O americano Nader Naeymi-Rad entrou, em 2008, pela primeira vez no número 663 da Quinta Avenida, em Nova York, de bermuda, camiseta e tênis. Imaginou que, devido aos trajes informais, seria ignorado pelos vendedores vestidos de Ermenegildo Zegna na então novíssima megaloja da marca italiana, a segunda mais completa do mundo depois da localizada na Via Montenapoleone, em Milão (a terceira, com 500 metros quadrados, acaba de ser inaugurada em Paris). A espera durou segundos. Logo um deles se aproximou do recém-promovido diretor de operações da Campbell Alliance, consultoria cujo rol de clientes engloba as principais empresas farmacêuticas e de biotecnologia do mundo. O executivo precisava de um figurino à altura do novo cargo.
Três anos depois, ele é um dos principais clientes da grife nos Estados Unidos: 90% do seu armário é recheado de costumes Zegna, ao custo médio de 9.000 reais cada um. Peças Giorgio Armani ocupam o restante. Tanta fidelidade foi recompensada com uma passagem na primeira classe para conhecer o lanifício, na cidade italiana de Trivero — onde punhados de lã merino, mohair, vicunha e cashmere viram tecidos —, e para assistir da fila A ao desfile de verão 2012 na sede da marca, em Milão. Naeymi-Rad visitou a fábrica no mesmo dia da reportagem de VEJA SÃO PAULO, em junho. “Um Zegna su misura equivale em qualidade e precisão a um Patek Philippe”, compara.
Trivero fica a uma hora e meia de Milão. Moram na cidade pouco mais de 6.000 pessoas. Cercada de montanhas esverdeadas por pinheiros — 500.000 deles obra de reflorestamento dos Zegna a partir da década de 30 —, ela tem uma história entremeada com a fabricação de fios e tecidos de lã. Fincada no coração da província de Biella, região do Piemonte, seus habitantes levam fama de ser braccio corto (pães-duros, em uma das traduções).
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Ali Michelangelo Zegna começou a história da grife, que fechou 2010 com um faturamento de 2,2 bilhões de reais. Ao se casar com Catarina, em 1885, Michelangelo recebeu como dote da família, dona do lanifício Lesna Tamellino, seis teares. Abandonou a profissão de relojoeiro e colocou-os para funcionar. O casal teve três filhos: Ermenegildo, Mario e Edoardo. Ermenegildo aprendeu o ofício de tecelão na escola técnica e na fábrica. Aos 18 anos, assumiu o lugar do pai e lançou a primeira coleção no inverno de 1910. À frente de 420 funcionários e sessenta teares, esmerou-se em produzir com os fios mais finos do mundo para concorrer com a indústria têxtil inglesa.
Em 1944, com o afastamento completo de Edoardo e Mario, a empresa passou a se chamar Ermenegildo Zegna e Figli. “Somos precisos em nome da perfeição e para evitar desperdício”, diz Alda Ramella, braço-direito de Mario Fattori no estúdio de criação das gravatas, em Oleggio. O lugar fica no meio do caminho entre Trivero e Como, zona das tecelagens de seda chinesa usadas pela Zegna e pela Gucci e cujo concorrente à altura está em Lyon, na França, de onde saem os exemplares Hermès de seda brasileira. A matemática financeira indica a necessidade de ser braccio corto. Cada cor prevista numa estampa exige uma tela exclusiva de serigrafia. Uma tela custa 700 reais. Uma vez utilizada, acaba no lixo. As gravatas mais complexas, vendidas por cerca de 1.000 reais, levam quinze cores.
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A busca pela perfeição se revela já no arquivo, uma sala na antiga residência da família, ao lado da fábrica. Ele abriga amostras de tecidos e as agendas nas quais Ermenegildo, em caligrafia impecável, anotou com caneta-tinteiro cotações de matéria-prima, nomenclaturas típicas do métier em vários países e endereços de clientes. Em cadernos grandes, ele registrou a composição de cada tecido. O número 1 era uma mescla de 90% flanela e 10% algodão. Pesava 540 gramas por metro quadrado. Hoje, o mais leve da casa pesa um quarto disso, num salto diretamente ligado ao cuidado com a criação e tosa das ovelhas na Austrália, das cabras na Mongólia e das cabras angorás (ou mohair) na África do Sul.
