Tudo parece conspirar para uma noite perfeita do casal: o restaurante foi escolhido a dedo para criar o clima romântico, a música é ideal e o papo engrena, regado a um bom vinho. Até que os problemas começam a se suceder. Primeiro, o rapaz leva um esbarrão nas costas de um vizinho que se esgueira entre as mesas para chegar ao banheiro. Depois, a bandeja de um garçom passa raspando por sua cabeça. Apesar de tudo, o cliente não se abala. Ele respira fundo, sorri, olha para a amada e, bem na hora em que vai se declarar, escuta: “Isso é muito típico, você não presta!”.
A interrupção veio da mesa ao lado, onde uma mulher discute a relação com o marido. A proximidade é tanta que não há como não ouvir. Esse tragicômico roteiro poderia se passar em muitos endereços da cidade. Inconvenientes provocados por falta de espaço também testam a paciência dos paulistanos que vão a teatros, casas de shows e cinemas. Muitos deles parecem ter sido projetados para quem possui cintura de bailarina ou físico de faquir indiano. Com isso, os paulistanos que possuem medidas dentro dos padrões acabam passando inevitavelmente por situações de aperto. Portadores de deficiência e pessoas com peso ou altura acima da média sofrem ainda mais com a situação.
E bota aperto nisso. Munidos de trenas, dez repórteres de VEJA SÃO PAULO saíram a campo nos últimos dias para medir as instalações de 72 estabelecimentos da capital. O objetivo era checar quanto a sensação de claustrofobia propiciada por alguns ambientes tinha relação direta com a pouca distância entre mesas, cadeiras ou poltronas. Os resultados foram surpreendentes. Cerca de 60% dos pontos apresentaram problemas.
Os teatros e restaurantes lideraram o ranking negativo. Nesses casos, aproximadamente 70% dos locais testados têm uma disposição interna que propicia calor humano além da conta. Não apenas os clientes têm motivos para se queixar. “Precisamos ser malabaristas, andar na ponta dos pés e equilibrar as bandejas”, reclama o garçom Edvan Barbosa, com duas décadas de experiência no ramo e passagens por endereços como o Terraço Itália e o bufê Leopolldo.
Para os especialistas, certos recintos, de tão estreitos, põem em risco até a segurança de seus frequentadores. “No caso de uma emergência, a organização ruim de um lugar pode dificultar o escoamento das pessoas”, afirma a arquiteta Fernanda Marques, especializada em projetos de estabelecimentos comerciais, que prestou consultoria à revista na organização do teste.
+ Bares, teatros e outros estabelecimentos onde sobra gente e falta espaço
Não há uma lei que regulamente a questão na cidade. Mas os especialistas estimam entre 70 e 120 centímetros o limite mínimo para separar mesas de bares e restaurantes. Nas medições de VEJA SÃO PAULO, vinte deles ficaram abaixo dessa média — o equivalente a 70% da mostra de restaurantes. O Le Jazz Brasserie, em Pinheiros, por exemplo, radicalizou a receita que o inspirou, a dos apertadíssimos bistrôs parisienses. No salão, o clima forçado de congraçamento entre as pessoas chama atenção. Muitos ficam a uma distância de 29 centímetros do vizinho ao lado. O clima badalado, a boa comida e a clientela diversificada ajudam a amenizar a experiência. Mas, conforme os próprios donos admitem, não vá para lá pensando em privacidade. “Aqui não é lugar para terminar namoro”, brinca o proprietário Gil Carvalhosa Leite.
RESTAURANTES — Os mais apertados
(em um total de trinta restaurante medidos)
1º Le Jazz Brasserie — 29 cm é a menor distância entre as mesas
2º Beth Cozinha de Estar — 30 cm é a menor distância entre as mesas
3º 210 Diner — 30 cm é a menor distância entre as mesas
4º Marcelino Pan y Vino — 30 cm é a menor distância entre as mesas
5º Arola Vintetres — 33 cm é a menor distância entre as mesas
RESTAURANTES — Os mais espaçosos
(em um total de trinta restaurante medidos)
1º Casa da Fazenda do Morumbi — 124 cm é a menor distância entre as mesas
2º Fasano — 116 cm é a menor distância entre as mesas
3º Cantaloup — 107 cm é a menor distância entre as mesas
4º Bráz (Moema) — 106 cm é a menor distância entre as mesas
5º Shigueru — 90 cm é a menor distância entre as mesas
Ao sacrificarem o conforto em nome da maior rentabilidade do negócio, os empresários podem dar um tiro no pé. Diz o arquiteto Otávio de Sanctis, que já assinou 350 projetos na área gastronômica: “Por uma questão cultural, o paulistano não se sente confortável em compartilhar a refeição com um desconhecido. Ao impor essa proximidade, em vez de atrair mais clientes, o proprietário acaba repelindo-os”.
