Após a morte do arquiteto e urbanista Ruy Ohtake, aos 83 anos, em novembro de 2021, o filho dele, o arquiteto e designer Rodrigo Ohtake, 37, pensou em fechar o escritório onde o pai trabalhou por mais de quarenta anos, na Avenida Faria Lima. O negócio se alicerçava na figura do famoso projetista paulistano — e parecia incômodo manter a marca Ruy Ohtake Arquitetura e Urbanismo e outras pessoas assinarem os serviços. Mudou de ideia após conversar com um amigo. A solução: unificar os dois escritórios, o dele — mais dedicado ao desenho de mobiliário — e o do pai. Primeiro, Rodrigo repaginou o espaço. Colocou abaixo as divisórias e espalhou móveis feitos por ele e pelo próprio Ruy. Mas não era só uma mudança visual. Com um olho no legado familiar e outro no futuro, o jovem suprimiu os prenomes e manteve apenas o icônico sobrenome da família na empresa. “Não tem mais Ruy nem Rodrigo: é só Ohtake. É um sobrenome construído desde a minha avó (a artista plástica japonesa Tomie Ohtake), além de meu pai e do meu tio (o gestor cultural Ricardo Ohtake)”, ele explica.
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As palavras que definiam os antigos negócios também sumiram — como “arquitetura” ou “design”. E o que faz, afinal, a nova Ohtake? Bem, quase tudo: essencialmente arquitetura, mas também desenho de móveis, design gráfico, arquitetura de interiores, projetos de urbanismo e afins. “Tirei os prenomes para não ficar preso a uma pessoa. Tirei as atividades para não ficar preso a uma delas”, diz Rodrigo, que, claro, também mudou o CNPJ da empresa.
A repaginada inclui a forma de gerir a equipe. Diferentemente do pai, que centralizava o processo criativo e mantinha uma estrutura verticalizada, a cocriação e a colaboração ganharam espaço — praticamente ninguém do time antigo, que andava minguado ao final da vida de Ruy, integra a nova Ohtake, atualmente com seis colaboradores. “Eu poderia ficar recluso ou poderia tocar isso diante. A Ohtake é uma celebração à obra do Ruy, a continuação do legado dele. Não deixa de ser uma homenagem. Mas, até para ser fiel a esse legado, era preciso que não fôssemos conservadores. Não tem por que continuar fazendo exatamente como ele fazia antes”, diz o filho.
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Filho de Ruy e da arquiteta Silvia Vaz — a irmã dele, a diretora teatral Elisa, é filha de Ruy com a atriz Célia Helena —, ele sonhava em ser guitarrista. Em vez do dedilhar das cordas, afeiçoou os dedos ao lápis e ao papel. Desde pequeno, seus desenhos eram “arquitetônicos”, com casas e prédios. No acervo do pai —milhares de documentos que ele pretende doar—, encontrou alguns desses rascunhos de criança. Os almoços de domingo na casa da avó Tomie, onde o cardápio curiosamente costumava ser italiano, tinham como assunto a cultura e a arquitetura. A escolha, por fim, seguiu seu curso natural. Tal qual o pai, Rodrigo se formou na FAU-USP, onde Ruy foi um dos mais ilustres alunos, mas não uma unanimidade — nem todos ali aprovam a experimentação em formas e cores do arquiteto. “Nunca ganhei nota por ser filho de Ruy, mas já perdi”, ele diz.
No segundo ano da faculdade, começou a estagiar no escritório do pai, onde trabalhou por dez anos. Depois estudou em Milão e colaborou com nomes como os arquitetos Mario Biselli, Alvaro Puntoni e o designer francês Patrick Jouin. Em 2015, abriu o próprio escritório, na Vila Nova Conceição. Ainda que fizesse regularmente reformas e design de interiores (como no State Innovation Center, da Vila Leopoldina), foi arrebatado pelo universo de formas e escalas do mobiliário. “É o que mais gosto”, diz. Vale lembrar que Ruy também se dedicou a essa atividade e produziu cerca de noventa peças e dois livros sobre o assunto. Em 2021, com o arquiteto debilitado pelo câncer, Rodrigo voltou a dar expediente no escritório do pai.
Essa faceta menos conhecida de Ruy levou o filho a transformar o novo escritório também em espaço expositivo, com cerca de trinta móveis dele e do pai à mostra (foto abaixo). Rodrigo, porém, se lembra de relativizar essa mistura das obras — e dos negócios — no novo escritório. “Ao fundir os dois escritórios, fiz na devida proporção. O de Ruy Ohtake, com uma proporção gigantesca de 350 obras realizadas em 60 anos de história; e a de Rodrigo Ohtake, com obras pequenas ao longo de cinco anos de história. Então não tem mais Ruy Ohtake, não tem mais Rodrigo Ohtake. É só Ohtake.”
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Mesmo quando o tema é autoralidade e os pontos em que seu trabalho se aproxima da obra do pai, Rodrigo mostra um tom desprendido. “Se tenho meu próprio traço? Olha, é um tema que me preocupava mais no passado”, afirma. “Quando tinha meu escritório, eventualmente buscava esses caminhos, me propunha desafios… Dizia: ‘Vou fazer um projeto sem curvas’, mas no final acabava colocando alguma”, ele ri. Em seguida, se apressa a lembrar que várias negociações em curso na nova Ohtake surgiram da admiração que os interessados têm pela obra de Ruy. “Não fossem os sessenta anos de trabalho honesto dele, o escritório não teria esse impulso”, diz. O que parece importar, mesmo, é o laço preservado com o pai. Entre as saudades de Ruy, a principal é a dos diálogos que tinham. “Agora será um diálogo mais silencioso”, conclui.
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Publicado em VEJA São Paulo de 14 de dezembro de 2022, edição nº 2819