Foi apresentada na última terça-feira (23) pela Comissão de Política Urbana da Câmara Municipal a proposta de revisão do Plano Diretor, lei que orienta como o adensamento, a ocupação e as construções na cidade de São Paulo. A proposta deve ser votada na próxima semana. O projeto precisa ser aprovado em duas votações para depois ser enviado para sanção do Executivo.
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Algumas das mudanças são o aumento da possibilidade de edifícios mais altos nos miolos dos prédios, a ampliação do conceito do que é uma área próxima ao transporte público e o afrouxamento das regras para pagamento da outorga onerosa, uma taxa que as construtoras pagam à Prefeitura para erguer seus prédios.
O texto foi apresentado pelo vereador Rodrigo Goulart (PSD), relator da revisão, como forma de um substitutivo ao projeto inicialmente enviado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB).
A proposta enfrenta críticas de urbanistas, de entidades representativas de bairros e de organizações que lutam por moradia porque o substitutivo alterou substancialmente a proposta feita inicialmente pela prefeitura, sem que houvesse tempo hábil para discussão e debate público.
A Vejinha destaca algumas das propostas principais:
Prédios mais altos?
Pela regra atual, é possível construir até quatro vezes a área do terreno em áreas próximas ao transporte público, os chamados eixos de estruturação da transformação urbana. Atualmente, são considerados eixos de estruturação da transformação urbana aquelas áreas que ficam a até 600 metros de estações de metrô, trem ou monotrilho e até 300 metros de corredores de ônibus.
Pela proposta, as áreas poderão ser alteradas “a qualquer momento com base em estudos” para contemplar áreas que fiquem até 1 000 metros de estações de metrô, trem ou monotrilho e até 450 metros de corredores de ônibus.
Nesses eixos é possível construir prédios mais altos. Na prática, com a possibilidade de ampliar a área dos eixos “a qualquer momento”, a prefeitura autoriza que os edifícios maiores sejam construídos mais longe do metrô. Essas ampliações teriam que ser sugeridas pela gestão municipal e aprovadas caso a caso.
Outra mudança que pode acarretar em prédios maiores mesmo longe do transporte público é que a proposta permite que sejam construídos prédios até três vezes a área do terreno em regiões fora dos eixos de estruturação urbana, o que na prática permitiria edifícios mais altos até nos miolos dos bairros.
Outorga onerosa
Atualmente, uma construtora que quiser erguer um prédio na cidade de São Paulo tem que pagar via de regra uma taxa chamada outorga onerosa do direito de construir. O valor varia de acordo com o local onde está o terreno e a altura que o prédio terá. Este valor é pago em dinheiro e vai direto para o Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), que é usado para construção de habitações de interesse social, investimento no transporte público coletivo, em ciclovias e em calçadas.
Pela proposta, essa outorga poderá ser paga não mais em dinheiro, mas em obras. De acordo com o texto, as construtoras poderão pagar o valor “em execução de obras de mobilidade, drenagem e habitação”, que tenham o custo equivalente de até 90% do valor total da contrapartida. Ou seja, há um desconto de 10% do valor da outorga. Caso a empreiteira opte por construir habitação como forma de pagamento, a prefeitura deverá disponibilizar uma lista de terrenos públicos para a execução da obra, preferencialmente em áreas de risco. E caso não haja um terreno disponível, a própria prefeitura poderá usar o dinheiro do Fundurb para comprar terrenos.
A professora do Insper e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento Bianca Tavolari, que faz parte de um grupo que acompanha a revisão do Plano Diretor, criticou a proposta, que em sua visão é “o fim da outorga onerosa”. “Como vai ser calculado o valor da obra? Obra de mobilidade pode abarcar recapeamento de via? quem decide quais são as obras prioritárias? É uma contratação de obra sem licitação? Quem fiscaliza e como? Já é super difícil fiscalizar o gasto dos recursos do Fundurb, imagina fiscalizar cada obra para pagar outorga? Acaba de vez com a lógica do Fundurb. E acaba com a ideia de que é a prefeitura que deve fazer política urbana, com recurso próprio e seguir as prioridades do Plano Diretor, estabelecidas para habitação de interesse social e transporte público”, aponta.
