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Acusações movimentam eleição na Santa Casa

Falta de transparência em contratos, oportunismo e aumento de dívidas estão entre as farpas trocadas pelos concorrentes

Por João Batista Jr.
Atualizado em 1 jun 2017, 17h24 - Publicado em 27 fev 2014, 18h06
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  • O dia 16 de abril deve ser para lá de especial para o advogado Kalil Rocha Abdalla, de 72 anos. Nessa data, ele disputará o comando de duas instituições bem conhecidas dos paulistanos: o São Paulo Futebol Clube e a Santa Casa de Misericórdia. Tricolor roxo, Abdalla sai na chapa opositora ao atual presidente da agremiação, Juvenal Juvêncio. No caso do controle do maior hospital filantrópico do Brasil, o embate será com o médico pediatra José Luiz Setúbal, de 57 anos, acionista do banco Itaú (e também são-paulino). “O bom de as eleições serem no mesmo dia é que posso fazer apenas uma festa para comemorar as duas conquistas”, provoca o advogado, que tenta seu terceiro mandato. O opositor, entretanto, também tem a certeza da vitória. “Estou convicto de que vou ganhar, pois há um descontentamento geral com a situação da Santa Casa”, afirma Setúbal. Nos bastidores, o clima está quente e ultrapassou os muros de tijolos do prédio da Vila Buarque, erguido em 1884. De um lado, acusações de má gestão e falta de transparência. O outro vê a candidatura como oportunismo e com objetivo de transformar o hospital em um lugar elitista.

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    O que está em disputa é o controle de um hospital privado, porém sem fins lucrativos, por onde passam 3,5 milhões de pacientes por ano. O orçamento anual é de 1,3 bilhão de reais — esse é o dado oficial: a oposição diz que esse valor é de 1,6 bilhão (para efeito de comparação, o Hospital das Clínicas tem orçamento de 1,4 bilhão e atende 16 milhões de pessoas por ano). A atual gestão da Santa Casa, há seis anos no poder, viu sua dívida saltar de 50 milhões para 350 milhões de reais. “A situação está caótica”, diz Setúbal, que integrava a base de apoio de Abdalla. Em outubro do ano passado, ele decidiu liderar uma chapa de oposição por discordar de alguns pontos. Um exemplo disso seria a falta de transparência dos contratos de aluguel dos 250 imóveis que a entidade possui na capital — todos frutos de doação. Um deles é firmado com as Casas Bahia, onde foi no passado a sede do Mappin, no centro. O valor do aluguel: 400 000 reais mensais. “Não temos acesso aos corretores nem sabemos exatamente quanto cada imóvel rende de aluguel”, continua Setúbal.

    Abdalla rebate as críticas e diz que sempre deixou os documentos ao acesso de todos, mas reconhece: “A dívida de fato aumentou”. Sua justificativa é a entidade ter construído novos prédios e ampliado seus serviços. “Fizemos uma segunda unidade do Hospital Santa Isabel, uma casa para crianças desenganadas e um centro de pesquisas.” Só a nova sede da faculdade de ciências médicas, cuja inauguração  está prometida para o mês que vem, custou 30 milhões de reais e vai comportar 1 000 alunos. A dívida gera juros de 2,5 milhões de reais por mês. Abdalla diz estar em negociação com o governo federal para tentar liquidá-la. “Se dão porto para Cuba, por que não ajudar nosso hospital?”, questiona ele, citando o fato de a presidente Dilma ter emprestado dinheiro do BNDES para a construção de um porto nas proximidades de Havana.

     

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    Um dos problemas da dívida da Santa Casa independe da atual administração: 60% da renda da entidade vem do dinheiro do Sistema Único de Saúde, que há dez anos não corrige os valores pagos pelos procedimentos hospitalares. “Existe uma defasagem entre o que o SUS paga e o que uma cirurgia, por exemplo, de fato custa”, diz José Reinaldo Nogueira de Oliveira Junior, ex-presidente da Federação das Santas Casas do Brasil e integrante do comitê da Santa Casa de São Paulo. “Mas nenhuma dívida pode ser creditada apenas ao SUS.” Oliveira Junior conta ter sido convidado a integrar tanto a chapa de Abdalla quanto a de Setúbal. Recusou ambas.

