Avatar do usuário logado
OLÁ,

Famílias descobrem pelo Instagram que suas casas devem ser demolidas

Moradores da Zona Sul souberam por uma postagem de rede social que seus lares devem dar lugar a um terminal de ônibus

Por Clayton Freitas
Atualizado em 27 Maio 2024, 21h11 - Publicado em 16 dez 2022, 06h00
Foto de moradores segurando cartaz escrito "Não à desapropriação" no meio da rua no Jardim Vilas Boas
Moradores do Jardim Vilas Boas em protesto contra a desapropriação (Pedro Piai/Veja SP)
Continua após publicidade

Sempre antenado com os fatos do bairro onde mora, o Jardim Vilas Boas, na Zona Sul, o professor Paulo Lima, 52, se assustou ao ler uma postagem no Instagram em setembro. O texto, publicado pelo perfil “Foco no Jardim Miriam”, que traz notícias da região, informava que a casa dele e as dos vizinhos viriam abaixo para permitir a construção de um terminal de ônibus da prefeitura. “Causou muita surpresa. Considerei uma enorme falta de respeito”, diz.

+ Justiça decreta falência de Alexandre Frota por dívidas de R$ 1,4 milhão

A mensagem procedia. E, dessa maneira, Lima e os vizinhos descobriram que em 7 de julho o prefeito Ricardo Nunes (MDB) assinou um decreto que transformava 18 000 metros quadrados da região em área de utilidade pública para desapropriação. A medida atingia cerca de 600 famílias que moram em 130 imóveis no bairro.

A maioria não gostou e passou a protestar. “Meu pai trabalhava a semana toda e, de sábado e domingo, juntava a família para erguer essa casa. Foi muito sacrifício”, diz Joanita Silva, 83, no bairro há sessenta anos — ela mesma ajudou a levantar o sobrado e lembra que o barro dos tijolos vinha das margens de um córrego da região. “Aqui era tudo brejo e mato. Para onde vamos? Não dão a mínima para a gente”, diz Adolfo Sorge, 73, há 59 anos no Jardim Vilas Boas.

Foto de Adolfo, usando camiseta vermelha e calça jeans, em frente a sua casa
Adolfo mora há 59 anos no imóvel no Jardim Vilas Boas (Pedro Piai/Veja SP)
Continua após a publicidade

A rua mais atingida pela decisão da prefeitura é a Gomes de Amorim, entre a Luís Stolb e a Francisco Alves de Azevedo. Em setembro, a SPTrans — que gerencia o transporte público na capital — publicou um edital para contratar o projeto do terminal, prometido há anos para a região. Nos planos de Nunes, a construção deve sair do papel até o final do atual mandato, em 2024.

Na opinião da advogada Mariana Chiesa, doutora em direito do estado pela USP, embora a prefeitura não seja obrigada por lei a avisar previamente os moradores sobre um decreto de desapropriação, essa regra foi criada em uma época autoritária, em 1941, na ditadura de Getúlio Vargas, e não condiz com os tempos atuais. “Não existe uma obrigação, mas seria de bom-tom o aviso, como uma melhoria de práticas internas da prefeitura”, afirma a especialista.

+ Transporte público grátis para idosos volta a valer em São Paulo

Continua após a publicidade

O decreto é o primeiro passo para que os imóveis sejam desocupados, o que não tem data para ocorrer. A prefeitura vai publicar um ato chamado de fase executória. Só então moradores e poder público podem entrar em acordo sobre os valores das indenizações — ou recorrer à Justiça.

Os moradores — amplamente favoráveis à instalação de um terminal de ônibus no bairro — dizem ter feito pesquisas e sugerido outras áreas à SPTrans. A empresa afirma, em nota, que as sugestões foram analisadas e que o processo tem sido transparente “e pautado pelo diálogo com a comunidade”. Por fim, informa que o projeto original será levado adiante.

A SPTrans alega ainda que o terminal está previsto em lei, no Plano Diretor e no Programa de Metas do município. “A indicação da área considerou aspectos técnicos como topografia plana, condições e disponibilidade da oferta de transportes, possibilidade de conexão com outros modos de transporte e questões sociais, como os interesses de deslocamento e a proximidade aos serviços essenciais”, justifica. “A instalação levará benefícios não apenas de transporte público, mas para o desenvolvimento da região”, diz a nota.

Continua após a publicidade

Publicado em VEJA São Paulo de 21 de dezembro de 2022, edição nº 2820

+ Assine a Vejinha a partir de 9,90.

Publicidade