Na entrega do projeto arquitetônico, os autores costumam oferecer duas configurações: uma para a capacidade mínima e outra para a máxima. Uma vez que a formação de filas na porta pode funcionar como um bom marketing, muitos donos economizam nas mesas no início do negócio. Depois de um tempo, novos assentos brotam como que por milagre. “Já vi um bar passar de 180 para 320 lugares em dois meses, sem mudar de tamanho”, conta Sanctis.
Quando se vê em apuros, Niqui Petrakis, gerente do restaurante grego Acrópoles, no Bom Retiro, lança mão da tática efeito sanfona e coloca quatro mesas extras na calçada. Na contramão, a chef Paola Carosella, do Arturito, em Pinheiros, retirou dez cadeiras de seu salão no fim do ano passado. Quando os quinze assentos da espera estão ocupados, ela jura que fecha as portas. “Não quero ninguém em pé”, diz.
No Mocotó, na Vila Medeiros, a fila chega a durar três horas em um sábado. Apertados no bar ou espalhados pela calçada, os fregueses entram no clima descontraído enquanto aguardam para degustar os quitutes bons e baratos de Rodrigo Oliveira. Sorte do chef. “Acomodar mais gente seria impossível, nossa área já é mínima”, admite. Perto dessa simpática mas limitada casa da Zona Norte, alguns estabelecimentos parecem latifúndios. No Fasano, a média de distância entre as mesas é de 116 centímetros — oito a menos que o campeão de conforto da pesquisa, a Casa da Fazenda, no Morumbi.
Nos endereços dedicados à música, os arquitetos recomendam uma distância entre as mesas de, pelo menos, 110 centímetros. Isso porque as cadeiras, dispostas de perfil para o palco, são viradas de frente para garantir melhor visibilidade durante a apresentação. Assim, o espaço no corredor de passagem fica ainda menor. Três dos seis locais visitados pela reportagem ficaram abaixo dessa média. Com 90 centímetros, o HSBC Brasil obteve o pior desempenho no levantamento. “Quando estamos lotados, recebemos algumas reclamações”, diz o diretor operacional Rodrigo Demarco. “Mas isso não compromete a segurança.” Compromete, talvez, a diversão. Afinal, ninguém merece assistir a um show grudado numa fã que faz questão de entoar as letras das músicas em alto e bom som.
Em auditórios, o maior incômodo decorrente do aperto é o senta-levanta até que todos estejam acomodados para o início do espetáculo. “O espaçamento ideal entre encostos paralelos deve ser igual ou superior a 1 metro”, afirma a arquiteta Fernanda Marques. Porém, 80 centímetros já são considerados aceitáveis pelos especialistas. Praticamente todas as quinze salas de cinema visitadas seguem a recomendação.
“Antigamente, tudo era projetado para abrigar o máximo de gente”, lembra Conrado García Ferrés, da FMC Arquitetura, responsável pela rede Cinemark. “Hoje há um padrão.” O mesmo não ocorre em outros tipos de salas. Na sexta (13), 500 pessoas lotaram o Teatro Faap, no Pacaembu, para aplaudir Marco Nanini, protagonista de “Pterodátilos”.
Os namorados Maiara Viudes, de 23 anos, e Max Leite, de 25, compraram ingressos de última hora e ficaram com as poltronas da ponta. Precisaram levantar-se algumas vezes para que outros espectadores transpusessem a barreira dos 66 centímetros que separam as fileiras e chegassem a seus lugares, no meio da plateia. “Faz parte”, dizia ele, quando foi interrompido pelo terceiro sinal. Tomara que o jovem casal tenha tido mais sorte no jantar após a peça.
*Colaboraram Carolina Giovanelli, Clara Nobre de Camargo, Dirceu Alves Jr., Isabella Villalba, Marcelo Ventura, Meriane Morselli, Miguel Barbieri Jr., Nathalia Zaccaro e Pedro Ivo Dubra