Com o objetivo de garantir a espessura mínima e o comprimento máximo do fio — combinação fundamental para a maciez do tecido —, a Zegna estimula os produtores australianos a tratar as ovelhas a pão de ló, o que significa, também, vesti-las com capas até a tosa. O resultado é que em trinta anos o fio “emagreceu” de 27 micra (um milésimo de milímetro) para 17 micra — um fio de cabelo, para se ter uma ideia, mede 60 micra. No centenário da marca, em 2010, foram produzidos vinte costumes com as dez merinos mais finas obtidas na última década, inclusive a de espessura recorde, do ano passado: 10 micra. Um exemplar foi vendido por 40.000 reais a um banqueiro paulistano na loja do Shopping Iguatemi, na Avenida Faria Lima, um dos cinco endereços da grife no Brasil.
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Feito sob medida na Suíça, é resultado de um processo do fio ao terno que envolve 500 mãos. Seguiu o procedimento clássico do su misura: a escolha da cor e da padronagem, botões de madrepérola com as iniciais do comprador, forro de seda, capa protetora de couro de bezerro e cabide de cerejeira. A espessura recorde da merino iguala a safra 2010 à lã da vicunha, a mais preciosa adquirida pela Zegna. Irmã mais delicada e selvagem da lhama, uma vicunha dá apenas 800 gramas de lã durante a vida. Com permissão do governo peruano, a empresa compra 200 gramas a cada dois anos.
Entre a lã bruta e o tecido pronto, somam-se 35 etapas — pentear, lavar, tingir, vaporizar. Conhecer cada passo permite à Zegna subverter as regras da pura lã, criando blends com fios (cashmere e algodão, merino e seda). Por estação, a fábrica lança 2.000 estilos de tecido, 600 deles reservados para etiqueta própria. Muitos ainda recebem acabamento inventado por uma equipe de cientistas baseada na Suíça. É o caso da camada protetora à prova de acidentes com, digamos, molho de tomate, derivada de uma tecnologia anticondensação desenvolvida pela companhia aérea alemã Lufthansa: basta passar uma esponja com água e… ciao, mancha. Mesmo se dedicando à alfaiataria desde 1968, fornecer tecido aos melhores alfaiates do mundo (Tom Ford e Armani, entre eles) segue na alma do negócio — que, aliás, com mais de 7.000 funcionários, permanece familiar.
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De Ermenegildo, morto em 1966, a empresa passou para as mãos dos filhos Aldo e Angelo. Desde 2006, Gildo, que herdou o nome do avô, ocupa o cargo de CEO. No universo do luxo, cada vez mais dominado por conglomerados, uma linhagem familiar no comando do próprio sobrenome está se tornando uma espécie tão rara quanto a lã de vicunha. Gildo sabe disso e segue firme no desejo de manter a Zegna nas mãos do clã — e maior. Os planos incluem crescer (no Brasil, com lojas no shopping JK Iguatemi, em São Paulo, e no carioca Village Mall) e vestir uma nova geração. “Os homens estão cada vez mais femininos”, afirma ele, em entrevista depois do desfile de verão 2012. “Nosso trabalho é fazer o terno evoluir com esse desejo por novidade, e o fato de controlarmos todas as etapas torna a tarefa mais fácil.”
Para a coleção, nas lojas em agosto do ano que vem, a equipe de Trivero propõe seda pura, linho com seda e seda com algodão. Os costumes vêm em cores pastel, como lilás e verde-água. Echarpes fazem as vezes da gravata. “É uma proposta para um homem elegante e pouco clássico”, resume Gildo. Para os outros 99%, a marca reserva inovações medidas em micra e comedidas na aparência.