Cria da favela, já que nasceu em Paraisópolis, Flávia Campos Rodrigues, 24 anos, é a pessoa com menos idade e a primeira mulher a presidir a União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis, a mais importante associação do bairro.
+ Quem é Camila Lisboa, 1ª mulher presidente do Sindicato dos Metroviários
A jovem, que há sete anos nem sabia muito bem o que era a União, hoje, como “prefeita de Paraisópolis”, coordena doze ações de impacto social na favela, que realizam diretamente 43 200 atendimentos por ano e mais de 120 000 indiretamente, com direito a viagens ao exterior, a mais recente na comitiva da empresária Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magalu.
Atualmente cursando a sua segunda graduação, em direito, Flávia é vaidosa. Gosta de usar sapatos de salto alto e roupas alinhadas e exibe suas longas madeixas encaracoladas e um sorriso largo. Quem a vê hoje não imagina as dificuldades já vividas — de passar fome à pobreza menstrual (falta de condições para adquirir itens básicos como absorventes).
+ ‘Menino Maluquinho’: Netflix divulga trailer da série de animação
Filha de um pedreiro e de uma empregada doméstica, que ainda hoje luta para deixar de ser dependente de álcool, tem outros doze irmãos. Segundo conta, o vício da mãe impediu que fosse levada para o colégio, o que a fez repetir o terceiro e o quarto anos do ensino fundamental.
Mais tarde, com a separação dos pais, veio a fome. “Chegou a uma situação em que não existiam mais condições em casa e minha mãe não teve como nos sustentar.”
+ Hector Babenco ganha mostra no IMS com filmes restaurados e exposição
A saída foi ir morar com a avó materna em Vitória da Conquista, na Bahia. Na época a família era composta de sete irmãos, e só um deles ficou com a mãe em São Paulo. Entre outras funções, Flávia ajudou na plantação de mandioca da avó e também cuidava dos irmãos mais novos.
Ainda na Bahia, continuou a estudar e atuou como cuidadora de idosos. “Na minha cabeça, só a educação seria a saída”, diz. De volta a Paraisópolis cinco anos depois, aos 14 anos, encontrou uma situação muito pior em casa, já que sua mãe teve mais filhos e vivia apenas da renda do Bolsa Família.
Obrigada a dormir no sofá, já que não havia espaço em casa, Flávia, devido à situação de sua mãe, cuidou de seus novos irmãos. Depois de uma saga por moradia, que incluiu morar de favor com uma amiga e em uma obra que só contava com as paredes e o telhado, conseguiu emprego e dinheiro para alugar um barraco e chamou uma irmã para ir junto.
+ Vale do Ribeira terá festival LGBTQIA+ com shows e performances
Aos 16 anos, fazia faxina para se sustentar e ajudar a comprar leite e fralda para os irmãos, e, mais tarde, foi operadora de caixa num supermercado.
Aos 17 anos, conheceu a União dos Moradores e Comerciantes de Paraisópolis, onde começou a participar de cursos e, posteriormente, se engajou em trabalhos voluntários.
Na pandemia, coordenou o trabalho dos chamados presidentes de rua, um esquema que reunia 658 voluntários residentes na favela para cuidar, cada um, de moradores de cinquenta casas. Devido à sua atuação, foi convidada em 2021 para presidir a Associação de Mulheres do bairro. “Eu me questionava: ‘Como eu posso cuidar de mulheres, se nem o problema da minha mãe eu consigo resolver?’. Depois, aceitei o convite”, afirma.
+ League of Legends ganha grafite gigante em São Paulo
Com o destaque nos trabalhos que realizou, foi convidada pelo líder comunitário Gilson Rodrigues, 38 anos, que comandou a União por treze anos, para suceder a ele. Corajosa para enfrentar os desafios à frente do cargo, diz que seu único medo até agora foi o de entrar em um avião pela primeira vez. “Achei que ia morrer”, diz.
+Assine a Vejinha a partir de 9,90.
Publicado em VEJA São Paulo de 28 de setembro de 2022, edição nº 2808