Quando o céu escurece, a dona de casa Jussara Furukawa, de 59 anos, moradora do bairro do Butantã, imediatamente corre ao quintal de sua casa para observar a formação das nuvens. A algumas quadras dali, o aposentado Djalma Kutxfara, 72, vai até o Rio Pirajuçara e avalia se há o risco de ele transbordar. Caso vislumbrem algum grave problema no horizonte, eles não demoram a agir: discam para o Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE), da Prefeitura de São Paulo, informando os meteorologistas sobre o risco iminente. A dupla em questão faz parte do grupo de vinte voluntários treinados pelo órgão para ajudar a monitorar a ocorrência de chuvas e reduzir danos na cidade. Com o início da temporada de cheias em novembro, a turma trabalha em regime de vigilância máxima. “A ajuda é fundamental para que a nossa avaliação seja precisa e as nossas ações, rápidas”, diz o engenheiro Hassan Barakat, gerente do CGE.
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Desde 1999, o departamento é responsável pelo monitoramento das chuvas na metrópole. Além das informações da equipe de observadores, espalhada pelos quatro cantos da capital, ele conta com dados de radares meteorológicos e de 200 medidores pluviométricos e fluviométricos — o primeiro registra o volume de água que atinge o solo e o segundo, o nível dos rios. O serviço mantém contato direto com a Defesa Civil (que socorre as vítimas), a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e a população, por meio de telefone e internet.
O relacionamento do CGE com os seus parceiros é uma via de mão dupla. Da mesma forma que recebe notícias, a central liga para eles sempre que necessário. Essas informações são especialmente cruciais para Jussara, cuja mãe é inválida. “No verão passado, após ser avisada, tirei ela de casa pelo menos dez vezes”, conta. Conhecidos em suas comunidades, os voluntários são responsáveis por alertar os vizinhos dos riscos de enchentes — a última grande cheia na região do Pirajuçara ocorreu em 2009, quando a água subiu mais de 1 metro. Djalma leva a missão tão a sério que mantém no telhado de sua residência uma sirene com 600 metros de alcance. “A ideia é que as pessoas levantem as comportas, cubram os ralos e fiquem preparadas para abandonar o local”, diz.
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Apesar do empenho desse grupo, o paulistano deve amargar mais um verão caótico. É quase inacreditável que, depois de tantos problemas e tantas promessas, São Paulo continue desprotegida. Diante disso, tão certo quanto as chuvas de verão é o fato de que veremos a repetição do caos nos mesmos pontos de sempre. “O governo tem trabalhado, mas as ações são insuficientes”, explica o engenheiro e consultor em macrodrenagem Aluísio Pardo Canholi.
A maior parte das obras necessárias não ficou pronta a tempo de proteger a cidade. O governo estadual está implementando três piscinões, e a prefeitura finaliza uma obra de canalização no Pirajuçara, entre outras. Mas, ainda assim, nada avançou em outras regiões problemáticas. O Vale do Anhangabaú, que enfrenta a fúria das águas desde a década de 40, pode voltar a encher, levando à interdição do túnel. Em abril, a gestão de Gilberto Kassab cancelou a construção de dois piscinões (nas praças 14 Bis e da Bandeira). A região da Pompeia, cujo cruzamento da avenida homônina com a Francisco Matarazzo fica intransitável nos dias de enxurrada, ainda aguarda o fim da licitação para a ampliação das galerias dos córregos Sumaré e Água Preta. A Vila Madalena é outro bairro que pode sofrer com as cheias. O projeto do reservatório na Praça Horácio Sabino encontra-se parado em decorrência de uma briga na Justiça relacionada à questão da licença ambiental da construção.
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O poder público também está deixando a desejar na manutenção da infraestrutura. O Rio Tietê, por exemplo, ficou quase três anos (de 2006 a 2008) abandonado, a ponto de as melhorias da obra de rebaixamento da calha serem prejudicadas. Em junho, a retirada de entulho foi intensificada, mas o próprio governador Geraldo Alckmin não descartou completamente a possibilidade de transbordamentos. Os vinte poços de armazenamento de água da capital têm sido limpos, mas os 25 da região do ABC estão com cerca de 20% a menos de sua capacidade por falta de cuidado, o que deve trazer problemas para quem mora na metrópole. “O Rio Tamanduateí passa pelo ABC e deságua no Tietê”, explica o geólogo Edilson Pissato, professor do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP). “Se os reservatórios não funcionarem bem, um volume maior de água chegará à capital.”
CIDADE DESPROTEGIDA
Maior parte das obras para resguardar a metrópole não foi concluída
Manutenção do rebaixamento da calha do Tietê
Após três anos abandonado (de 2006 a 2008), o rio voltou a ser limpo. Em junho, o governo intensificou os trabalhos e pretende tirar 2,1 milhões de metros cúbicos de entulho até o fim do ano. A ação, no entanto, não elimina o risco de transbordamento no verão.
Construção e reforma de galerias
Neste ano, a prefeitura investiu 2 milhões de reais em construção e reforma desse tipo de sistema de drenagem. As obras dos córregos Sumaré e Água Preta estão em fase de licitação e devem começar em 2012.
Limpeza de bocas de lobo
Desde janeiro, foram limpos mais de 1 milhão de bocas de lobo, 1.700 quilômetros de córregos e 843 quilômetros de galerias e ramais.
Construção de piscinões
Em abril, a prefeitura desistiu da obra de outros dois no centro (praças 14 Bis e da Bandeira). O governo estadual está implantando mais três piscinões, mas eles não serão entregues neste ano.
Conservação de reservatórios
Os 25 reservatórios da região do ABC estão assoreados — com cerca de 20% a menos de sua capacidade —, o que pode contribuir para o transbordamento do Tietê e enchentes na capital.