    Kalil Rocha Abdalla por Mario Rodrigues
    Kalil Rocha Abdalla por Mario Rodrigues ()

    A tensão nos corredores da Santa Casa atingiu a equipe de médicos. Segundo o grupo ligado a Setúbal, os profissionais da saúde foram coagidos a assinar uma carta de apoio à candidatura do presidente atual. Abdalla nega: “É mentira. Eles o fizeram espontaneamente”. Setúbal escalou a consultoria empresarial americana McKinsey para elaborar propostas de gestão e otimização de recursos para auxiliar em seu possível mandato, o que fez com que alguns profissionais temessem um corte na folha de pagamento. Hoje, a Santa Casa tem 18 000 funcionários. Para acalmá-los, Setúbal mandou-lhes uma carta aberta: “Respeito muitos as pessoas com mais tempo de casa; elas serão reconhecidas. Mas acredito que todos precisamos ter regras claras de aposentadoria.” Ex-presidente da AACD, o empresário Eduardo Carneiro integra a chapa de Setúbal e sai em sua defesa. “A instituição faz uma administração deficiente e compromete os atendimentos de alto padrão”, afirma. “Além disso, acho estranho alguém querer ser freira e passista de escola de samba ao mesmo tempo”, ironiza ele, sobre a tentativa de Kalil de disputar o comando da Santa Casa e o do time do São Paulo.

    Imagem histórica da Santa Casa, prédio aberto em 1884
    Imagem histórica da Santa Casa, prédio aberto em 1884 ()
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    O estilo de Kalil e o de Setúbal são como água e óleo. O atual presidente tem formação em direito pelo Largo São Francisco e respira os ares da Santa Casa há mais de vinte anos, quando foi nomeado mordomo da administração imobiliária na gestão do doutor José Celestino Bourroul. A partir de então, ele também acumulou a responsabilidade de procurador de administração jurídica das gestões seguintes. Decidiu se candidatar em 2008 contra o então aliado Domingos Quirino. Levou a melhor, com mais de 60% dos votos. Na eleição de 2011, venceu sem muito esforço — era candidato único.

    Já José Luiz Setúbal é um homem discreto, fala baixo e não perde a missa de domingo. Sua história com a Santa Casa começou quando ele foi aprovado no vestibular de medicina da instituição, onde se formou na turma de 1981. Muito antes disso, porém, seu bisavô Antônio Lacerda Franco já havia sido provedor da entidade. Setúbal sempre foi um financiador de obras dali, como a modernização da biblioteca da faculdade e a implementação de bolsas de estudos para alunos em faculdades como Harvard, nos Estados Unidos. Entre 2005 e 2010, doou 130 000 reais por ano. “Me chamam de banqueiro, mas é mentira”, rebate ele, um dos sete filhos de Olavo Setúbal, fundador do Itaú. “Eu nunca trabalhei em banco na minha vida, mas admiro minha família e tenho orgulho dos dividendos que me ajudam a fazer trabalhos sociais”, diz. Ele também preside o Hospital Infantil Sabará.

    O resultado da eleição está nas mãos dos 500 irmãos da Santa Casa. Destes, curiosamente apenas quarenta são médicos — entre os integrantes há desde advogados, engenheiros e políticos até celebridades como a atriz Beatriz Segall. Na prática, pouco mais da metade desse grupo participa das votações: 70% deles têm mais de 70 anos. O voto é fechado, e a posse será no mesmo dia da eleição. Agora é esperar para ver qual desses dois são-paulinos vai levar a melhor fora dos gramados.

    O universo da Santa Casa

    1,3 bilhão de reais de orçamento

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    350 milhões de reais de dívida

    3,5 milhões de pacientes atendidos por ano

    6 milhões de exames anuais

    18 000 funcionários

    250 imóveis na cidade, entre eles o prédio onde fica a atual Casas Bahia (sede do antigo Mappin), no Anhangabaú

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