Rodrigo Ianhez tem 17 anos e é capaz de dar uma aula sobre a Etiópia. “A cultura rastafári vem de lá, dos seguidores do imperador Hailé Selassié”, diz. Seu conhecimento não saiu de almanaques sobre reggae, como seria natural para a sua idade. Mas de muito estudo para representar aquele país numa assembléia mirim da Organização das Nações Unidas (ONU). O evento, promovido anualmente por algumas universidades do país, entre as quais PUC e Faap em São Paulo, reúne cerca de 600 jovens de 15 a 18 anos das melhores escolas da cidade. Mais que promover um embate de alunos-prodígios, as simulações são um exercício de negociação. Os estudantes vivenciam a dinâmica de um fórum internacional e têm de aprender a ouvir a opinião alheia (além, é claro, de assimilar algumas regras básicas, como pedir autorização para falar). Cada escola monta uma delegação de no máximo oito estudantes, que fica responsável pela defesa de um país, definido por sorteio. “Já representei também a Rússia, o Kuwait, o Brasil e os Estados Unidos”, conta Ianhez, que contabiliza onze participações em debates organizados pelo seu colégio, o Nossa Senhora das Graças, mais conhecido como Gracinha, no Itaim Bibi.
Criado no início da década de 50 pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, esse tipo de debate começou a ser utilizado como atividade pedagógica escolar em meados de 1990. A diferença entre os fóruns de universitários e os de colegiais está na complexidade dos temas tratados. Os mais jovens discutem, por exemplo, os problemas da urbanização desenfreada, da pobreza na África e do aquecimento global. Os mais experientes, por sua vez, encaram questões de disputa comercial, como pirataria e biocombustível, e temas espinhosos como a segurança internacional colocada em risco por algumas religiões. Outra diferença é que no ensino médio as simulações muitas vezes repetem momentos históricos, para adaptar a atividade ao que é pedido no vestibular. Na foto que ilustra a abertura desta reportagem, alunos do Gracinha revivem o momento em que os países árabes se sentam à mesa para decidir se dariam apoio aos Estados Unidos de George W. Bush, na iminência da intervenção no Iraque em 2003.
“Nunca vi uma metodologia tão envolvente, à qual o aluno se entrega tanto”, afirma o professor Luiz Alberto Machado, da faculdade de economia da Faap. Os alunos chegam a ficar oito horas em reunião e adoram quando se instala uma “crise”, momento em que se torna proibido sair da sala até que uma decisão majoritária seja tomada. “Devemos retaliar Saddam Hussein?”, perguntam-se os jovens diplomatas na simulação da Liga dos Países Árabes de 1990, anterior à Guerra do Golfo. “O que o Ato Institucional número 5 deve reprimir?”, questionam os dublês de ministros brasileiros na suposta reunião do Conselho de Segurança Nacional em 1968. É curioso notar como os jovens ganham maturidade nesse exercício de ver o mundo sob outro ângulo – sem que isso signifique reproduzir as idéias (em geral esquerdizantes) dos professores. “No início, todos atacam os Estados Unidos”, nota o professor Machado. Então a equipe americana se prepara para rebater os lugares-comuns e, aos poucos, o debate ganha ritmo e pluralidade de idéias. Enfim, surge uma atividade escolar que induz os alunos a pensar por si próprios.
“Decoro, decoro!”
Eis o código de comportamento dos alunos durante as simulações diplomáticas
Traje: terno para eles e blazer ou tailleur para elas
Vocabulário: gírias e palavrões são repreendidos com marteladas na mesa e pedidos de decoro. Os estudantes se tratam por senhor, não por você
Hierarquia: um dos alunos é o diretor e faz a mediação do debate. Ele decide por quanto tempo cada delegado pode falar, autoriza pausas e é responsável por dar ritmo às discussões
Duração: em média, seis horas. O debate só tem fim quando os participantes produzem um documento com os termos acordados ou que ainda ficaram abertos, já que algumas discussões terminam em impasse