André Herculano dos Santos, de 35 anos, tinha uma rotina parecida com a de muitos paulistas que se dividem entre o interior e a capital por causa do trabalho. Pegava um ônibus aos domingos em sua cidade, Santa Bárbara D’Oeste -cerca de 140 quilômetros distante de São Paulo-, e descia na Rodoviária do Tietê. De lá, seguia de metrô até a Estação Sé, fazia uma baldeação e terminava a jornada na Estação Marechal Deodoro. Seu endereço paulistano era o bairro de Higienópolis. Na noite do último domingo (12), ele morreu ao cair da plataforma da Sé por volta das 21h45.
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Santos era cego desde os cinco anos de idade. A deficiência não o impediu de fazer duas faculdades: Pedagogia e Análise de Sistemas. Com a primeira, conseguiu atuar como professor em centros especializados para cegos e em universidades, a Fundação Armando Alvares Penteado (Faap) entre elas. A segunda formação lhe garantiu um emprego na Vivo, empresa na qual atuava desde 2010.
“Ele era muito independente, mas extremamente cauteloso. Fazia esse trajeto duas vezes por semana e usava transporte público para ir ao trabalho diariamente. O André foi vítima justamente da falta de acessibilidade e dos direitos dos deficientes”, afirma a costureira Elizena Teixeira, de 45 anos, sua esposa há nove. O casal não teve filhos, mas Santos ajudou a criar a menina e o menino (de 26 e 15 anos) do casamento anterior de Elizena.
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Além de analista de sistemas e professor, Santos era escritor com três livros publicados: Um passo para compreender, Repensar: o pensar e o agir e Reflexões de um educador, esse último de poesia. Seu hobby era lutar capoeira. “Foi uma tragédia. Agora, estou tentando sobreviver”, diz Elizena.
Investigação
A Polícia Civil instaurou um inquérito para apurar se a morte do analista de sistemas não teria sido homicídio -até agora, porém, as evidências apontam para um acidente. De acordo com relatos e imagens do circuito interno, Santos entrou na Estação Portuguesa-Tietê da Linha 1-Azul acompanhado por um homem e não solicitou ajuda a nenhum funcionário. Na Luz, o acompanhante se despediu do analista, que continou a viagem sozinho até a Sé.
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Ao fazer a baldeação e chegar à Linha 3-Vermelha, ele apressou o passo para alcançar o trem. Na plataforma, usou a bengala para se certificar que a composição estava lá. Confundiu o espaço entre dois vagões com as portas abertas e avançou. Na verdade, as portas já estavam fechadas e o trem pronto para partir. No boletim de ocorrência, consta que ele foi atropelado.
O Metrô afirma que acompanha todos os deficientes que entram no sistema sozinhos ou os que, mesmo com alguém ao lado, solicitam ajuda. O deficiente pode, no entanto, recusar a assistência.
Portas de proteção
Questionado sobre a necessidade de instalação de portas de proteção nas plataformas, a exemplo da Linha 4-Amarela, o Metrô afirma que havia planos para a instalação do equipamente, mas problemas com a empresa que prestaria o serviço levaram ao rompimento do contrato. As portas chegaram a ser instaladas na Estação Vila Matilde da Linha 3-Vermelha, mas jamais funcionaram a contento – continuam lá, mas só operam no fim de semana. Outras doze paradas (incluindo a Sé) também receberiam a tecnologia antes do rompimento entre a empresa e o governo, no final do ano passado.