Quem precisa imobilizar alguma parte do corpo com gesso costuma enfrentar alguns perrengues com o suor, o odor, o peso e as manobras necessárias para tomar banho sem molhar o curativo. “Além disso, ainda é pouco sustentável”, diz o fisioterapeuta Felipe Neves. “Seu descarte tem de ser feito por empresas específicas, e o material será enterrado, deixando o solo infértil, ou incinerado, poluindo o ar”, afirma. Foi ouvindo essas e outras queixas que Neves e seu sócio, o biomédico Hebert Costa, criaram a Fix It, empresa de órteses feitas de PLA, um plástico derivado da fermentação do bagaço da cana-de- açúcar, do milho ou da beterraba. Com uma impressora 3D, a partir de moldes desenvolvidos por eles, é feito o imobilizador que será colocado no paciente. Diferentemente do gesso, as peças são vazadas e biomiméticas. “Nossos ossos não são totalmente preenchidos, por isso são resistentes. Nosso produto é assim, sendo também arejado e até dez vezes mais leve que o gesso”, diz Costa.
O portfólio já soma trinta tipos de órtese de diferentes tamanhos para punhos, ombros, cotovelos e outras partes do corpo. Há produtos, por exemplo, para rizartrose e tendinite de Quervain. “São as doenças do século causadas pelo uso dos celulares, videogames e computadores”, explica Neves. Para o procedimento, o profissional da saúde avalia o tipo de órtese necessário e envia para a plataforma da Fix It com as medidas do paciente. Ali, será feita a fabricação da peça digitalmente. Depois, é encaminhada para ser impressa. “Sai da impressora uma placa plana e rígida. Ela é aquecida para ficar maleável como um tecido para ser ajustada no cliente”, diz Costa. Segundo eles, o material é biodegradável. “Se colocar em uma composteira, ele se desfaz em 45 dias”, diz Neves.
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Os dois se conheceram em Natal, no Rio Grande do Norte, durante um evento de empreendedorismo em 2015 em que precisavam desenvolver um produto para ser lançado no comércio. Costa, que na época trabalhava na área administrativa na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, apareceu com a sugestão de uma tala. “Além do serviço público, eu tinha investido em uma empresa de impressoras 3D, e cheguei com a proposta depois de estudar próteses para mãos”, diz. Chamou atenção de Neves, que trabalhava na Petrobras, em Mossoró, e que integrava seu grupo. “Era uma versão 1.0 da Fix It”, conta Neves. Ainda em seus respectivos trabalhos, começaram a desenvolver a ideia e apresentá-la nas feiras de empreendedorismo e reuniões para startups na Região Nordeste. “Era o ‘startup lifestyle’: a gente participava dos encontros, ganhava o concurso, mas não entregava valor para a sociedade, nem enchia o bolso, só o ego”, diverte-se Neves. No ano seguinte, ele pediu demissão para apostar de vez na empreitada. Ouviu profissionais, entre ortopedistas e fisioterapeutas, pacientes e outros potenciais clientes. “Eu vinha com a demanda do mercado, discutíamos as possíveis soluções e Costa aparecia com o resultado.”
A Fix It ganhou corpo quando foi convocada por uma aceleradora em São Paulo, em 2017. “Foi quando vimos o quanto estávamos atrasados. Éramos fuzileiros navais brasileiros ao lado dos SEALs da Marinha americana.” Em dez dias, se instalaram na cidade para colocar suas talas no mercado. “Foram algumas noites hospedados em um hostel e depois quatro meses em um apartamento sem mobília, dormindo em colchão inflável”, lembra Costa. Atualmente, fazem parte do grupo de startups Eretz.bio, iniciativa do Hospital Albert Einstein, em um prédio localizado na Vila Mariana.
No ano passado, implantaram um novo modelo de negócio para escalonar a produção. Em vez de fabricarem as peças e enviarem para as clínicas e hospitais, eles oferecem uma mini-franquia, com as criações padronizadas que desenvolveram. “Recomendamos uma impressora 3D e os interessados pagam uma adesão e uma mensalidade como se fosse um licenciamento para ter acesso aos arquivos digitais dos imobilizadores que serão impressos. Há também o plástico que fornecemos e que garantimos a qualidade”, diz Neves. Segundo ele, toda a estrutura para um franqueado sai por volta de 25 000 reais. “Se o hospital tiver uma unidade completa, a Fix It ficará mais em conta que o gesso”, garante Neves. Para o paciente, a órtese deve custar entre 50 reais e 300 reais, a depender do tamanho e do local a ser imobilizado.
Durante a pandemia, eles contam, houve aumento na procura das franquias. “Estávamos com dezessete e agora estamos com 41 franqueados, com início de operações em Portugal”, diz Neves. Também exploraram alternativas para a impressora durante o período de quarentena. “Fizemos cerca de 2 000 protetores faciais”, diz Costa. Entrou nos planos da dupla a curto prazo incluir insumos hospitalares no rol de itens. “Queremos ser um portal de referência de arquivos para impressão em 3D validados e testados para a área da saúde”, afirma Costa.
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Publicado em VEJA São Paulo de 7 de outubro de 2020, edição nº 2707.