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A vez das Femtechs: startups criadas por mulheres agitam mercado

Uma onda de marcas inovadoras voltadas às mulheres faz surgir novos produtos, soma vendas milionárias e tenta “hackear” o machismo do universo tecnológico

Por Pedro Carvalho
Atualizado em 27 Maio 2024, 18h59 - Publicado em 23 dez 2021, 06h00
Imagem mostra duas mulheres, uma em pé, com um dos pés em uma escada. A outra, sentada na escada.
Marina Ratton e Marina Sampaio, sócias da Feel. (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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O mundo das startups, negócios inovadores e baseados em tecnologia, teve diferentes “ondas” nos últimos anos — em dado momento estavam na moda as fintechs (as financeiras digitais), noutro as edtechs (voltadas à educação), e assim por diante. Só uma coisa não mudou: o viés profundamente masculino do clubinho.

Ainda hoje, apenas 4,7% das startups brasileiras são fundadas exclusivamente por mulheres e só 9,8% delas têm alguma mulher entre os fundadores. Ou seja, mesmo que o tema da diversidade tenha invadido o universo das empresas, no nicho da inovação nove em cada dez negócios ainda são criados somente por homens. Pior: quase não houve evolução.

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Dez anos atrás, as startups lançadas só por mulheres eram 4,4% do total, segundo dados do Female Founders Report, estudo de 2021 com 13 000 empresas, feito pela plataforma de inovação Distrito. Nos últimos meses, felizmente, uma safra de startups criadas por mulheres — e, principalmente, voltadas a elas — tem sacudido esse marasmo.

Nelas, os produtos são sempre feitos para o público feminino, sejam eles testes hormonais de aplicar em casa ou um lubrificante vegano com embalagem chique e discreta. Servem, quase sempre, para temas ligados à saúde ou ao sexo. O termo “femtech”, usado para essas empresas, não é novo: foi criado em 2016 por uma dinamarquesa.

No Brasil, nunca virou um tsunami capaz de mudar o mercado. Durante a pandemia, porém, diversos negócios do tipo surgiram ou se estabeleceram em São Paulo — e têm feito sucesso. São empresas não só fundadas por mulheres, mas, às vezes, financiadas por elas.

“É um fenômeno incipiente, está acontecendo agora”, diz Rafaela Bassetti, à frente da Wishe, uma plataforma que reúne investidoras para as femtechs. Lançada em março, já arrecadou 1,6 milhão de reais, investidos em três marcas (uma delas, a Feel). “Mais de 80% dos aportes são feitos por mulheres, que viram sócias das startups”, diz.

VEJA SÃO PAULO conversou com cinco femtechs na B2Mamy, coworking em Pinheiros com espaço para bebês que virou um centro do movimento. “Fomos pioneiros na cidade, que tem mais espaços pet friendly que baby friendly”, diz a sócia Dani Junco.

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Lubrificante de cara nova

A Feel criou um lubrificante íntimo diferente dos vendidos em farmácias. “Constatamos que as mulheres achavam os produtos do mercado feios, químicos e não naturais. Muitas têm vergonha de colocá-los na cestinha para passar no caixa”, diz Marina Ratton, 35, fundadora da marca.

Lançada em outubro de 2020, a versão da Feel é natural, vegana e tem uma embalagem com cara de produto de cuidados pessoais. “Nosso maior diferencial é o posicionamento. Você deixa o lubrificante em cima da mesa do quarto sem problemas”, diz.

A ideia atraiu o dinheiro de investidores — ou melhor, investidoras. Para sair do papel, a Feel recebeu um aporte de 550.000 reais, dos quais 84% vieram de outras mulheres. As apoiadoras se tornaram donas de 10% do negócio.

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“Com o recurso, conseguimos expandir a área de atuação. Além da linha sexo, criamos uma de limpeza, com sabonete íntimo”, diz a sócia Marina Sampaio, 38. Apesar da proposta sem vulgaridades, a marca tem problemas com as barreiras impostas pelas redes sociais, que bloqueiam conteúdos que consideram eróticos.

“Tivemos até posts sobre menopausa e menstruação removidos pelas plataformas, embora falassem de saúde e não de sexo”, diz Ratton. “Isso acontece porque a área de tecnologia ainda é predominantemente masculina”, ela afirma.

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Ajuda para a gravidez

A Gestar é uma plataforma digital que ajuda as mulheres a encontrar profissionais de saúde materno-infantil. “Temos mais de vinte especialidades, como obstetras, doulas e pediatras. Damos assistência desde a tentativa de engravidar até a primeira infância”, diz Giovana Sgreccia, 38, sócia da startup, criada em novembro de 2020.

Até agora, o site tem 180 especialistas, todas mulheres. São elas que pagam pelo uso da plataforma, que é gratuita para as mães. “Fazemos uma curadoria da equipe com foco em ciência e respeito”, ela afirma.

Imagem mostra mulher em escritório, sentada em uma cadeira. Ela veste roupas coloridas e sorri para a câmera.
Giovana Sgreccia, sócia da Gestar. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Giovana decidiu apostar na ideia após sentir falta de uma solução similar no mercado. “Quando engravidei, em 2018, não consegui encontrar um lugar com esses perfis de profissional”, lembra. Ao voltar da licença-maternidade, a economista acabou demitida do banco Itaú, onde trabalhou por catorze anos.