Zonas de concessão
Uma inovação trazida pelo projeto é a criação das Zonas de Concessão. A proposta prevê que a Lei de Zoneamento (que também está em debate na Câmara Municipal) vai disciplinar regras específicas para essas regiões que foram cedidas ou têm planos de serem cedidas para a iniciativa privada – como é o caso do Parque do Ibirapuera, na Zona Sul, e do Vale do Anhangabaú, no Centro.
Na prática, a prefeitura poderá criar novas regras para esses locais que foram concedidos, como permitir a construção de prédios com parâmetros diferentes dos que são seguidos no bairro em que eles estão localizados. Seria possível, em uma zona de concessão, permitir ou proibir prédios mais altos que no entorno, ou com uso comercial que não seria permitido normalmente naquela região.
Vagas de garagem
A proposta prevê mudanças nas regras para vagas de garagem em prédios residenciais próximos ao transporte público. Pela regra atual, cada apartamento tem direito a uma vaga (sem que a construtora pague uma taxa a mais por isso), não importando o tamanho do apartamento.
Mas com a proliferação de estúdios de 20 a 30 metros quadrados na cidade, cada um dando direito a uma vaga, criou-se uma distorção em relação ao objetivo original do Plano Diretor, que é de aumentar a oferta habitacional próxima a estações de metrô e corredores de ônibus justamente para desincentivar o uso do carro.
O substitutivo prevê agora duas opções alternativas, que poderão ser escolhidos pela construtora na hora de fazer o projeto. O primeiro deles é seguir com uma vaga de garagem por apartamento, desde que a unidade tenha mais de 30 metros quadrados. A segunda opção é uma vaga a cada 60 metros quadrados de área privativa. Quando se trata de área privativa, não são consideradas as áreas comuns do prédio e calculam-se apenas as áreas internas dos apartamentos. Com isso, haverá um cálculo mais complexo, de somar todas as áreas privativas para chegar em um número total de vagas. A depender do tamanho das unidades, é possível chegar a mais de uma vaga de garagem por apartamento.
Imóveis ociosos
O texto também traz alterações em relação à notificação de imóveis ociosos. Por lei, todo imóvel na cidade de São Paulo precisa cumprir alguma função, ou seja, um terreno não pode ficar anos vazio ou servir apenas de estacionamento e um prédio já construído não pode ficar abandonado, sem ninguém morando. Quando a prefeitura sabe que um imóvel ficou subutilizado ou não utilizado durante um ano inteiro, pode notificar o proprietário e aumentar o IPTU progressivamente, por cinco anos. Após esses cinco anos, se o proprietário não apresentar um plano de construção ou de utilização do terreno ou imóvel, a prefeitura pode pegar o imóvel para ela.
Segundo a proposta, os imóveis subutilizados ou ociosos que estiverem em zonas de Plano de Intervenção Urbana (PIU) e zonas de concessão poderão ser notificados também. Atualmente, apenas os imóveis nessa situação próximos ao transporte público, no Centro e em zonas especiais de interesse social – definidas pela prefeitura como áreas prioritárias para construção de moradias para as famílias de baixa renda – podem ser notificados.
Habitações de interesse social
A proposta ainda traz regras mais detalhadas sobre a construção de habitações de interesse social, que são destinadas para famílias que ganham entre zero e seis salários mínimos. Em troca, a empresa que constrói esse tipo de empreendimento ganha isenção de outorga. O Ministério Público de São Paulo (MPSP) investiga o suposto desvirtuamento dessas unidades na cidade, com a venda para famílias que ultrapassam a renda estipulada.
O Plano Diretor, atualmente, não detalha as punições que as construtoras e famílias podem ter caso comprem unidades nessa categoria fora da regra. Agora, o substitutivo fixa que as construtoras devem fornecer periodicamente informações ao poder público sobre as unidades habitacionais de interesse social e de mercado popular, como os dados das famílias que adquiriram esses imóveis. Caso sejam constatadas irregularidades, as empreiteiras vão ter que pagar multas e o valor da outorga que havia sido isentado. As famílias que estiverem fora da renda máxima e tiverem comprado imóveis dessa categoria também terão de pagar multa.
O texto ainda prevê que a prefeitura vai fazer um acordo com o serviço de registro de imóveis para receber notificações sobre a comercialização desses imóveis, e que será editado um decreto regulamentando as formas de fiscalização dessa política pública. A proposta ainda determina que o valor do aluguel dessas unidades não poderá ultrapassar 25% da renda familiar.