciaram o movimento de renovação, em 2002, foi Mauro Sinzato. Ele fechou sua loja de discos para investir na grife de roupas Consulado do Rock. Com licença para estampar marcas como AC/DC, The Beatles e U2, sua empresa chega a vender, às vésperas das grandes turnês, mais de 10.000 camisetas de uma única banda no atacado e no varejo. “O mercado se profissionalizou e o público atualmente tem mais opções”, comenta Sinzato.
Há, é claro, os tradicionalistas que reclamam de tantas novidades. “O edifício está descaracterizado, virou um shopping center”, queixa-se Moacir Febraio, gerente da Aqualung, loja de discos de bandas progressivas como Yes e Pink Floyd, em atividade desde 1990. Ele atribui parte da transformação à novela Tempos Modernos, exibida pela TV Globo no ano passado, que tinha a galeria como um de seus cenários. “O movimento aumentou muito, mas são pessoas que não vêm para comprar, e sim para conhecer um point turístico.” Nostalgia à parte, o fato de o endereço agregar novas tribos ao grupo de “malucos beleza” que ali sempre bateu cartão parece vital hoje à sua sobrevivência. “A turma que está chegando traz um oxigênio novo ao negócio”, resume o síndico Souza Neto.