“Comecei a desenvolver uma ferramenta para resolver o problema. Ao saber que a Lettycia (Vidal, 26, fundadora da Gestar) estava criando algo parecido, propus uma sociedade. Viramos sócias durante a pandemia, por meio de chamadas de vídeo”, ela diz.

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A startup foi uma das selecionadas para participar de programas de aceleração de negócios, como o da B2Mamy, em Pinheiros. Também recebeu investimentos do Google for Startups e do Black Founders Fund, um fundo voltado a empreendedores negros — como é o caso de Lettycia.

Discreto, bonito e potente

Foi-se o tempo em que existiam apenas vibradores vulgares, em formatos fálicos e embalagens de mau gosto. O modelo da Lilit, lançado em agosto de 2020, é o contrário disso: discreto, insuspeito, feito com um material agradável ao tato e design refinado.

“Fomos a primeira marca brasileira a lançar um ‘vibrador proprietário’ (de grife própria, não “genérico” como os das sex shops). É um modelo pequeno, mas potente”, afirma Marília Ponte, 27, fundadora da startup.

Imagem mostra mulher de calça jeans e top verde em pé, sorrindo para a câmera. Ao fundo, uma estante de metal preta.
Marília Ponte, fundadora da Lilit. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

O aparelhinho (um “bullet”, como se diz nesse mercado) é o único produto vendido pela empresa, que deve faturar 1 milhão de reais no ano. “Houve uma alta procura por vibradores na pandemia”, conta Marília, que começou o negócio com 200 000 reais de empréstimos e de economias próprias.

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A Lilit conseguiu incluir o item em grandes comércios eletrônicos, como o da Magazine Luiza. Mas, como acontece com outras femtechs (veja a Feel), sofre com restrições das redes sociais. “Não podemos ter lojinha no Instagram ou criar conteúdos patrocinados. Até nosso WhatsApp foi banido por falar de sexualidade”, afirma Marília.

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A solução para conversar abertamente com a clientela foi recorrer ao bom e “velho” e-mail. “Temos 12.000 mulheres inscritas no mailing, que recebem nossos conteúdos educativos”, revela

Menstruação sem grilos

Triatleta amadora, Elisa Spader, 32, vivia preocupada com a possibilidade de ficar menstruada durante uma prova esportiva. A solução que conhecia eram os coletores menstruais, vendidos por marcas como a Pantys. Ao pesquisar o assunto, ela concluiu que esse mercado era pouco explorado no país.

Em junho, lançou a Yuper, uma grife de coletores que trouxe inovações: são biodegradáveis, têm texturas que ajudam no manuseio, marcam o volume de fluxo coletado e possuem um aplicativo para acompanhar essas medições e outros indicadores.

Imagem mostra mulher de calça jeans e camisa cinza com estantes de madeira atrás.
Elisa Spader, fundadora da Yuper. (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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Em poucos meses, o produto atingiu 3 milhões de reais em vendas e o aplicativo tem mais de 15.000 usuárias. Além disso, a startup atraiu 1,5 milhão de reais de investidores para sair do papel — o que permitiu luxos como contratar a atriz Cleo Pires para a campanha de lançamento.

“Os vídeos impactaram 20 milhões de mulheres”, conta a empreendedora. “Das 20.000 clientes que compraram o coletor, aproximadamente 60% moram em São Paulo”, ela afirma.

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Nascida na pandemia, a empresa tem a cara dos novos tempos. “Vou me mudar para fazer um MBA no Canadá, mas a Yuper continua normalmente: ela nasceu remota e seguirá remota”, conta Eliza. “A onda das femtechs trouxe algo pelo qual eu ansiava: uma roda de mulheres para falar de negócios”, conclui

Para escolher quando ter filho

Três anos atrás, Amanda Sadi, 33, fez um exame e descobriu que tinha baixa contagem ovariana, ou seja, não possuía tantos óvulos quanto o esperado. “Precisei encarar minha fertilidade”, relembra. A experiência serviu não apenas para questões de saúde, mas mostrou a ela uma oportunidade de negócio.

“Percebi que o teste era caro (por volta de 700 reais) e os convênios não o cobriam”, diz. Ex-funcionária de empresas de tecnologia como o Google e o Waze, Amanda decidiu trazer para o Brasil um autoteste mais econômico (custa 359 reais), proposta pioneira no país.

Imagem mostra mulher sentada vestindo roupas coloridas. Ela sorri para a câmera e segura uma caixa branca com uma das mãos.
Amanda Sadi, fundadora da Fertilid. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Nesse formato, a cliente recebe um kit e faz a coleta de sangue em casa. “O exame aponta quanto tempo ela ainda deve ter para engravidar”, explica a empreendedora. “A informação é cada vez mais importante, afinal a fertilidade da mulher diminui justamente quando ela costuma estar no auge da vida profissional, ou seja, precisa tomar decisões que impactam no planejamento familiar”, afirma.

A Fertilid, lançada em agosto, já fez mais de 140 exames e captou investimentos de 1 milhão de reais. “Vamos desenvolver outros testes ligados à saúde reprodutiva”, adianta.

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Publicado em VEJA São Paulo de 29 de dezembro de 2021, edição nº 2770

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